terça-feira, 18 de junho de 2024

MUTAÇÃO*


Imagem: Google


O Cabo Anselmo aproveitava  o dia de folga para caminhar no amplo espaço da Esplanada dos Ministérios, quando viu um homem correndo atrás de uma seriema, que mancava, por ter uma das pernas machucada. O Cabo desviou o olhar, pois não queria aborrecimentos no dia de descanso. Mas um transeunte o reconheceu. Era o Jaime, funcionário da Câmara dos Deputados.

     - Cabo Anselmo - chamou Jaime - prenda aquele homem, ele quer pegar a seriema, talvez para matá-la. De repente, não se sabe vindo de onde, o Cabo estava cercado por uma aglomeração de pessoas, fazendo coro ao pedido de Jaime.

     - Prenda o predador, prenda o ladrão de seriema!

     - A seriema fugiu do Palácio Alvorada - gritou um manifestante. 

     - Têm certeza? - indagou o policial

     Enquanto isso, o homem lutava com a seriema, segurando-a pelas pernas a uma pequena distância da multidão.

     - Vai lá, Cabo e dá cabo  nisso - gritou lá do fundo um senhor de óculos escuros - não se pode maltratar animais, está na lei. 

     Irritado pela interrupção ao seu passeio matinal,  Anselmo se dirigiu ao local da luta do homem com a seriema, com a pequena multidão atrás, sendo que muitos foram embora, com receios de serem convocados pela justiça, como testemunhas.

     - Você está preso, qual o seu nome, meliante? Perguntou Anselmo, com autoridade, no momento em que a seriema quase escapou. 

     - João Batista, sou cuidador dos animais do Palácio do Alvorada.

     - Está livre , pode conduzir o animal de volta ao seu habitat - autorizou o Cabo.

     - É mentira -  observou um rapaz de jaqueta jeans - esse sujeito é um morador de ruas. 

     - Está preso, por mentir para uma autoridade - disse Anselmo

     - Gente, eu conheço bem esse homem - interveio outro - ele é funcionário do gabinete do Senador Sóstenes. 

     - Você está livre, João, pode continuar seu trabalho - disse o Cabo, com firmeza.

     - Não Cabo Anselmo, o senhor não pode liberar o sujeito, não está vendo que ele quer abater o animal? É um sem-teto, já o vi invadir uma propriedade privada, um prédio desabitado lá em...

     - Silêncio - exigiu Anselmo, irritado com a gritaria - o elemento será conduzido à delegacia, para depor.

     - Não cometa esta loucura, Cabo - chamou a atenção um homem de terno e gravata, que acabara de chegar - esse cidadão é o sobrinho do empresário... 

     Não terminou a frase. O Cabo Anselmo saiu do local, aborrecido por se ver numa encrenca em seu dia de folga. 


J Estanislau Filho


*Inspirado e intertextualiazado de  O Camaleão,  um conto de Antôn Tchecov, publicado nesse blog

3 comentários:

  1. Corina Sátiro do Racanto das Letras aqui, Stanislau. Maravilha! É mais ou menos assim que acontece. Uma boa dose de humor, e muito gostoso ler.

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