Rapidinho:
Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.
Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição
Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.
5 - Wallace Surpreende
Na realidade, o que aconteceu com o taciturno Wallace não revelava nenhuma surpresa. Muitas vezes ele dera mostra do seu caráter arredio. Os familiares não acreditavam nos comentários dos vizinhos, julgando-os maledicentes. Um belo dia ele chega em casa e entrega à mãe uma quantia significativa de grana, dizendo: - Mãe, essa grana eu consegui fazendo um biscate aqui, outro ali, fui juntando. É para a senhora comprar umas coisinhas pra casa. E foi se retirando. - Vem cá, meu filho - chamou Dona Sônia com firmeza delicada -, aqui tem bastante dinheiro, quero saber de tudo, direitinho. Wallace parou e olhou a mãe no fundo dos olhos: - Eu já sei o que a senhora está pensando... Não roubei não, mãe, tenho trabalhado duro, não estou vendendo drogas, fique sossegada. Por acaso tenho faltado às aulas?
Dona Sônia ficou satisfeita com a resposta e acreditou no filho. Wallace entrou no quarto sem reboco, arredou um pequeno guarda-roupas e em seguida tirou o boné, e do fundo dele retirou um pacote, escondendo-o no buraco do tijolo. Quando ele recolocava o guarda-roupas no lugar, Dono Sônia entrou de repente. - O que você está fazendo? - perguntou desconfiada. - Puxa vida, mãe - respondeu irritado - a senhora não sai da cola! Esse caco de guarda-roupas está mancando, estou tentando dar um jeito. - Está bem, não precisa se irritar - respondeu a mãe, acariciando a face do filho. - Só vim saber se quer que eu compre alguma coisa para você, umas roupas, um tênis, pois o dinheiro que me deu dá para fazer umas boas compras na feira do Paraguai, além de abastecer a cozinha. Ó meu filho, meu querido! Todo mundo te criticando porque desaparece sem avisar... Vem cá, deixa a mamãe te dar um abraço! Hoje à noite quero todo mundo em casa, para um jantar grã-fino. Vou fazer um frango à milanesa, daquele que você adora - dizia enquanto passava carinhosamente a mão na cabeça do filho. Wallace desvencilhou-se dos braços da mãe, disse que não precisava que lhe comprasse nada, mas que desse uma grana pra Zenaide comprar roupas bonitas e uma bíblia de capa de couro para Edileuza. - E para a senhora - disse com ternura - um vestido longo, um sapato de bico fino, corrente e brinco folheado a ouro. - Não tem dinheiro para tanto e precisamos economizar, porque em primeiro lugar está o estômago e a saúde - disse sorrindo. - Não se preocupe, vou trabalhar e trazer mais - respondeu o filho, convicto.
A mãe saiu para providenciar as compras, enquanto Wallace ligava o som, para ouvir funk.
À noite, reunidos em volta da mesa, Dona Sônia serviu um jantar, regado a refresco de uma, o preferido de Wallace. Todos exibiam roupas novas. Marcelo estava elegante em sua jaqueta jeans; a mãe exibia o vestido longo com estampas de flores, um colar de pérolas falsas, brincos e anéis de prata, e não folheados a ouro, conforme pedira o filho. - Uai mãe, cadê os folheados a ouro? Perguntou Wallace. - Eu sonhava com um colar de pérolas, para combinar com ele, achei melhor usar brincos e anel de prata - respondeu com um piscar cúmplice.
- Mãe, a senhora devia ter deixado eu ir às compras com a senhora! Reclamou Zenaide. - Vocês são bregas, não entendem de moda - completou, fazendo um breve desfile na pequena cozinha, mostrando a nova coloração dos cabelos - cor de caju, segundo ela - e um vestido curto, magenta, com decote nas costas. Sapatos e bijuterias combinavam bem. E para surpresa geral, Edileuza veio com uma calça de laycra justa, uma blusa branca, que deixava à mostra uma pequena parte do quadril. Nádegas empinadas, seios pontiagudos, batom suave e cabelos soltos.
- Mas quanta modificação! Exclamou Zenaide. - Cadê os complementos? Colar, pulseiras, brincos e anéis? Puxa maninha, você está um pedaço de mau caminho, deste jeito você vai levar os pastores da igreja ao pecado! Edileuza ficou vermelha, desviando o rumo da conversa: - Quer que ajude a servir, mãe?
- Não filha, não precisa. Você está linda, a evangélica mais linda e hoje eu sirvo o jantar, recolho as vasilhas. Esse jantar e todos estes presentes são frutos do trabalho do meu guri. Obrigado, amore mio! Dona Sônia gostava de se gabar de sua origem italiana. Segundo ela, seus avós vieram de Torino e pertenciam a uma família abastada. O jantar teria transcorrido em clima de paz e harmonia se Marcelo, após o terceiro copo de cerveja, não tivesse colocado em dúvida a origem do dinheiro de Wallace.
- Fale a verdade - disse com ar provocativo -, como foi que você conseguiu esta grana? Não me diga que foi trabalhando...
- Mãe - respondeu Wallace -, dá um jeito neste bebum!
- Marcelo - interveio Dona Sônia -, você sabe que eu não gosto de briga na família, temos de estar unidos. Faça o favor de pedir desculpas ao seu irmão!
- Eu pedir desculpas pra este pivete? Nunca - respondeu Marcelo, deixando o copo tombar ligeiramente, molhando a toalha.
- Não dá ideia pra ele, gente, basta um golezinho e ele começa com a baixaria - gritou Zenaide.
Wallace caiu no seu mutismo habitual e não houve consequências. Em seguida Zenaide começou a falar de seu projeto:
- Tenho novidades. Parou para observar a reação da família e criar um clima de suspense.
- Espero, em nome de Jesus, que sejam boas novidades - disse Edileuza com as mãos sobre a bíblia de capa de couro.
- Vamos menina, desembucha, conta logo a novidade - completou Dona Sônia.
- Esta minha irmã vai fazer sucesso - disse Wallace, saindo do silêncio.
- É o seguinte... - fez um breve silêncio, para criar um clima de suspense -, a Tânia Mara me disse hoje que vai me apresentar ao dono de uma grife, para que eu possa desfilar no Minas Mostra Mulher.
- Faço ideia - interrompeu Edileuza -, deve ser um desfile de peitos e bundas.
- Peito, bunda e coragem não me faltam. Você, Edileuza, bem que poderia participar, mas passou da idade - retrucou com ironia.
- Explica isso direitinho - disse Dona Sônia, sem parar de recolher os talheres -, porque filha minha não vai pôr a bunda de fora, "na-na-ni-não"! Basta o pilantra que queria te enganar, dizendo conhecer estilistas, parando o carrão em nossa porta... Safado!
- Bunda de fora? Eu também quero ver - resmungou Marcelo.
- Mais respeito - advertiu a mãe -, estamos falando de sua irmã.
- Gente, o que é isso? Vocês não flagram nada de nada. Trata-se de um desfile de modas! Respondeu Zenaide, rindo com ar superior.
- E quanto você vai ganhar? Perguntou a mãe, esfregando as mãos.
- Calma, não é assim! É uma oportunidade, para eu mostrar os meus dotes...
- Que dotes - disse novamente Marcelo, meio dormindo.
- Se for para a sua felicidade, filha, eu apoio. De mais a mais, Deus escreve certo por linhas tortas - disse Dona Sônia, atirando um beijo à filha.
- Não tem nada garantido. A Tânia Mara, vocês sabem, é puro gogó, mas ela costura para uma marca famosa, é do ramo. Estou esperançosa, tenho acompanhado os acontecimentos, tenho treinado no quarto. Preciso de umas aulas de passarelas, mas como? O desgraçado do Elói, jornalista de merda, promete, promete e nada!
- Por falar nele, porque não veio ao jantar? Perguntou Edileuza.
- Fui à casa dele várias vezes, mas não o encontrei. Parece que está viajando a serviço do jornal ou de uma ong. Para quem não sabe, ong é uma organização não governamental - informal Zenaide, com ar de entendida.
- Maninha, você vai fazer sucesso na passarela - incentivou Wallace.
- Enquanto isso, vai sonhando. Mas agora a festa acabou, quero ver a minha novela - disse Dona Sônia, saindo da cozinha.
Marcelo dormia e roncava, Edileuza abriu a bíblia, Wallace foi para o quarto ouvir funk. Zenaide, com ar sonhador, ficou diante do espelho um longo tempo, consertando os cabelos com as pontas dos dedos, enquanto Dona Sônia suspirava diante da tv com o Antonio Fagundes.
Imagem: Google
6 - Medo e Desejo
Edileuza continuava passando pelo mesmo itinerário, antes e depois do culto, e quando se aproximava do local em que fora beijada pelo homem misterioso, seu corpo era invadido por um misto de medo e desejo. Na noite sem lua da primeira quarta-feira de abril, ela saiu do templo com a fé abalada, por conta de denúncias de corrupção envolvendo altos dirigentes da igreja. "Na hora de pedir o voto, eles prometem mundos e fundos, dão tapinha nas costas, mas depois de eleitos, desaparecem", dizia indignada. A sua igreja fora se meter em política, ela mesma votara nos candidatos indicados pelo pastor, que foram eleitos com expressivas votações. E foram estes que, apesar da resistência, dera o seu voto, foram acusados de desvio de verbas públicas. O culto desta quarta-feira decisiva nos rumos de sua fé, foi atípico. Pouco se falou das sábias palavras de Jesus, mas de política e de Satanás. O pastor, tendo a bíblia na mão, porém fechada, esbravejava contra o Satanás, que propaga a mentira e injúria, para afastar os homens do caminho do Senhor. Que as denúncias contra os dirigentes, eleitos pela poderosa luz do Espírito Santo, para levar a salvação ao Congresso Nacional, eram obras do espírito das trevas. Edileuza não se conteve, interrompeu o pastor e disse o que pensava: Irmão, eu sempre achei que a igreja não devia mexer com política e só devia cuidar das coisas do Senhor. O povo evangélico vem sendo usado, para eleger pastores há muito tempo e esta não é a primeira vez que políticos evangélicos são acusados de desviarem-se do caminho de Jesus. Eu não voto mais em ninguém, acabou, aleluia - concluiu e se retirou.
Mal saíra da igreja, distraiu-se seguindo pela rua pouco iluminada. Sempre que passava pelo local, onde fora abordada, parava e olhava com tremores no corpo. Nessa quarta-feira escura, parou e sentou-se sobre o meio-fio, com os pensamentos confusos. Não frequentaria mais a Igreja Nacional do Reino do Amor: "Vou esperar que Espírito Santo me ilumine, para que eu possa enxergar o verdadeiro caminho do Senhor", pensava, olhando as estrelas, suspirando, com o corpo em brasa. "Por onde anda aquele sujeito?" - perguntava para si. "Ele parece um bom sujeito, gostaria de vê-lo novamente, se possível hoje. Tenho quase certeza de que ele me segue... bem podia ser..."
- Edileuza, desculpe-me, você saiu de repente do templo - disse alguém na penumbra.
- Quem é você? - perguntou Edileuza, levantando-se, assustada.
- Sou o Tenório, não está me reconhecendo? Você saiu antes de louvar ao Senhor, fiquei preocupado.
- Obrigada, mas não precisa se preocupar, quem anda com Jesus não tem medo de assombração - respondeu, com convicção.
- Você ficou irritada com o culto de hoje, por quê?
- Ah Tenório, quanta hipocrisia! A praga da corrupção contaminou a nossa igreja, não acredito mais, desisto.
Edileuza continuava passando pelo mesmo itinerário, antes e depois do culto, e quando se aproximava do local em que fora beijada pelo homem misterioso, seu corpo era invadido por um misto de medo e desejo. Na noite sem lua da primeira quarta-feira de abril, ela saiu do templo com a fé abalada, por conta de denúncias de corrupção envolvendo altos dirigentes da igreja. "Na hora de pedir o voto, eles prometem mundos e fundos, dão tapinha nas costas, mas depois de eleitos, desaparecem", dizia indignada. A sua igreja fora se meter em política, ela mesma votara nos candidatos indicados pelo pastor, que foram eleitos com expressivas votações. E foram estes que, apesar da resistência, dera o seu voto, foram acusados de desvio de verbas públicas. O culto desta quarta-feira decisiva nos rumos de sua fé, foi atípico. Pouco se falou das sábias palavras de Jesus, mas de política e de Satanás. O pastor, tendo a bíblia na mão, porém fechada, esbravejava contra o Satanás, que propaga a mentira e injúria, para afastar os homens do caminho do Senhor. Que as denúncias contra os dirigentes, eleitos pela poderosa luz do Espírito Santo, para levar a salvação ao Congresso Nacional, eram obras do espírito das trevas. Edileuza não se conteve, interrompeu o pastor e disse o que pensava: Irmão, eu sempre achei que a igreja não devia mexer com política e só devia cuidar das coisas do Senhor. O povo evangélico vem sendo usado, para eleger pastores há muito tempo e esta não é a primeira vez que políticos evangélicos são acusados de desviarem-se do caminho de Jesus. Eu não voto mais em ninguém, acabou, aleluia - concluiu e se retirou.
Mal saíra da igreja, distraiu-se seguindo pela rua pouco iluminada. Sempre que passava pelo local, onde fora abordada, parava e olhava com tremores no corpo. Nessa quarta-feira escura, parou e sentou-se sobre o meio-fio, com os pensamentos confusos. Não frequentaria mais a Igreja Nacional do Reino do Amor: "Vou esperar que Espírito Santo me ilumine, para que eu possa enxergar o verdadeiro caminho do Senhor", pensava, olhando as estrelas, suspirando, com o corpo em brasa. "Por onde anda aquele sujeito?" - perguntava para si. "Ele parece um bom sujeito, gostaria de vê-lo novamente, se possível hoje. Tenho quase certeza de que ele me segue... bem podia ser..."
- Edileuza, desculpe-me, você saiu de repente do templo - disse alguém na penumbra.
- Quem é você? - perguntou Edileuza, levantando-se, assustada.
- Sou o Tenório, não está me reconhecendo? Você saiu antes de louvar ao Senhor, fiquei preocupado.
- Obrigada, mas não precisa se preocupar, quem anda com Jesus não tem medo de assombração - respondeu, com convicção.
- Você ficou irritada com o culto de hoje, por quê?
- Ah Tenório, quanta hipocrisia! A praga da corrupção contaminou a nossa igreja, não acredito mais, desisto.
Imagem: Google
- Você é uma mulher inteligente, Edileuza. Eu não consigo entender, mas confio demais em você.
Ela percebeu o nervosismo de Tenório. Há cerca de dois meses, após a abordagem, naquele mesmo local, ele passara a frequentar a igreja. Não tirava os olhos de cima dela e uma vez ofereceu-se para levá-la em casa. A desconfiança sobre as reais intenções de Tenório de frequentar a igreja fora sentida desde o primeiro dia. Havia algo de nebuloso nele, que a amedrontava. Por duas vezes, durante o culto, sentira a presença dele, sentira o roçar de seus braços sobre os seus e a sua respiração sôfrega. A mesma respiração que a desnorteara.
- Tenório, me diz uma coisa - perguntou de supetão -, você é um psicopata?
- O que é isso? - arguiu o singelo Tenório.
- Uma pessoa desequilibrada, um pervertido!
- Em nome de Jesus, Edi, não estou entendendo.
- Não adianta, você não iria admitir. Bom, preciso ir - disse Edileuza, levantando-se.
- Admitir o quê? Espere, vou com você, está escuro, pode ser perigoso - ofereceu Tenório timidamente.
- Está bem, então vamos.
Caminharam com passos lentos, em silêncio. Aquele trecho da rua estava bastante escuro e Edileuza sentiu um calafrio, quando Tenório esbarrou em seu corpo. Pareceu-lhe um esbarrão de propósito. Ambos diminuíram os passos, como se tivessem um acordo tácito de não saírem da penumbra. Mas a iluminação aproximava-se. Subitamente pararam. Tenório avançou em sua direção. Edileuza vislumbrou em seu olhar um estranho brilho. Não teve forças para fugir.
Continua no capítulo 7 - O Tempo Passa Rápido
Publicações de J Estanislau Filho:
Imagem: jef
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Escondemos o nosso sexo e pomos à vista as mãos que roubam e matam, e a boca que jura em falso.A inocência não se envergonha de nada. O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. "Como pode dizer que ama uma pessoa, quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece." (Charles Bukowski). Meus parabéns, por mais esse capítulo, Estanislau. Bravo ! Abraço da Luiza
ResponderExcluirGrato Luiza, sempre bem-vinda.
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