terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

luta de classes




Tela-mural “Manifestación” (1934), do pintor argentino Antonio Berni.



nas ruas a realidade
nua e crua
sem meia verdade
adoece e adormece corações
acorda emoções
conforme a concepção
de cada um
de cada uma
em suma
assume posições
ao ver cidadãos
sem cidadanias
sob marquises e viadutos
tendo como companhia
animais de estimação
um cão
uma cadela
cenário que a novela
não exibirá jamais
e que se revela
como se organiza 
as classes sociais


J Estanislau Filho

Imagem: Revista Fórum

domingo, 18 de fevereiro de 2024

João Batista, o taxista



Imagem cedida por João Batista


João Batista, o taxista, vive num compasso de espera.
Espera a hora do abraço do amor
e não se desespera com a dor,
seja lá de quem for, porque a dele não é menor,
nem maior que a que se vê ao redor.
Ele espera pelo passageiro, 
que optou pelo uber,
que não fornece água de beber
ao usuário.
João espera uma nova era,
um novo tempo, agora,
sem percalços no itinerário.
Nesse compasso que demora,
estaciona o taxi sob a sombra 
de um pé de amora.
O taxista não se assombra,
espera a hora da corrida
pedindo a Deus que lhe proteja a vida,
enquanto ouve um som de outrora,
que o remete ao interior, de onde veio,
e traz uma saudade que o devora.


J Estanislau Filho

João Batista num dia de folga

Contato taxista Belo Horizonte e região:

(31) 9876-38221

Corridas para as cidades históricas de Ouro Preto, Mariana, Congonhas, Tiradentes, São João del Rei, Bichinho e outras, valor a combinar.

domingo, 11 de fevereiro de 2024

O fruto do vosso ventre




Imagem: Google


A intuição  materna raramente falha. 

    Antes mesmo de nascer, pelos movimentos que fazia no útero, a mãe percebera  algo, no mínimo estranho, estava por acontecer. Rezou para que a  intuição a enganasse. Que o filho nascesse saudável, era o seu desejo.

   A hora do parto chegou e o rebento nasceu, sem choro, algo incomum. Tão logo veio ao mundo, lançou um olhar de desprezo à mãe. Agarrou os seios com violenta voracidade, fincando as unhas,  provocando sangramento. Na primeira semana gritava alucinadamente no berço, exigindo seios, cujo leite secara. O banco de leite do único hospital da cidade diminuíra de tal forma, que obrigou a direção a buscar alternativas, inclusive, com campanha dirigida às mães que amamentavam,  a doarem. A fama da criança faminta se espalhara, ultrapassando as fronteiras do município. O bebê crescia desmesuradamente.  Ao completar um ano, parecia ter três.  Comia e bebia demais. E não engordava. Aos dois anos parecia um vara pau, comprido e magro. Aos cinco corria pelas ruas da cidade, como um atleta olímpico. Enquanto corria, chutava o que aparecia pela frente. As garotas fugiam, pois ele as ameaçava, chegando mesmo a desferir golpes em várias, o que levou o delegado a intimar os pais a prestarem depoimentos. Os percalços estavam no início. O que aconteceu nas creches se repetiu ao matricular no ensino básico: nenhuma instituição queria matriculá-lo. A mãe, com marcas na pele e na alma por conta das agressões do filho,  não sabia o que fazer para educá-lo.  As agressões às meninas, nas escolas de ensino médio só diminuíram depois de a direção providenciar boletim de ocorrência. O pai declarou na delegacia, que o filho tinha vocação militar, pois fora flagrado várias vezes, fazendo continência diante do espelho.  

    Um inferno, que parecia não ter fim, teve uma pausa, ao chegar  a idade do alistamento militar.  Os pais, aliviados, prepararam uma festa, para comemorar o evento. A primeira exigência do filho era de não convidar mulheres. Disse com firmeza:  - Não quero a presença de mulheres.  Pare de implicar, filho, lembre-se de quem o trouxe ao mundo, disse a mãe.  Ele respondeu apenas com um  olhar duro, que a silenciou. 

   Seu ódio pelas mulheres era transparente, jamais o escondeu, como também não escondia  a narrativa  sobre a superioridade masculina. 

  Depois de cumprir o tempo como reservista, entrou para o Exército. Não era um cadete brilhante, mas tinha talento, especialmente em exercícios físicos. Seu "batismo"  na corporação foi de acordo com a tradição: testes físicos pesados. Fora colocado, puxando uma carroça de tração animal, com um oficial o chicoteando, para o delírio dos cadetes. E ele resistiu bravamente. Ao término dos testes, suado e cansado, irritou-se com a presença da esposa do Comandante, exigindo-lhe continência, que só foi aceita, a contragosto, depois da fala do comandante: - Soldado, é uma ordem! O nosso bravo soldado seguiu para  o alojamento, cabisbaixo, jurando vingança.  Um ódio ao Comandante tomou conta de seu ser. "Comandante que se submete a uma mulher, não merece respeito" sentenciou durante o trajeto.

     De onde vinha esse ódio, era o que os psicólogos tentariam descobrir, depois de uma série de eventos futuro. O cadete fez carreira no Exército, chegando a Oficial. O ódio às mulheres aumentava, com acréscimo aos vulneráveis: negros, índios, ciganos e pobres. Sua concepção sobre a supremacia branca ganhava contornos assustadores. Fazia planos de apurar a raça  humana. O mundo não se desenvolvia, segundo a sua teoria, por causa de uma raça inferior, preguiçosa e ardilosa. Eliminar, exterminar, fuzilar,  depurar eram suas palavras de ordem.  Mulheres não deviam ter os mesmos salários que os homens, porque ficam grávidas; que ao ir a um quilombo, constatou que um afrodescendente mais leve, pesava sete arrobas; que deveria ter fuzilado uns trinta mil corruptos; o grande erro foi torturar e não matar.  Esse homem tinha um projeto de poder, por isso entrara para o Exército. A farda impõe medo, confere poder.

     Mas, não era simples chegar a General, seu sonho. Vendo a realização desse sonho inviável, promoveu uma rebelião no quartel, com ameaça de tocar fogo. Foi expulso, embora premiado e aposentado como Capitão.

     A Europa foi devastada na segunda guerra mundial, provocada por um homem obcecado pelo poder e o ódio era o combustível,   principalmente aos judeus, tido por ele como inferiores, responsáveis pelo suposto atraso da humanidade. Suas frases de efeito reverberaram: 

"As grandes massas cairão mais facilmente numa grande mentira, do que numa mentirinha",  

"Que sorte para os ditadores que os homens não pensem". 

"Torne a mentira grande, simplifique-a, continue afirmando-a, e eventualmente todos acreditarão nela".

Encurralado pelo sistema de justiça, prestes a ser preso, esse homem se matou, levando consigo, sua esposa. 


    Obs.: Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas, é mera coincidência. 


J Estanislau Filho

Imagem: o autor em Mariana-MG


J Estanislau Filho é mineiro de São João do Oriente, mas viveu a infância e parte da adolescência em Jampruca, no Vale do Rio Doce, divisa com o Vale Mucuri. Escreve em seu blog, no Recanto das Letras, no Facebook e em outras mídias socias. Editou e publicou os seguintes livros:

Nas Águas do Arrudas - poesias (1984)
Três Estações - poesias (1987)
O Comedor de Livros - poesias (1991)
Crônicas do Cotidiano Popular - crônicas (2006)
Filhos da Terra - crônicas com fechos poéticos (2009)
Todos os dias são úteis - poesias (2009)
Palavras de Amor - poesias (2011)
Crônicas do Amor Virtual - crônicas (2012)
A Moça do Violoncelo - contos (2015)
Estrelas - poesias (2015)
Prova de Vida - crônicas (2021)