terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Coronel Xavier Chaves

Imagem: jef




Enquanto ouço Led Zeppelin nesta tarde quente de janeiro de dois mil e dezenove, penso em Coronel Xavier Chaves (também conhecida por Coroas), onde decidi fincar raízes. Estou mais para ave de arribação do que árvore. Em outras palavras, se o vento vier com força, pode acontecer da árvore alçar voo, levando consigo lembranças das paisagens, pessoas e pedras.
      Se ainda não fiz muito amigos  é mais por conta da minha natureza arredia, que encontrou aqui gente igual a mim. Não citarei nomes, para não correr o risco de esquecer alguns, algumas. Quanto as paisagens, já disse em outras crônicas, estão num projeto de um livro de minicontos, Outras Espécies, que não sei se será impresso, pois estes três anos e alguns dias de governo Bolsonaro*, aprofundaram a crise econômica, social, ambiental e cultural, praticamente inviabilizando a edição e publicação de livros em edições alternativas. Digo praticamente, porque somos teimosos, damos murros em pontas de facas; navegamos contra a maré. Num contexto de Estado de Exceção, é um desafio, como diz a canção de Milton Nascimento, "o artista ir aonde o povo está".
      Voltando a Coronel Xavier Chaves, pequeno e sossegado município, dormir é tudo de bom. Pura tranquilidade. Nestes mais de quatro anos em que aqui moro, não presenciei um assalto, um assassinato. Informaram-me que há cerca de vinte anos não há boletim de ocorrência (BO) de assassinato ou lesão corporal. A polícia, no máximo, coloca panos quentes em brigas de casais.
       Se quero um pouco de barulho e serviços, num pulo vou  a São João del Rei ou a Barbacena; se prefiro cultura, arte e culinária (que também é arte, tem aqui), outro pulinho a Tiradentes, a Bichinho e Prados. Tapeçaria é em Resende Costa. Móveis rústicos encontram-se em Santa Cruz de Minas; mas se desejo uma ducha, nada melhor que as dezenas de cachoeiras de Carrancas ou no Jaburu em Ritápolis. Saborosos biscoitos a gente encontra em São Tiago. Não sei a quantas andas, mas tem um projeto intermunicipal de criar o caminho de São Tiago.
   Falar de minha cidade é lembrar de seu entorno, inclusive os povoados: São Caetano, Água Limpa, Cachoeira (que não tem cachoeira), Invernada, Pinheiros, entre outras. Como já disse, estes pontos turísticos estão em outras crônicas ou em poesias; também em Outras Espécies. E quem sabe um dia no hino da cidade? Disse lá atrás, que não citaria nomes, mas não posso deixar de lembrar o meu bom amigo e professor de bateria, Alexandre Marcos, que nos deixou no auge de seus vinte e dois anos de idade. Ele me contou muito sobre a cidade e seus mistérios. Ao me lembrar dele, me vem à mente a bateria Unidos do Sapo Caiu, em que ele comandava pelo repenique e no apito. Disseram-me, ao pé do ouvido, como é costume de parte significativa dos moradores, que não teremos nesse ano o que seria, se não me engano, o vigésimo terceiro Carnaxachaça, portanto, sem o som do Sapo Caiu e da Chapa Quente, outra bateria que despontava. Informaram-me extraoficialmente, que haverá carnaval, mas ao estilo da família tradicional e a banda Santa Cecília (formanda majoritariamente por crianças) será uma das atrações.
    É uma cidade de paz e tranquilidade. Quando aqui cheguei, era olhado de lado. Um forasteiro. Fiquei conhecido por "o escritor", para uns, "poeta", para muitos e muitas. Há quem me chame de Seu Zé, de José, Estanislau também. Agradeço muito a cidade e aos moradores, que me deram a chance de ocupar meu tempo com duas coisas que amo: escrever e ler. Além de participar da oficina de teatro; aprender a tocar um instrumento musical; jogar futebol, tendo como adversárias, belas e talentosas atletas. Não tenho a agilidade dos meus dezesseis anos, mas dou as minhas caneladas. Falei para uma atacante, rápida e habilidosa: - voltei aos meus tempo de zagueiro em que a bola passava, mas o atleta não!. Ela me respondeu com um olhar enigmático: -estou vendo! E eu retruquei: - não venha com graça pra cima de mim.  E de fato ela parou de tentar me dar canetas.

J Estanislau Filho


* O governo Bolsonaro é continuidade do governo Temer.



Na aula de bateria no estúdio de Alexandre Marcos. Imagem: am


Imagem: jef

domingo, 13 de janeiro de 2019

Não desistam da poesia

Imagem: Rainha Maria





"Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar".

Betold Brecht


Vivemos dias obscuros. Obscenos.
Corações plúmbeos. Pulando obstáculos,
para não cair nas garras do ódio!
Correr atrás do pão de cada dia.
A prioridade é alimentar o corpo.
Mas como saciar a fome e a sede da alma?
Poesia não enche barriga,
dizem os de barriga cheia.
Não desistam da poesia. Ela é uma barricada contra
a fome dos bárbaros,
que não a vê com bons olhos.
Sem poesia a alma seca,
os desejos, mesmo os mais humildes não se manifestam.
Aos humilhados o que resta é a servidão.
As sobras das sobras dos banquetes de gente perversa,
que é a sobra do que sobrou dos capatazes da elite.
Não desistam da poesia. Ela é companheira
dos indignados. O alimento necessário à luta por transformações.
Não desistam, pois é isso que um por cento da população quer,
apoiada por seu séquito de capachos.
Está ouvindo tiros? Ouve o grito dos desesperados?
Quem morre e quem vive, eis a questão.
Quem ganha e quem perde nestes dias sombrios...

J Estanislau Filho







Imagem: Catarina Fernandes e João Porfírio



sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Marcelo Zero: Não há método na burrice, Brasil foi assaltado por uma legião de oligofrênicos

        No dia da posse de Bolsonaro como presidente, o carro em que estava foi, na contramão, da catedral de Brasília para o Congresso. Aí, há um trecho com grama. Bolsonaro saudou-a
V



Nã há método na burrice 

por Marcelo Zero

O grande Goethe já nos advertia que “não há nada mais terrível que uma ignorância ativa” (Es ist nichts schreklicher als eine tätige Unwissenheit).

Obviamente, Goethe não teve o prazer de conhecer Bolsonaro e sua preclara equipe de fundamentalistas cristãos e sumidades emergidas das redes sociais.

Se tivesse, teria acrescentado que não há nada mais desastroso que a ignorância ativa que chega ao poder.

Com efeito, mal começou e o governo do capitão exibe a um mundo estarrecido um festival tragicômico de declarações brutais e estapafúrdias e de decisões beócias e cretinas, seguidas invariavelmente por apressados e canhestros desmentidos.

Ornamenta esse festival de obtusidades as seguidas desautorizações dos zurros presidenciais.

Com o novo mandato, instaurou-se a mais completa anomia. Ninguém sabe direito que decisões serão concretizadas e quem, de fato, manda no governo, sé é que há alguém que manda.

Há a incômoda sensação de se estar em num barco à deriva, que ruma impotente rumo ao Maelstrom, sob o olhar impassível do Jesus da Goiabeira, que não ora por nós.




Há alguns, no entanto, que veem essa algazarra trágica como um plano mefistofélico, destinado a distrair a opinião pública das “verdadeiras intenções” do governo fascistoide, que quer entregar os destinos da Nação a desinteressados agentes do capital internacional.

É possível. Afinal, nada mais funcional a esses interesses que um presidente que fez da ignorância e da boçalidade a sua raison d’être.

Um presidente que não entende nada, não manda nada, e que está disposto a bater continência até para o Rin Tin Tin, pastor alemão que serve galhardamente ao Exército dos EUA.

Como diziam os antigos gregos, aqueles a quem os deuses querem destruir primeiro enlouquecem. Portanto, é possível que haja alguma funcionalidade oculta, bem oculta, nesse enredo giocoso de ópera bufa. Alguma coisa cuja lógica seja acessível apenas aos deuses.

Suspeito, contudo, usando a Navalha de Occam, que a verdade seja, como soe acontecer, mais simples e mais brutal: o Brasil foi assaltado por uma legião de oligofrênicos que não tem a menor ideia de como governar o país.

Mesmo o insigne “Posto Ipiranga”, sumidade gestada na Escola de Chicago, que respirou os ares impolutos de Santiago de Chile, parece desconhecer fatos básicos sobre o Brasil, como, por exemplo, o de que o orçamento de um ano tem de ser aprovado no ano anterior, informação acessível até mesmo a mortais comuns medianamente letrados.

O Itamaraty, que já nos legou quadros extraordinários, à esquerda e à direita, agora nos brinda Ernesto Araújo, um diplomata, por assim dizer, intelectualmente muito original, até mesmo surpreendente. Suas animadas arengas demonstram, em vários idiomas, uma mente muito atrás de seu tempo.

Já o grande círculo militar do poder parece ter faltado a algumas aulas na Escola Superior de Guerra e não ter se empenhado muito na leitura das obras de Golbery. Isso explicaria as misteriosas referências à Terceira Guerra Mundial, provavelmente desencadeada contra o kit gay, aliado da mamadeira de piroca, bem como a total ausência de rigor geopolítico em suas soi disant “análises”.

Não creio que haja funcionalidade política nessa grotesca barafunda. Qualquer governo, mesmo aquele que não tem compromisso com os interesses do país e do seu povo, precisa de credibilidade e legitimidade para administrar.

No entanto, o desgoverno do capitão parece obstinadamente empenhado em queimar rapidamente todo o seu capital político, laboriosamente amealhado em anos de fake news e de ódio a tudo que cheire a progresso.

Muito provavelmente, a legião de acéfalos que se apossou do Estado achava que governar seria tão fácil quanto disseminar mentiras pelo Twitter e pelo Facebook, ou como operar “milagres” numa igreja neopentecostal.

Infelizmente, não é. Governar exige profundo conhecimento do país, do mundo e da máquina pública.

É tarefa muito complexa e difícil, que deveria ser atribuída, segundo Platão, apenas a homens sábios.

Sabedoria que não pode ser identificada com conhecimento acadêmico, mas que não pode dispensar visão racional do mundo, coisa que o capitão e sua voluntarista armada Bolsoleone evidentemente não têm.

No governo, fé não move montanhas. Competência, sim.

Assim sendo, não parece haver método na burrice e plano na improvisação.

Conta a história que Leon Trotsky, exasperado com as posições irrefletidas do escritor e político norte-americano Dwight Macdonald, teria afirmado: “Todo homem tem o direito de ser ocasionalmente estúpido, mas o companheiro Macdonald abusa desse privilégio”.

Como Goethe, Trotsky não conheceu Bolsonaro. 





     


 Gostou do artigo? Compartilhe...                                               


Fonte:
https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/marcelo-zero-brasil-foi-assaltado-por-uma-legiao-de-oligofrenicos-que-nao-tem-a-menor-ideia-de-como-governar-o-pais.html?utm_medium=popup&utm_source=notification&utm_campaign=site

sábado, 5 de janeiro de 2019

Uma flor




Eu a chamo de flor, simplesmente. Ela se abre uma vez ao ano. Ganhei a batata, ou tubérculo, de uma amiga lá em Esmeraldas, onde nós tínhamos uma chácara. Ainda lá ela se abriu por dois ou três anos, se bem me lembro. Quando vendemos a chácara, arranquei a batata e a trouxe comigo. Como voltei a morar na cidade, planteia-a em um vaso com terra adubada. Ela me acompanha há uns anos. Em novembro ela começa a sair debaixo da terra, para contemplar a vida aqui fora, respirar e exibir suas vestes vermelhas pontiagudas. Ela forma uma bola vermelha cheia de pontas, agulhas macias.  As flores se abrem e se fecham, sem culpas; sem pressa.  Enquanto para nós, humanos, o tempo é um inimigo sórdido a ser batido. As flores não têm a preocupação com seu tempo de vida. Nascem, dão flores e morrem naturalmente. Espalham sementes e brotos, para manter viva a espécie. enquanto nós, humanos, travamos uma batalha de Pirro contra a morte.  A nossa relação com a vida é distópica. Destruímos as nossas flores internas. Vida e morte caminham lado a lado e podem viver em harmonia, como esta flor que morre e renasce uma vez ao ano, cujo nome, segundo informações colhidas por aí, é: Coroa Imperial. Apesar de eu não ter a mínima admiração por impérios, apaixonei-me por ela. A natureza não está preocupada com isso.  Mas nós queremos um nome; até brigamos por um. Tem uma cena em Cem Anos de Solidão, do genial Gabriel Garcia Marquez, em que uma comunidade perde a memória e esquece o nome das coisas. Os nomes são invertidos, como flor não é flor, passa a ser nomeada de :minério, por exemplo; uma porta não é mais porta; porteira vira bacia, algo assim.  Sabemos, graças à biologia, o nome de várias espécies.  E de como cuidar delas.
  Pois é: a Coroa Imperial fulorô...



       Imagem: jef


J Estanislau Filho



sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

rumo



"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"


Friedrich Nietzsche




não é falta de rumo
nem falta de assunto ou cansaço
é preguiça mesmo de falar pras paredes
nas redes que de sociais apenas o nome
mais consome energia
algoritmo semântico
da luta de classes

não é falta de rumo
em resumo é o barco à deriva
com fanáticos verde-oliva no timão
e as mentiras deslavadas
de quem não lava nada
é o fim do mundo não
pois o mundo dá voltas
ora em coma
ora em festa
em terra plana
plena de seu retorno

há que se ter nervos de aço
de assumir compromisso
com a verdade dos fatos
não é falta de rumo
é para onde vamos
[alguns poucos não]
com os corpos mutilados
num abraço de afogados



J Estanislau Filho