A intuição materna raramente falha.
Antes mesmo de nascer, pelos movimentos que fazia no útero, a mãe percebera algo, no mínimo estranho, estava por acontecer. Rezou para que a intuição a enganasse. Que o filho nascesse saudável, era o seu desejo.
A hora do parto chegou e o rebento nasceu, sem choro, algo incomum. Tão logo veio ao mundo, lançou um olhar de desprezo à mãe. Agarrou os seios com violenta voracidade, fincando as unhas, provocando sangramento. Na primeira semana gritava alucinadamente no berço, exigindo seios, cujo leite secara. O banco de leite do único hospital da cidade diminuíra de tal forma, que obrigou a direção a buscar alternativas, inclusive, com campanha dirigida às mães que amamentavam, a doarem. A fama da criança faminta se espalhara, ultrapassando as fronteiras do município. O bebê crescia desmesuradamente. Ao completar um ano, parecia ter três. Comia e bebia demais. E não engordava. Aos dois anos parecia um vara pau, comprido e magro. Aos cinco corria pelas ruas da cidade, como um atleta olímpico. Enquanto corria, chutava o que aparecia pela frente. As garotas fugiam, pois ele as ameaçava, chegando mesmo a desferir golpes em várias, o que levou o delegado a intimar os pais a prestarem depoimentos. Os percalços estavam no início. O que aconteceu nas creches se repetiu ao matricular no ensino básico: nenhuma instituição queria matriculá-lo. A mãe, com marcas na pele e na alma por conta das agressões do filho, não sabia o que fazer para educá-lo. As agressões às meninas, nas escolas de ensino médio só diminuíram depois de a direção providenciar boletim de ocorrência. O pai declarou na delegacia, que o filho tinha vocação militar, pois fora flagrado várias vezes, fazendo continência diante do espelho.
Um inferno, que parecia não ter fim, teve uma pausa, ao chegar a idade do alistamento militar. Os pais, aliviados, prepararam uma festa, para comemorar o evento. A primeira exigência do filho era de não convidar mulheres. Disse com firmeza: - Não quero a presença de mulheres. Pare de implicar, filho, lembre-se de quem o trouxe ao mundo, disse a mãe. Ele respondeu apenas com um olhar duro, que a silenciou.
Seu ódio pelas mulheres era transparente, jamais o escondeu, como também não escondia a narrativa sobre a superioridade masculina.
Depois de cumprir o tempo como reservista, entrou para o Exército. Não era um cadete brilhante, mas tinha talento, especialmente em exercícios físicos. Seu "batismo" na corporação foi de acordo com a tradição: testes físicos pesados. Fora colocado, puxando uma carroça de tração animal, com um oficial o chicoteando, para o delírio dos cadetes. E ele resistiu bravamente. Ao término dos testes, suado e cansado, irritou-se com a presença da esposa do Comandante, exigindo-lhe continência, que só foi aceita, a contragosto, depois da fala do comandante: - Soldado, é uma ordem! O nosso bravo soldado seguiu para o alojamento, cabisbaixo, jurando vingança. Um ódio ao Comandante tomou conta de seu ser. "Comandante que se submete a uma mulher, não merece respeito" sentenciou durante o trajeto.
De onde vinha esse ódio, era o que os psicólogos tentariam descobrir, depois de uma série de eventos futuro. O cadete fez carreira no Exército, chegando a Oficial. O ódio às mulheres aumentava, com acréscimo aos vulneráveis: negros, índios, ciganos e pobres. Sua concepção sobre a supremacia branca ganhava contornos assustadores. Fazia planos de apurar a raça humana. O mundo não se desenvolvia, segundo a sua teoria, por causa de uma raça inferior, preguiçosa e ardilosa. Eliminar, exterminar, fuzilar, depurar eram suas palavras de ordem. Mulheres não deviam ter os mesmos salários que os homens, porque ficam grávidas; que ao ir a um quilombo, constatou que um afrodescendente mais leve, pesava sete arrobas; que deveria ter fuzilado uns trinta mil corruptos; o grande erro foi torturar e não matar. Esse homem tinha um projeto de poder, por isso entrara para o Exército. A farda impõe medo, confere poder.
Mas, não era simples chegar a General, seu sonho. Vendo a realização desse sonho inviável, promoveu uma rebelião no quartel, com ameaça de tocar fogo. Foi expulso, embora premiado e aposentado como Capitão.
A Europa foi devastada na segunda guerra mundial, provocada por um homem obcecado pelo poder e o ódio era o combustível, principalmente aos judeus, tido por ele como inferiores, responsáveis pelo suposto atraso da humanidade. Suas frases de efeito reverberaram:
"As grandes massas cairão mais facilmente numa grande mentira, do que numa mentirinha",
"Que sorte para os ditadores que os homens não pensem".
"Torne a mentira grande, simplifique-a, continue afirmando-a, e eventualmente todos acreditarão nela".
Encurralado pelo sistema de justiça, prestes a ser preso, esse homem se matou, levando consigo, sua esposa.
Obs.: Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas, é mera coincidência.
Parabéns, escritor pelo seus escritos que nos faz refletir, além da diversidade de conteúdos que nos ensina e suas poesias que falam do amor, da Natureza e das causas sociais
ResponderExcluirAntonia Castro
ResponderExcluirObrigado, minha querida, pela leitura, sempre bem-vinda! bjs
ExcluirExcelente. Retrata a personalidade animalesca, sentimentos inferiores arraigados n'alma humana e que no transcorrer da vida se manifestam contra outras pessoas. Na verdade, ninguém nasce deteriorado, como reencarnação de espiritos maus. A sociedade, o meio, e tudo o mais é que produz o individuo, suas qualidades e defeitos.
ResponderExcluirObrigado 🙏 Volte mais vezes!
ExcluirSomos a vida e a morte. O tudo e também o nada. Somos idealizadores. Maldosos ou bondosos...
ResponderExcluirEsse texto retrata muito bem a alma humana, ora oferecemos riscos, ora somos a mais perfeita das ternuras. Você tem o dom de enxergar além... Parabéns! Parabéns! Parabéns!...
(MARIA JOSÉ GOMES)
Valeu, Maria. Sempre bom o seu comentário. Volte mais vezes
ExcluirNarrativa vívida, intensa, eu até acreditei que era real. Ficou excelente!!! Parabéns!!! Beijo de Maria Ventania.
ResponderExcluirQualquer semelhança é mera coincidência!
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