sábado, 16 de novembro de 2024

poema da lua cheia


imagem: G1



uma lua cheia
encheu de luz meu lar
e trouxe uma ideia
uma visão quiçá
que a partilha evolui o ser


a lua me deu a luz
dádiva da criação
sem pedir nada em troca
provocou-me inquietação
: o que fazer para que ela não se torne minguante
pensei por um instante
como se adivinhasse meu pensamento
a lua se escondeu numa nuvem
e a luz se desfez
meu lar se encheu de breu
entendi a mensagem
não se deve alterar as coisas de deus


J Estanislau Filho

domingo, 10 de novembro de 2024

O tecnofeudalismo é uma espécie de capitalismo digital: Entrevista com Cédric Durand





Você levanta a hipótese tecnofeudal: as Big Techs – Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft – recriam um pouco as lógicas políticas e econômicas do tempo feudal. As grandes plataformas e ambientes digitais seriam bens imobiliários desmaterializados, fortalezas “medievais” que colonizam o ciberespaço e o depredam: ganham todo o terreno de seu negócio e adquirem a concorrência e empresas complementares. Como fundamenta essa metáfora?

O servo camponês era muito apegado à terra: não pertencia ao senhor feudal, mas à terra, que, sim, era desse senhor. Ao utilizarmos o Facebook ou o Google, passamos a ser indissociáveis dos dados que geramos na terra digital. A partir dessas pegadas, cria-se uma relação de extrema dependência da qual é difícil escapar porque nos facilitam a vida.

É possível viver sem usar nenhum serviço do Google? É possível, mas complicaria muito nossa existência! Eu tentei compreender o que o capitalismo faz com o digital: longe de favorecer a autonomia dos indivíduos, o aspecto mais marcante da economia digital é o retorno a relações de dependência.

Que traços estruturais permitem que a lógica de funcionamento da economia digital seja tão diferente?

A onda de monopolização na época digital responde a razões estruturais. A terra agrícola, quanto mais você a explora, menor será o seu rendimento. E existe um limite de terra disponível. Ao contrário, na indústria você pode aumentar a quantidade produzida e menor será o custo unitário. Você faz economia de escala.

Nas atividades digitais, quanto mais você utiliza seu software ou serviço, maior será a sua rentabilidade. E não importa se você vende um software ou cem, pois terá gasto o mesmo para produzi-lo.

Aqueles que colonizam primeiro a maior quantidade de dados de usuários – Facebook e Google – têm uma vantagem abismal em relação a outros competidores. Essa combinação entre as economias de escala e a acumulação originária dos dados é a fonte da extrema monopolização na era digital.

Seu livro aponta que – assim como acontece com a propriedade feudal da terra – no mundo digital o “terreno” tem um caráter rentista, antes que produtivo (é possível obter lucro sem produzir). Por quê?

No capitalismo existem duas maneiras de obter lucros. A primeira é a exploração: você utiliza trabalhadores e paga para eles menos do que geram. A predação digital está em outro nível: captura valor criado em outra parte (apropriam-se de riqueza que não produzem nessa empresa). Esta é uma dimensão essencial para as empresas que controlam intangíveis como bancos de dados e software.

Também exploram seus trabalhadores no sentido clássico, mas a maior parte de seus lucros provém da mais-valia extraída por outras empresas. A intensificação dessa lógica de predação permite compreender o inadequado desenvolvimento econômico contemporâneo.

Se você investe na predação, não investe na produção. Para os gigantes digitais, a lógica do investimento não vai no sentido de acumulação de meios de produção, mas de meios de predação. A coleta digital de dados é o Santo Graal do tecnofeudalismo predador da economia produtiva.

Refere-se a que a Apple comprou a assistente virtual Siri, o Facebook engoliu o Instagram e o WhatsApp, por 15 bilhões de dólares – o valor de seus 450 milhões de usuários –, e Google devorou o YouTube? Os dados são o valor mais cotado da economia mundial, superior ao petróleo?

Exato. Detectar essa lógica permite compreender por que nossas economias estão esgotadas e as desigualdades extremas persistem. Não só não há investimento suficiente, com também não ocorre onde estão nossas verdadeiras necessidades: a transição para tecnologias ecológicas, a saúde, a qualidade de vida. O tecnofeudalismo é uma espécie de capitalismo canibal.

Fomos pegos desprevenidos? Percebemos tarde demais o que estávamos entregando voluntariamente e, assim como os servos, nos tornamos dependentes da terra digital, acreditando-nos livres? É possível atenuar isso?

A legislação em matéria digital não leva em conta que todos os esforços das Big Techs buscam aumentar o controle sobre o comportamento dos indivíduos. A solução não reside no retorno a uma mítica saudável concorrência. É preciso dar aos poderes públicos, de uma escala local a uma transnacional, os meios para uma regulação do novo capital digital.

O primeiro passo é que as empresas criadoras dos algoritmos se tornem responsáveis por seus efeitos: discriminação, vícios, sofrimento psicológico e consumismo exacerbado. As auditorias públicas precisam estabelecer os efeitos dos algoritmos e sobre tal base o poder público deve regulamentá-los. Depois, precisamos definir como os nossos dados podem ser usados.

A ideia de um autocontrole individual é absurda. O consentimento do clique nas letras pequenas dos “termos e condições” é ineficaz para impedir a apropriação de dados. A abundância de informações concentradas pelas Big Techs é a matéria-prima indispensável para os serviços públicos do futuro. É preciso que esses dados estejam disponíveis para transformá-los em um bem comum.






 Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/616087-o-tecnofeudalismo-e-uma-especie-de-capitalismo-canibal-entrevista-com-cedric-durand


sábado, 9 de novembro de 2024

As Estórias do Vô Tirica




     Em um reino muito distante, havia uma donzela que estava encantada. Seu pai colocou avisos por todos os estabelecimentos, que daria a moça em casamento e uma fortuna para quem conseguisse fazê-la falar, pois ela só dizia "brasa de fogo". 

    Os irmãos Alan, Mané e Tião estavam num boteco quando ficaram sabendo. Eles voltaram para casa, planejando o que fariam.

     Mané disse para Alan:

     - Alan, você não deve ir, pois você é muito bobo. E, Além disso, é brincalhão.

     - Tião e Mané, fiquem sabendo que se vocês vão, eu também vou.

     Foram discutindo até chegar a casa. Arrumaram as trouxas e no dia seguinte saíram bem cedo.

     No caminho, Alan gritou:

     - Ache!

     O que, bobo? - perguntaram os irmãos.

    - Um ovinho de tico-tico.

    - Joga isso fora, bobo! - Disse Mané.

    - Eu não. Posso precisar mais tarde. - E guardou o ovo no bolso. 

    - Continuaram a viagem, fazendo muitos planos. Outra vez Alan gritou:

    - O que, bobo? Perguntaram os irmãos.

    - Um pauzinho torto.

    - Joga isso fora. - Disse o Tião.

    - Eu não. Posso precisar mais tarde. - E guardou no bolso.

    - Continuaram a trilha. Alan tropeçou e gritou:

    - Achei!

    - O que, bobo? - Perguntaram os irmãos.

    - Uma bosta de vaca seca.

    - Joga isso fora, bobo. - Disseram eles.

    - Eu não. Posso precisar mais tarde.

    - É, você não tem jeito mesmo.

    Alan tirou o chapéu, colocou a bosta debaixo e continuou o caminho. Quando chegaram, havia muitos rapazes esperando. Eduardo, o rei, que era o pai de Estela chamou os rapazes.

    Apenas três vezes, ela fala "brasa de fogo" para cada um. Os que não conseguirem vão ser degolados.

    Alan ficou esperando bem calmo, seus irmãos foram chamados primeiro. Eles saíram tristes e falaram:

    - Alan, volta para casa.

    - Não, vocês tentaram e eu vou também. 

    Ele foi chamado, entrou nos aposentos de Estela.

    Não demorou muito e a princesa começou: "Brasa de fogo". Alan ficou quieto, outra vez ela disse: "Brasa de fogo"

    Alan, do mesmo jeito quieto, olhado para ela, na terceira vez respondeu:

    - Eu trouxe um ovinho de tico-tico ara você assar.

    - Ora, tem perigo de queimar.

    - Mas eu não sou bobo. Trouxe um pauzinho torto para você virar.

    - Ah, vai cagar no mato!

    - Está aqui. Tirou a bosta de vaca do chapéu. A moça desencantou e muito alegre conversou e agradeceu.

    Marcaram o casamento. Alan mandou buscar os pais, pediu ao rei Eduardo que não degolasse ninguém. Eduardo, comovido, atendeu seu pedido.

    Como em todas as festas dos reinos encantados, Vô Tirica estava lá, trazia bolos nas garrafas, vinho e refrigerantes no jacá, ao passar na pinguela de arame ela balançou, balançou e tudo caiu no rio, trazendo apenas a estória. 


Segundo a autora, Rosiana Conceição Silva Santos, as Estórias do Vô Tirica "São estórias contadas a meu pai pelo avô, que partiu bem cedo. Ainda bem que meu pai não se esqueceu porque nos dias de hoje, são muitos os pais que não dispõem de tempo para contar casos e estórias. Nós, seus filhos, Keila e as meninas de Celina ficávamos esperando o Vô Tirica chegar do trabalho para ouvi-las. Escrevi algumas dessas estórias", conclui.



O livro escrito por Rosiana tem dezesseis estórias narradas pelo avô. Aqui reproduzimos apenas uma!

 


sábado, 2 de novembro de 2024

Ela Veio


Imagem: Correio Brasiliense


Eu já tava dormindo quando ouvi seus passos de água e senti aquele aroma fresco que só ela possui.
 
Então, guardando o sono pra depois, corri pra vê-la!
 
Tinha que aproveitar bem aquele instante porque há muito ela me deixa esperando, seco de amor por ela.
 
Agora já nem tou com sono.

Tou é com um contentamento daqueles de menino que encontra de novo a menina que lhe deu um beijo um dia e, depois, só voltou agora. 

Vocês podem continuar dormindo porque neste momento ela é toda minha.
É um caso de amor, sabem?

Há muito tempo ausente.

Olho pra ela e fico sonhando que se demore perto de mim.

Mas sonho acordado porque o sono se foi quando ela chegou.

E agora é só ela e eu daqui da janela.


Helder Nardes

Imagem: BBC

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Um cidadão acima de qualquer suspeita




Existem pessoas que são de outro mundo.  Vêm à Terra para nos ensinar, que a humildade não é sinônimo de  humilhação, mas um valor que deveríamos cultivar, como uma planta, para nos ofertar bons frutos. Ou flores, para colorir nossos dias.  Alimento e beleza, síntese perfeita de felicidade. Acontece de muitas pessoas não perceberem a beleza das coisas simples, como o canto dos pássaros ou o bailado das folhas ao toque do vento. Ou ao sorriso inocente de crianças com as bocas sujas de chocolate. Ou o som da chuva nos telhados, ou... ou... Ouço uma voz raivosa, blasfemando contra a inquietude das maritacas, que observam o ambiente urbano, como se procurassem alimento ou um porto seguro. Elas surgem, em bandos, maritacando nos fios da rede elétrica. Provavelmente foram  expulsas pelos incêndios florestais.

     Em minha casa andorinhas, canários e pardais constroem ninhos. No começo tentei afugentar os pardais. Até escrevi uma crônica intitulada A Arte de Espantar Pardais. Depois desisti. A natureza sabe o que faz. Eu os deixo fazer alardes,  não se incomodam com a minha presença. Chiquinho, que mora ao lado de minha casa, compra canjiquinha  e joga no passeio. É uma festa. Mas as maritacas, acho que são papagaios, são mais arredias.  Sabem que são cobiçadas. 

     O Sô Lalá, um cidadão acima de qualquer suspeita me ensinou, muito mais com exemplos, do que com lições de moral, que a vida não tem mistérios, por mais que mentes complexas tentem misteriorisar. O quintal de sua casa é uma floresta. As plantas se entrelaçam. Tem manga, jabuticaba, cacau, limão, laranja, couve, abóbora, cebolinha. Tem um fruto, mistura de jiló, com tomate, cuja espécie não sei o nome, mas sei que é deliciosa. Necessário lembrar as mãos zelosas de Helena, sua fiel companheira.  Sô Lalá, que vai completar oitenta e oito anos nesse mês de outubro de dois mil e vinte quatro é como as aves do céu, como os frutos da terra. Simples, humilde, um cidadão, repito, acima de qualquer suspeita. Já comeu o pão que o diabo amassou, sem guardar ódio e rancor. Mesmo com seu parco salário, paga os boletos em dia, sem perder a humanidade, mesmo quando manda alguém tomar no fiofó.

     


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Chaves da vaguidão

Fernando Sabino





Era um bar da moda naquele tempo em Copacabana e eu tomava meu uísque em companhia de uma amiga. O garçom que nos servia, meu velho conhecido, a horas tantas, se aproximou:


— Não leve a mal eu sair agora, que está na minha hora, mas o meu colega ali continuará atendendo o senhor.


Ele se afastou, e eu voltei ao meu estado de vaguidão habitual. Alguns minutos mais tarde, vejo diante de mim alguém que me cumprimentava cerimoniosamente, com um movimento de cabeça:


— Boa noite, Dr. Sabino.


Era um senhor careca, de óculos, num terno preto de corte meio antigo. Sua fisionomia me era familiar, e embora não o identificasse assim à primeira vista, vi logo que devia se tratar de algum advogado ou mesmo desembargador de minhas relações, do meu tempo de escrivão. Naturalmente disfarcei como pude o fato de não estar me lembrando de seu nome, e me ergui, estendendo-lhe a mão:


— Boa noite, como vai o senhor? Há quanto tempo! Não quer sentar-se um pouco?


Ele vacilou um instante, mas impelido pelo calor de minha acolhida, acabou aceitando: sentou-se meio constrangido na ponta da cadeira e ali ficou, ereto, como se fosse erguer-se de um momento para outro. Ao observá-lo assim de perto, de repente deixei cair o queixo: sai dessa agora, Dr. Sabino! Minha amiga ali ao lado, também boquiaberta, devia estar achando que eu ficara maluco.


Pois o meu desembargador não era outro senão o próprio garçom — e meu velho conhecido! — que nos servira durante toda a noite e que havia apenas trocado de roupa para sair.


Encontro com João Leite num bar em São Paulo. Sou apresentado à sua roda habitual de uísque ao entardecer. São seis ou oito, cada um atrás de seu copo. São alegres, parecem bons sujeitos — mas, como de hábito, não chego a guardar o nome, nem sequer a fisionomia de cada um. Quando, mais tarde, me ergo para sair, João Leite me acompanha até a porta, e só então me dou conta de que não me despedi de ninguém.


— Espere um instante.


Volto até a mesa e me despeço, apertando a mão de um por um:


— Até logo. Muito prazer, hein? Até logo. Muito prazer.


João Leite me aguarda junto à porta:


— Que é que você foi fazer?


— Me despedir de seus amigos.


Ele solta uma gargalhada:


— Aqueles não são os meus amigos. Meus amigos estão na mesa ao lado. Aqueles eu nem conheço.


Esses e outros casos são assunto de conversa, ilustrando a minha desastrosa vaguidão, enquanto almoço com Caio Mourão e sua mulher, num restaurante de Iguaba Grande. Eles têm uma casa a cavaleiro do lago, a alguns quilômetros daqui, e vieram em seu carro encontrar-se comigo, que estou apenas de passagem por estes lados.


— Olha que eu sou bem distraída — comenta ela, rindo. — Mas você ganha de mim.


Agradeço, sorrindo modestamente. Não chego a ser um Antônio Houaiss, por exemplo, que já foi atropelado cinco vezes e já entrou pelo espelho adentro na sala de espera de um cinema. Mas tenho feito das minhas por este mundo de Deus e reconheço que sou dos bons.


Ao fim do almoço, me despeço e tomo o meu carro, deixando o casal amigo ainda no restaurante.


Restaurante onde os dois devem estar até agora, vinte e quatro horas mais tarde: isso foi ontem, e somente há poucos instantes descobri que distraidamente havia metido no bolso e trazido comigo para o Rio o molho de chaves de Caio Mourão, largado por ele sobre a mesa. Chaves do carro, da casa, da gaveta, do cofre, da mala, de tudo — são umas oito, de todos os tamanhos. E o chaveiro, de prata, dos mais belos, acredito que tenha sido feito por ele próprio, grande joalheiro que é.


 


******************************************************


 


“Fernando Sabino nasceu em 12 de outubro de 1923, em Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais. Decidiu ser escritor com 10 anos, e, dois anos depois, publicou seu primeiro conto. Mais tarde, formou-se em Direito, escreveu para alguns periódicos, foi cineasta e morou em cidades como Nova Iorque e Londres.


O romancista e cronista, que faleceu em 11 de outubro de 2004, no Rio de Janeiro, fez parte da terceira fase do modernismo brasileiro (ou pós-modernismo), e ficou famoso por suas crônicas irônicas e bem-humoradas, bem como pela publicação dos romances ‘O encontro marcado’ e ‘O grande mentecapto'”. (Fonte: Brasil Escola)


domingo, 6 de outubro de 2024

Machado de Assis mostra em crônica que abstenção na primeira eleição foi elevada

 Por Machado de Assis





Quando eu cheguei à seção onde tinha de votar, achei três mesários e cinco eleitores. Os eleitores falavam do tempo. Contavam os maiores verões que temos tido; um deles opinava que o verão, em si mesmo não era mau, mas que as febres é que o tornavam detestável. A quanto não ia a amarela? Chegaram mais três eleitores, depois um, depois sete, que, pelo ar, pareciam da mesma casa. Os minutos iam com aquele vagar do costume quando a gente está com pressa. Mais três eleitores. Nove horas e meia. Os conhecidos faziam roda. Uns falavam mal dos gelados, outros tratavam do câmbio. Um velho, ainda maduro, aventou uma boceta de rapé. Foi uma alegria universal. Com que, ainda tomava rapé? No meu tempo, disse o velho sorrindo, era o melhor laço de sociabilidade; agora todos fumam, e o charuto é egoísta.


Nove e três quartos. Trinta e cinco eleitores. Alguns almoçados. Os almoçados interpretavam o regulamento eleitoral diferentemente dos que o não eram. Daí algumas conversações particulares à meia voz, dizendo uns que a chamada devia começar às dez horas em ponto, outros que antes.

— Meus senhores, vai começar a chamada — disse o presidente da mesa.

Eram dez horas menos um minuto. Havia quarenta e sete eleitores. Abriram-se as urnas, que foram mostradas aos eleitores, a fim de que eles vissem que não havia nada dentro. Os cinco mesários já estavam sentados, com os livros, papéis e penas. O presidente fez esta advertência:

— Previno aos senhores eleitores que as cédulas que contiverem nomes riscados e substituídos não serão apuradas; é disposição da lei nova.

Quis protestar contra a lei nova. Pareceu-me (e ainda me parece) opressiva da liberdade eleitoral. Pois eu escolho um nome, para presidente da República, suponhamos; ou senador, ou deputado que seja; em caminho, ao descer do bonde, acho que o nome não é tão bom como o outro, e não posso entrar numa loja, abrir a cédula e trocar o voto? Não posso também ceder a um amigo que me diga que a nossa amizade crescerá se eu preferir o Bernardo ao Bernardino? Que é então liberdade? É o verso do poeta: “e o que escrevo uma vez nunca mais borro”? Pelo amor de Deus! Tal liberdade é puro despotismo, e o mais absurdo dos despotismos, porque faz de mim mesmo o déspota. Obriga-me a não votar, ou a votar às dez e meia em pessoa que, pouco depois das dez, já me parecia insuficiente. Não é que eu tivesse de alterar as minhas cédulas; mas defendo um princípio.

Tinha começado a chamada e prosseguia lentamente para não dar lugar a reclamações. Nove décimos dos eleitores não respondiam por isto ou por aquilo.

— Antônio José Pereira — chamava o mesário.

— Está na Europa — dizia um eleitor, explicando o silêncio.

— Pôncio Pilatos!

— Morreu, senhor; está no Credo.

Um eleitor, brasileiro naturalizado, francês de nascimento, disse-me ao ouvido:

— Por que não se põe aqui a lei francesa? Na França, para cada eleição há diplomas novos com o dia da eleição marcado, de maneira que só serve para esse. Se fizéssemos isto, não chamaríamos o senhor Pereira, que desde 1889 vive em Paris, 28 bis, rua Breda, nem o procurador da Judeia, pela razão de que eles não teriam vindo tirar o diploma, oito dias antes. Compreendeis?

— Compreendi; mas há também abstenções.

— Não haveria abstenção de votos. Os abstencionistas não teriam diplomas.

A chamada ia coxeando. Cada nome, como de regra, era repetido, com certo intervalo, e eu estava três quarteirões adiante. Queixei-me disto ao ex-francês, que me disse:

— Mas, senhor, também este método de chamar pelos nomes é desusado.

— Como é então? Chama-se pelas cores? Pelas alturas? Pelos números das casas?

— Não, senhor; abre-se o escrutínio por certo número de horas; os eleitores vão chegando, votando e saindo.

— Sério?

— Sério.

— Não creio que nos Estados Unidos da América…

Outro eleitor, brasileiro naturalizado, norte-americano de nascimento, acudiu logo que lá era a mesma coisa.

— A mesma coisa, senhor. Não se esqueça que o time is money é invenção nossa. Não seríamos nós que iríamos perder uma infinidade de tempo a ouvir nomes. O eleitor entra, vota, retira-se e vai comprar uma casa, ou vendê-la. Às vezes mais, vai casar-se.

— Sem querer saber do resultado da eleição?

— Perdão, o resultado há de ser-lhe dito em altos brados na rua, ou em grandes cartazes levados por homens pagos para isso. Já tem acontecido a um noivo estar dizendo à noiva que a ama, que a adora, e ser interrompido por um pregoeiro que anuncia a eleição do presidente da República. O noivo, que viveu dois meses em meetings, bradando contra os republicanos, se é democrata, ou contra os democratas, se é republicano, solta um hurrah cordial, e repete que a ama, que a adora…

— Padre Diogo Antônio Feijó! — prosseguia o mesário.

Pausa.

— Padre Diogo Antônio Feijó!

Pausa.

Eu gemia em silêncio. Consultei o relógio; faltavam sete minutos para as onze, e ainda não começara o meu quarteirão. Quis espairecer, levantei-me, fui até a porta, onde achei dois eleitores, fumando e falando de moças bonitas. Conhecia-os; eram do meu quarteirão. Um era o farmacêutico Xisto, outro um jovem médico, formado há um ano, o doutor Zózimo. “Feliz idade!”, pensei comigo; as moças fazem passar o tempo; e daí talvez já tenham almoçado…

Enfim, começou o meu quarteirão; respirei, mas respirei cedo, porque a lista era quase toda composta de abstencionistas, e os nomes dos ausentes ou mortos gastam mais tempo, pela necessidade de esperar que os donos apareçam. Outra demora: cinco eleitores fizeram a toilette das cédulas à boca da urna, quero dizer que ali mesmo é que as fecharam, passando a cola pela língua, alisando o papel com vagar, com amor, quase que por pirraça. Para quem guarda Deus as paralisias repentinas? As congestões cerebrais? As simples cólicas? Não me pareciam homens que pusessem os princípios acima de uma pontada aguda. Mas Deus é grande! Chegou a minha vez. Votei e corri a almoçar. Relevem a vulgaridade da ação. Tartufo, neste ponto, emendaria o seu próprio autor:

“Ah ! Pour être électeur, je n’en suis pas moins homme [Ah! Um eleitor, mas nem por isso menos homem].”


sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Salvar o clima para construir outro Brasil

Por José Correa Leite


Cidades brasileiras viverão neste fim de semana manifestações contra as queimadas. Por que construir um movimento climático é vital para o futuro do país e do planeta. Como ele pode enfrentar o agronegócio e sua aliança com o governo


Foto: Zdf.de


As queimadas, cuja fumaça só poupou uma capital brasileira, Teresina, e as enchentes, que destruíram boa parte da região de Porto Alegre, estão mostrando, nesse ano de 2024, que as mudanças climáticas já se tornaram um grande problema para o povo brasileiro e caminham para se tornar o maior desafio já enfrentado pelo Brasil. Elas conectam diretamente as grandes cidades do país, onde vive a imensa maioria da população, 85% dela urbana, à necessidade de preservação do Cerrado, do Pantanal e da Amazônia.


97% dos brasileiros aceitam que as mudanças climáticas existem e 78% avaliam que elas têm causas humanas, um dos maiores índices do mundo. Talvez isso seja resultado de um aprendizado prático nas condições de existência: 5.233 municípios brasileiros (94% do total de 5.565) tiveram emergência ou calamidade decretadas entre 2013 e 2023, principalmente por chuvas e cheias torrenciais, deslizamentos ou secas prolongadas. Mas quando perguntadas sobre quem são responsáveis, a maioria das pessoas responde com termos genéricos como “os homens” ou “os seres humanos”. Porém, diferente de muitos outros países, onde as consequências do aquecimento global parecem resultado de processos sistêmicos mais distantes (principalmente pelo uso dos combustíveis fósseis), no Brasil temos uma interação entre os biomas e o clima (e um monitoramento por satélite dos incêndios) que nos permite obter o CPF e o RG dos grandes interessados e responsáveis pelos incêndios.


Temos o CPF e o RG dos responsáveis


São os ruralistas, o segmento da classe capitalista vinculado ao controle de terras, um grupo numericamente insignificante da população, mas que vertebra o poder no país. Eles lidam com os territórios que conquistam como enxames de gafanhotos em guerra contra a terra, explorando-a até esgotar sua capacidade produtiva e depois se deslocando para outras regiões onde reproduzem o mesmo processo. Eles vertebram o bloco social de raízes agrárias que dominou com mão de ferro o Brasil até 1930, quando foram então parcialmente deslocado do centro do Estado, mas voltaram a controlar o poder depois de 1990, desindustrializando o país e voltando a colocá-lo no mundo, em grande medida, como uma grande fazenda.



Os ruralistas estão articulados com o setor financeiro e são coadjuvados, na predação dos territórios e do clima, pelos envolvidos em setores como a produção e uso de combustíveis fósseis, a mineração e por seus representantes políticos, agentes ideológicos e gestores estatais. Como proprietários ausentes, alimentam, nas grandes cidades, booms imobiliários especulativos, que desfiguram o tecido urbano. Aliados com pastores neopentecostais, vertebram a vaga neofascista que vive o país.


A classe dominante agrária se estabeleceu no Brasil com base no escravismo e no controle do acesso à terra (formalizado pela Lei de Terras de 1850), depois em formas diversas de trabalho compulsório, para finalmente adotar o assalariamento, mantendo sempre a violência para o controle social. Ainda hoje são comuns as denúncias de uso de trabalho similar ao escravo. Seu outro alicerce foi e é a predação ambiental. Observamos isso quando olhamos para a Mata Atlântica, que ocupava 1,3 milhões de quilômetros quadrados (15% do território) e da qual restam hoje fragmentos, boa parte destruída pelo já no século XX. A agropecuária hoje repete o processo no Cerrado, na Amazônia e no Pantanal.


O ruralismo produtor de commodities (soja, cana, carne, café) repõe, a cada momento histórico, o que Caio Prado chamou de “o sentido da colonização”, produzindo riquezas para o mercado mundial às custas do saque interno da natureza e do trabalho humano. Isso se distingue da agricultura produtora de comida, voltada para o mercado interno, quase toda produzida pelo campesinato e pela agricultura familiar, ambientalmente muito mais responsável. As commodities são parte da alimentação apenas indiretamente, fornecendo insumos para a “junkie food” ultraprocessada. A pecuária tem, nessa cadeia, a particularidade de ser também o principal mecanismo de grilagem de terras e vetor de desmatamento no Bioma Amazônico, para onde se desloca a fronteira agrícola.


A agropecuária produtora de commodities destroi imensas parcelas do território tão somente em benefício próprio, tendo sempre se oposto à construção nacional. É por responsabilidade dela que, ao contrário do discurso vigente, o Brasil não é uma vítima detentora de uma dívida climática para com o Norte. Esse discurso só leva em conta as emissões industriais; somos, ao contrário, o quarto maior emissor acumulado de carbono depois de 1850 devido ao desmatamento – atrás apenas dos EUA, da China e da Rússia, segundo o levantamento da Carbon Brief. Ou alguém acha que a destruição da enorme Mata Atlântica, do Cerrado e de parte da Amazônia pelo ruralismo brasileiro não jogou e continua jogando bilhões de toneladas de carbono na atmosfera; ou que o rebanho bovino brasileiro, maior que a população do país, não constitui um passivo ambiental gigantesco? Se tomarmos a sério a dinâmica do colapso ambiental em curso, o ruralismo brasileiro é, junto com os produtores de petróleo e carvão, um dos vilões maiores do clima do planeta, um dos grandes inimigos da humanidade.


A dinâmica global-local da emergência climática


O aquecimento global evidenciou, desde junho de 2023, um salto de qualidade, produzindo consequências por todas as partes do planeta. Uma boa síntese das conclusões dos cientistas tem sido apresentada por Johan Rockstrom em suas conferências recentes, como em “Os pontos de virada da mudança climática – e onde estamos” (disponível com legendas em português). O aquecimento global está se acelerando: de 0,18° por década passou, depois de 2010, para 0,26° por década. Vamos, certamente, ultrapassar o aquecimento de 2° acima da temperatura pré-industrial antes de 2050, talvez atingindo 2.5°. Entre nós, Carlos Nobre tem reproduzido o mesmo diagnóstico. A grande aceleração capitalista extrapolou as fronteiras naturais do planeta e aponta para a ruptura, nos próximos anos, de vários “tipping points” decisivos do Sistema Terra. A crise da civilização capitalista ganha contornos dramáticos: guerras, crise social, deslocamentos de população e fascismo acompanham o colapso climático, inclusive a possibilidade de colapso da Amazônia O destino da Floresta Amazônica, que as pesquisas de Luciana Gatti mostra que está se tornando uma emissora de carbono, é uma questão candente para toda a humanidade.


O clima perdeu a estabilidade relativa que teve nos últimos dez mil anos (o período Holoceno). Tornou-se, no Antropoceno, o resultado da disputa entre a destrutividade do capitalismo extrativista e fossilista, que ameaça a biosfera do planeta, e as forças sociais que buscam uma alternativa que hoje não pode deixar de ser qualificada como ecossocialista. É, cada vez mais, o vetor resultante da luta civilizatória da vida contra a morte, travada pelos povos sempre no terreno local, mas que se projeta no espaço nacional e global. Não há hierarquias rígidas e, embora alguns territórios sejam decisivos para toda a humanidade (como, no nosso caso, a Floresta Amazônica) ou para um país (como o Cerrado, a caixa d’água do Brasil, e o Pantanal, fonte de biodiversidade única), as escalas são muito variáveis, dependendo das condições ecológico-territoriais, sócio-econômicas e políticas. Um programa ecossocial tem que envolver múltiplos atores e situações, alianças e encadeamentos de transição.


O problema não está apenas no campo, mas também nas cidades, que estão se transformando em ilhas de calor infernais. O expansionismo do setor imobiliário nas cidades intensifica o calor, destroi as áreas verdes e recusa toda ideia de esponjas urbanas. Uma cidade como São Paulo é de 5 a 10 graus mais quente que as regiões de vegetação da Mata Atlântica remanescente ao redor. Os grandes empreendimentos imobiliários são a contrapartida urbana da irresponsabilidade do agronegócio no campo.



O engajamento na disputa política se dá, assim, em múltiplas dimensões, inclusive a global. As cláusulas ambientais no comércio internacional são um instrumento de pressão imprescindível contra o comportamento criminoso de inúmeros setores econômicos. A pecuária brasileiro é exemplar de um setor que precisa ser enquadrado por estruturas políticas muito mais fortes que as do governo brasileiro. Ela não aceita rastrear a origem do gado cuja carne é exportada porque grande parte dele é criado ilegalmente na Amazônia desmatada e depois levado para estados de outras regiões para abate. A União Europeia está implementando, a partir de 2025, uma lei contra o desmatamento que afetará as importações de commodities como carne e soja – as mais destrutivas para o meio ambiente brasileiro. Segundo o Itamaraty e o Ministério da Agricultura, que protestam contra a legislação junto às autoridades europeias, ela deve afetar 30% das exportações do setor para a Europa. Por outro lado, o Observatório do Clima defendeu, corretamente, que a Europa inicie a fiscalização já no início do próximo ano. É só o início de uma pressão que todos nós devemos procurar fazer crescer de forma exponencial.


Construir as alianças, focalizar o inimigo, aproveitar as oportunidades


As queimadas atuais têm um forte componente de incêndios criminosos por parte do agronegócio. Como afirma Luciana Gatti, a Floresta Amazônica está sendo assassinada e sabemos por quem. Os focos de incêndio no Pantanal e nos canaviais paulistas também têm CPF e RG. Desde a promulgação do Novo Código Florestal sob o governo Dilma, em 2012, assistimos uma ofensiva crescente do setor contra todos os mecanismos de limitação de suas atividades e proteção da natureza. Do uso de todo tipo de agrotóxico banido na Europa à atual ofensiva de flexibilização da legislação que conseguimos manter, passando pela porteira para a boiada de Salles e Bolsonaro, a maioria venal do Congresso é uma máquina para referendar a destruição dos biomas brasileiros.


Como afirma Luiz Marques em uma recente entrevista ao site O joio e o trigo, “O agronegócio é o grande problema do Brasil. Se ele não for extirpado, o Brasil não tem a mais remota chance de viabilidade como sociedade e como natureza. É uma atividade social basicamente criminosa e predadora. E eles controlam o Congresso Nacional por meio da frente parlamentar da agropecuária e têm como aliados, inclusive, as bancadas da Bíblia e da bala. Então, o Brasil está numa situação muito clara: ou nós reagimos a isso, com uma ruptura muito vigorosa em relação a esse processo ou nós não temos nenhuma chance de sobrevivência como sociedade”.


Isso pode parecer uma missão impossível. Mas quem, vendo o Brasil no ano de 1928, imaginaria que, cinco anos depois, a oligarquia cafeeira teria sido derrubada do poder no estado central? Como lembra Chico de Oliveira no seu Ornitorrinco, a possibilidade de mudanças estruturais nas sociedades da periferia está diretamente ligada a cenários de crise geral do sistema internacional, que possam ser aproveitadas por atores políticos internos bem posicionados. Deixamos para trás a globalização vigorosa e entramos em uma fase de disputas interimperialistas que estão fragmentando o mercado mundial e produzindo uma certa desglobalização, que só tende a se aprofundar. O mundo vai ficar um ambiente cada vez mais hostil em todos os sentidos possíveis nos próximos anos.


O projeto do agronegócio brasileiro é vulnerável, de uma parte, por ser ambientalmente suicida em um mundo onde as condições de sustentabilidade se tornarão condições de sobrevivência de uma sociedade. Mas também é vulnerável porque reitera a velha dependência livrecambista dos ciclos de commodities da economia mundial, que retiram todas as condições do Brasil resistir às flutuações da economia mundial em um mundo cada vez mais instável. O que faz Lula senão aprofundar estas vulnerabilidades? Como afirma Liszt Vieira, “de pouco adianta um Ministério do Meio Ambiente que não pode impedir a degradação ambiental provocada, por exemplo, pelo Ministério da Agricultura bancando o agronegócio que desmata florestas, pelo Ministério do Transporte bancando a pavimentação da BR-319 que vai devastar a Amazônia e pelo Ministério da Energia, bancando a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas”.


Na medida em que se torna cada vez mais parasitário e destroi suas próprias condições de existência, o agro também se revela cada vez mais destrutivo para a vida da maioria da população brasileira. Podemos resumir a dinâmica dizendo que ou o Brasil acaba com o ruralismo ou o ruralismo acaba com o Brasil. Quem poderá fazer frente a essa tarefa? Uma esquerda distinta da que existe hoje, paralisada frente ao agro. Como lembra E.P.Thompson, as classes se formam na luta de classes.


Um forte movimento pelo clima no Brasil será um movimento por uma transição ecossocial no país, organizada desde os atores populares, capaz de enfrentar os responsáveis nacionais pela predação da natureza e lutar pela restauração dos biomas florestais. A alternativa para o Brasil será criada na luta política por outra economia, por outra sociedade, por outro metabolismo com a natureza.



Fonte: https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/salvar-clima-para-construir-outro-brasil/



TAGS

AGRONEGÓCIO, AMAZÔNIA, CAPA, CRISE CLIMÁTICA, ECOLOGIA, LEI DE TERRAS, MUDANÇAS CLIMÁTICAS


sábado, 14 de setembro de 2024

Aforismos 2

 



Imagem: UOL


1 - Uma andorinha só
não faz verão,
outras virão


2 - O artificial encanta o boçal


3 - Quem posta  inteligência nas redes sociais
é agredido por boçais


4 - O tosco faz sucesso,
o sábio é um fracasso


5 - O mundo é dos ricos
- diz-se por aí - 
com quem eu fico?
Com quem quer mudar isso daí


6 - Não adianta, 
idiotas não vão conseguir
me fazer parar de rir


7 - Nem que a vaca tussa
deixarei de rir de sua fuça


8 - Não fique só na fossa,
sempre cabe mais um nessa joça 


9- Sendo que tudo que sei é que que nada sei
como fiquei sabendo?  


10- Na realidade
o que está acontecendo é  preguiça
de refletir a realidade


11 - Obras não convencem fascistas,
nem o combate a fome,
preferem o meme


12 - Depois de conseguir um emprego,
comprou uma bicicleta e a enfeitou
com os símbolos de quem o desempregou


Imagem: Elian


13 - Quem tá botando fogo nas matas
é pop e é tech,
paga em espécie,
não usa talão de cheque


14- Nesse contexto confuso
há que aperte parafuso
ao contrário,
como todo idiota
nutre-se  de patriota


15 -Bajula o rico pra tornar-se um,
sem grana pra uma garrafa de rum


J Estanislau Filho

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Família é Tudo!

Imagem: Google


Acompanhem o meu raciocínio. Não precisam concordar.  Você é acolhido por uma família. Recebe comida e roupa lavada, afinal, você está na penúria. O que você dá em troca? Lava os pratos, pelo menos. E agradece. Agradecer é um gesto civilizado. Reconhecimento é outro valor simbólico.  Dito isto, conto o que vi e ouvi, com estes olhos e ouvidos que a terra vai comer um dia.

     Fui convidado para uma confraternização na casa de uma família. Não os nomeio amigos, porque amigo é coisa rara, pra se guardar do lado esquerdo do peito. São conhecidos, pessoas de bem, diria.

     Lá chegando, fui bem recebido. Conversa vai, conversa vem, rolou um papo sobre política. Inevitável, afinal é tempo de eleições municipais. Evito falar de política, especialmente em confraternizações, para não causar constrangimentos, estresses. É melhor escutar certos absurdos, que ser surdo.  A família toda, segundo o que parece ser o líder, disse que votariam só em candidatos bolsonaristas; que eram todas e todos de direita. Por curiosidade, só por isso, perguntei: - O que o Bolsonaro fez de bom pelo país e a vocês? O suposto líder do clã respondeu no ato: - E o Lula?  Fiquei em silêncio, enquanto degustava uma coxinha e um suco natural de laranja. Ainda ouvi alguém completando: Deus acima de tudo!

     A família em questão, acabara de receber uma casa do programa minha casa, minha vida, motivo da festa. A genitora contou que recebia o bolsa-família e tinha filhos cadastrados no pé-de-meia. 

     Família é tudo!

Obs.: Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência 

Imagem: Google


J Estanislau Filho