quinta-feira, 26 de junho de 2025

Criaturas

     



      Nem bem o dia é  interrompido pela noite, estranhas criaturas saem  de seus esconderijos à procura de suas presas, para satisfazerem seus instintos mórbidos, com sangue nos olhos, cognição reduzida.  As vítimas preferidas são as  criaturas de luz, pelas quais têm ódios mortais.  Mas não pensem, que apesar das limitações cognitivas, essas estranhas criaturas não tenham  métodos. Atacam a base das criaturas de luz, os seres que consideram  inferiores. Entre os métodos utilizados, tem um que seduziu grande parte da base dos seres de luz: a inversão de valores. Toda a maldade que as criaturas da obscuridade pratica, atribui  às criaturas da luminosidade, ou seja, a mentira como verdade. Quando  destruíram  as instalações das sedes de proteção à liberdade, disseram que foram agentes dos seres de luz infiltrados. Tendo, portanto, a mentira como método, a inversão de valores conquistou corações e mentes, uma vez que eles dispõem  de mecanismos sofisticados de distribuição em massa. Assim, seus métodos vão minando a utopia, o sonho de um lugar em que todos possam viver em harmonia.

     A luta entre as criaturas da noite, contra as criaturas do dia vem de tempos imemoriais. Há quem acredite que o fim desse embate está próximo. Ainda não é possível prever, quem sairá vitorioso. As do dia dizem que as da noite estão em seus últimos estertores, as da noite contra-atacam, com mais mentiras. A mais recente é a de que as criaturas do dia são responsáveis pelo desequilíbrio planetário,  por consumirem demais.  As criaturas do dia respondem, que as da noite acumulam renda per capta. Poucos sabem o que isto significa.


J Estanislau Filho




sábado, 21 de junho de 2025

Dois poemas de Marise Castro

 

Imagem cedida pela autora



Lapsos...

 

Tinha a chuva que contava de ledos
finais de tardes e de carinhos
 
Havia o vinho, guardado na adega,
sempre a insinuar outros caminhos...
 
E as palavras escasseavam, enquanto
chamas de velas tremulavam
 
E as sombras se faziam auras
nos recortes das lembranças,
se inventando torvelinhos.
 
E pouco importava o livro caído
ou suas folhas reviradas
 
A poesia éramos nós,
 
em cada ínfimo momento
tornado doce lapso de tempo.



Ou Não Desculpe Nada...

  

Desculpa a sala
Desculpa a cara
Desculpa a mácula...
 
 
Desculpa por algumas crianças ganharem doces balas,
 
Desculpa por algumas ganharem apenas... balas!
 
 
Mas vocês, pequeninos, nas suas solitárias valas,
Não desculpem, de alguns, a mentira que resvala.
 
 
Ou não desculpem nada...
 
por cada inocente voz que subitamente se cala,
nem por cada indecente rajada de balas,
nem a cada um que omite qualquer fala...
 
Culpem tudo... é melhor!

 

 

Marise Castro


Sobre a autora

“Artista” desde a pré-escola, Marise Castro ‘burlou’ o desejo dos pais e enveredou pelo mundo das Artes. Graduou-se em Artes Cênicas  (Bacharelado), posteriormente em Educação Artística (com Licenciatura), e atualmente cursa Artes Visuais/Escultura na UFRJ. É Professora de Artes Visuais e Poeta amadora nas horas vagas. A Licenciatura em Educação Artística a colocou em contato com diversas formas de expressão (Pintura, Gravura, Escultura etc.), e o curso atual com a Escrita de Artista e a Fotografia. Ama e trata a Arte como Vida! 


terça-feira, 17 de junho de 2025

Os Dragões - Murilo Rubião




Os primeiros dragões que apareceram na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes. Receberam precários ensinamentos e a sua formação moral ficou irremediavelmente comprometida pelas absurdas discussões surgidas com a chegada deles ao lugar.

Poucos souberam compreendê-los e a ignorância geral fez com que, antes de iniciada a sua educação, nos perdêssemos em contraditórias suposições sobre o país e raça a que poderiam pertencer.

A controvérsia inicial foi desencadeada pelo vigário. Convencido de que eles, apesar da aparência dócil e meiga, não passavam de enviados do demônio, não me permitiu educá-los. Ordenou que fossem encerrados numa casa velha, previamente exorcismada, onde ninguém poderia penetrar. Ao se arrepender de seu erro, a polêmica já se alastrara e o velho gramático negava-lhes a qualidade de dragões, “coisa asiática, de importação europeia”. Um leitor de jornais, com vagas ideias científicas e um curso ginasial feito pelo meio, falava em monstros antediluvianos. O povo benzia-se, mencionando mulas sem cabeça, lobisomens.

Apenas as crianças, que brincavam furtivamente com os nossos hóspedes, sabiam que os novos companheiros eram simples dragões. Entretanto, elas não foram ouvidas. O cansaço e o tempo venceram a teimosia de muitos. Mesmo mantendo suas convicções, evitavam abordar o assunto.

Dentro em breve, porém, retomariam o tema. Serviu de pretexto uma sugestão do aproveitamento dos dragões na tração de veículos. A ideia pareceu boa a todos, mas se desavieram asperamente quando se tratou da partilha dos animais. O número destes era inferior ao dos pretendentes.

Desejando encerrar a discussão, que se avolumava sem alcançar objetivos práticos, o padre firmou uma tese: os dragões receberiam nomes na pia batismal e seriam alfabetizados.

Até aquele instante eu agira com habilidade, evitando contribuir para exacerbar os ânimos. E se, nesse momento, faltou-me a calma, o respeito devido ao bom pároco, devo culpar a insensatez reinante. Irritadíssimo, expandi o meu desagrado:

— São dragões! Não precisam de nomes nem do batismo!

Perplexo com a minha atitude, nunca discrepante das decisões aceitas pela coletividade, o reverendo deu largas à humildade e abriu mão do batismo. Retribuí o gesto, resignando-me à exigência de nomes.

Quando, subtraídos ao abandono em que se encontravam, me foram entregues para serem educados, compreendi a extensão da minha responsabilidade. Na maioria, tinham contraído moléstias desconhecidas e, em consequência, diversos vieram a falecer. Dois sobreviveram, infelizmente os mais corrompidos. Mais bem-dotados em astúcia que os irmãos, fugiam, à noite, do casarão e iam se embriagar no botequim. O dono do bar se divertia vendo-os bêbados, nada cobrava pela bebida que lhes oferecia.A cena, com o decorrer dos meses, perdeu a graça e o botequineiro passou a negar-lhes álcool. Para satisfazerem o vício, viram-se forçados a recorrer a pequenos furtos.

No entanto eu acreditava na possibilidade de reeducá-los e superar a descrença de todos quanto ao sucesso da minha missão. Valia-me da amizade com o delegado para retirá-los da cadeia, onde eram recolhidos por motivos sempre repetidos: roubo, embriaguez, desordem.

Como jamais tivesse ensinado dragões, consumia a maior parte do tempo indagando pelo passado deles, família e métodos pedagógicos seguidos em sua terra natal. Reduzido material colhi dos sucessivos interrogatórios a que os submetia. Por terem vindo jovens para a nossa cidade, lembravam-se confusamente de tudo, inclusive da morte da mãe, que caíra num precipício, logo após a escalada da primeira montanha. Para dificultar a minha tarefa, ajuntava-se à debilidade da memória dos meus pupilos o seu constante mau humor, proveniente das noites maldormidas e ressacas alcoólicas.

O exercício continuado do magistério e a ausência de filhos contribuíram para que eu lhes dispensasse uma assistência paternal. Do mesmo modo, certa candura que fluía dos seus olhos obrigava-me a relevar faltas que não perdoaria a outros discípulos.

Odorico, o mais velho dos dragões, trouxe-me as maiores contrariedades. Desastradamente simpático e malicioso, alvoroçava-se todo à presença de saias. Por causa delas, e principalmente por uma vagabundagem inata, fugia às aulas. As mulheres achavam-no engraçado e houve uma que, apaixonada, largou o esposo para viver com ele.

Tudo fiz para destruir a ligação pecaminosa e não logrei separá-los. Enfrentavam-me com uma resistência surda, impenetrável. As minhas palavras perdiam o sentido no caminho: Odorico sorria para Raquel e esta, tranquilizada, debruçava-se novamente sobre a roupa que lavava.

Pouco tempo depois, ela foi encontrada chorando perto do corpo do amante. Atribuíram sua morte a tiro fortuito, provavelmente de um caçador de má pontaria. O olhar do marido desmentia a versão.

Com o desaparecimento de Odorico, eu e minha mulher transferimos o nosso carinho para o último dos dragões. Empenhamo-nos na sua recuperação e conseguimos, com algum esforço, afastá-lo da bebida. Nenhum filho talvez compensasse tanto o que conseguimos com amorosa persistência. Ameno no trato, João aplicava-se aos estudos, ajudava Joana nos arranjos domésticos, transportava as compras feitas no mercado. Findo o jantar, ficávamos no alpendre a observar sua alegria, brincando com os meninos da vizinhança. Carregava-os nas costas, dava cambalhotas.

Regressando, uma noite, da reunião mensal com os pais dos alunos, encontrei minha mulher preocupada: João acabara de vomitar fogo. Também apreensivo, compreendi que ele atingira a maioridade.

O fato, longe de torná-lo temido, fez crescer a simpatia que gozava entre as moças e rapazes do lugar. Só que, agora, demorava-se pouco em casa. Vivia rodeado por grupos alegres, a reclamarem que lançasse fogo. A admiração de uns, os presentes e convites de outros, acendiam-lhe a vaidade. Nenhuma festa alcançava êxito sem a sua presença. Mesmo o padre não dispensava o seu comparecimento às barraquinhas do padroeiro da cidade.

Três meses antes das grandes enchentes que assolaram o município, um circo de cavalinhos movimentou o povoado, nos deslumbrou com audazes acrobatas, engraçadíssimos palhaços, leões amestrados e um homem que engolia brasas. Numa das derradeiras exibições do ilusionista, alguns jovens interromperam o espetáculo aos gritos e palmas ritmadas:

— Temos coisa melhor! Temos coisa melhor!

Julgando ser brincadeira dos moços, o anunciador aceitou o desafio:

— Que venha essa coisa melhor!

Sob o desapontamento do pessoal da companhia e os aplausos dos espectadores, João desceu ao picadeiro e realizou sua costumeira proeza de vomitar fogo.

Já no dia seguinte, recebia várias propostas para trabalhar no circo. Recusou-as, pois dificilmente algo substituiria o prestígio que desfrutava na localidade. Alimentava ainda a pretensão de se eleger prefeito municipal.

Isso não se deu. Alguns dias após a partida dos saltimbancos, verificou-se a fuga de João.

Várias e imaginosas versões deram ao seu desaparecimento. Contavam que ele se tomara de amores por uma das trapezistas, especialmente destacada para seduzi-lo; que se iniciara em jogos de cartas e retomara o vício da bebida.

Seja qual for a razão, depois disso muitos dragões têm passado pelas nossas estradas. E por mais que eu e meus alunos, postados na entrada da cidade, insistamos que permaneçam entre nós, nenhuma resposta recebemos. Formando longas filas, encaminham-se para outros lugares, indiferentes aos nossos apelos.


sábado, 7 de junho de 2025

simples assim...

imagem: Google



a gota de orvalho
que cai da flor
a ave no galho
duma árvore qualquer
o fruto que colho
com amor


simples assim...


Imagem: Sebastião Salgado



o sorriso das crianças
que brincam na rua
a mulher de tranças
num gingado feliz
renova a esperança
alegria voa


simples assim...


Imagem: Google



não faltarão estrelas
nem raios de sol
uma lua tão bela
onde moram os sonhos
com a sua presença
estrela maior


simples assim...


J Estanislau Filho

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Governo sob ataque sincronizado de Congresso, rentismo e Moody’s





Por Jeferson Miola

Congresso, rentismo e agência Moody’s coordenam ataques sincronizados ao governo Lula. Garroteiam o governo para asfixiá-lo e deixá-lo sem fôlego na eleição de outubro de 2026.

Nos últimos dias, os maiores bancos estadunidenses, JPMorgan e Bank of América, “aumentaram a aposta em investir no Brasil”, o que é sinônimo de pilhagem, por um motivo muito esclarecedor: “a eleição presidencial de 2026 já batendo na porta dos mercados com uma visão predominante de ‘Lula fora’, o que poderia servir de trampolim para uma nova política fiscal no País”, reporta matéria do Estadão.

Para analistas da Morgan Stanley, “o calendário eleitoral nos próximos 18 meses abre a oportunidade para iniciar uma mudança de política ‘muito necessária’ no País, especialmente na área fiscal”.
“Embora ainda estejamos a 18 meses da próxima eleição presidencial no Brasil, vemos sinais de enfraquecimento do apoio à plataforma política atual em relação à média histórica”, afirmam os banqueiros, no que pode ser entendido como uma aposta para inviabilizar a continuidade do projeto democrático liderado por Lula, mesmo sabendo que isso significa a retomada fascista no país em bases ainda mais ferozes, apesar do verniz falso-civilizado do capitão do Exército Tarcísio de Freitas.

Para cumprir a profecia do rentismo e sua mídia hegemônica de que a situação é crítica e de que é preciso cortar gastos sociais, a agência Moody’s, cuja confiabilidade vale tanto quanto uma nota de três reais, rebaixou a nota de crédito do Brasil com o manjado argumento “da deterioração fiscal”.

Editoriais da Rede Globo e da imprensa dominante então redobraram a exigência de corte dos orçamentos sociais, do fim do aumento real do salário mínimo, medida preconizada por Armínio Fraga, e, também, do fim dos mínimos constitucionais do SUS e da educação.
Hugo Motta, aquele presidente da Câmara que precisa aplicar gumex no cabelo para tentar parecer crível, escalou o deputado Pedro Paulo, do partido do Kassab, para avançar a eliminação desses direitos sociais sob o disfarce da reforma administrativa.

O que uma coisa [a reforma administrativa] tem a ver com a outra [o aumento real do salário mínimo e a garantia de verbas para saúde e educação]? Absolutamente nada!
O que está em curso, na verdade, é o mais audacioso ataque à Constituição de 1988 desde o teto de gastos criado com o golpe de 2016.

O escarcéu hipócrita em torno do decreto do IOF escamoteia a nova ofensiva do rentismo e do poder econômico, que defendem austeridade fiscal com o objetivo de ampliar a apropriação obscena do orçamento da União e dos fundos públicos pelas finanças.
Até Gabriel Galípolo, aquele que continua a política de juros estratosféricos do bolsonarista Campos Neto, reproduziu a histeria do mercado.
Passando por cima do Haddad, ele telefonou diretamente para alertar Lula sobre “ruídos na sociedade”, ou seja, para vocalizar o sentimento da Faria Lima e da turma da pesquisa Focus. Como foi atendido pelo presidente, sua deslealdade a Haddad ficou atenuada.

Os parasitas da riqueza nacional são insaciáveis. Eles não se contentaram com os cortes de 31 bilhões do orçamento que o governo foi obrigado a fazer devido, aliás, à armadilha que o próprio governo armou para si com o Novo Arcabouço Fiscal e o déficit zero.
Num figurino mais assemelhado ao gangsterismo político que à prática parlamentar, Motta e Alcolumbre distribuíram ultimatos e ameaças ao governo.

Usurparam a prerrogativa de regulação tributária do governo, colocaram a faca no pescoço e ainda prometeram represálias caso o Executivo recorra ao STF para garantir sua prerrogativa constitucional. Agiram como o agressor que ameaça com mais violência a vítima que denuncia a agressão à polícia.

O plano de sabotagem do governo conta, ainda, com um profissional no ramo: Arthur Lira, aquele que diz se sentir orgulhoso em ser cogitado como vice de Bolsonaro.
Presenteado por Motta com a arma poderosa da relatoria do projeto da isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco mil reais, Lira sinaliza dificuldades para a aprovação dessa promessa de campanha do Lula que beneficia mais de 20 milhões de contribuintes.