domingo, 26 de abril de 2020

Catarse com cumpadi Bastião


Imagem: Google




Isturdia (*) tava eu aqui na barbearia, ispantano musquito. Os fregueis sumiru, lá fora aquele movimento parado. Nem um fi de deus prum dedim de prosa, pelo menu, pois o dia tava memo ino pro brejo. Num ia trocar nem memo seis pur meia dúz. Fregueis é assim memo, tem dia que chega tudo duma veis, dispois some. A gente não percisa de dinheiro, percisa memo é de felicidade. Mas esse dia foi duído. Num deu pra sarvá nem a paia do meu pito de fumo de rolo. Inté as foia da manguera num mexia. Disacorçoado, fui arriar a porta, quando vi cumpadi Bastião vindo com aquele jeito mole de andar, pernas bambas. Eu gritei:
- Eh cumpadi, cê num morre tão cedo, tava pensano nocê! Ele me arrespondeu:
- Boa tarde, cumpadi, discurpa eu, tô cum pressa. Fiquei pensano cá comigo “cumpadi Bastião com pressa? Nem que a vaca tussa, esse home tá com treta”.
- Só uma paradinha prum dedim de prosa, cumpadi, pressa pra quê? O mundo não vai acabar”.
- Pensano mió, cumpadi tá certo. Nem me alembro o que ia fazer... E foi logo se acomodano justo na cadeira de trabaio: - “Eita cadeira macia...Tem nuvidade na praça?”, perguntou.
- Nuvidade nesse fim de mundo cumpadi? De que jeito? Os tempos de Seu Álvaro, Geraldo Paraíba e Garoa acabô-se, ó, faiz um tempão. Jampruca é esta paradera, parada inté demais da conta...” Cumpadi balangou a cabeça consentino. Gosto de conversar com ele, que mais iscuita que fala. Abri o verbo:
- Sabe duma coisa, cumpadi Bastião, sua presença hoje é especiá, perciso fazer uma catarse. Pru meu ispanto, cumpadi levantô duma veiz da cadeira e disse aperreado:
- Trem nojento, cumpadi, vamo mudá o rumo dessa prosa! Troço disgramado (**) é esse?”
- Peraí cumpadi, não é o que ocê tá pensano não! Catarse é fazer uma limpeza na alma, botar as podreras pra fora...
Num teve jeito. Cumpadi Bastião saiu resmungano, ouvi ele dizeno “eita mundo veio sem porteira, dispois que cumpadi começou a mexê com essa tal internet, malucô de veiz, começou a dá pa traiz, mijano fora do pinico...”
“Peraí cumpadi – ainda tentei mais uma vez – catarse é...” E ele ainda arespondeu “vai comê bosta, home, na sua idade...”
O dia foi mesmo perdido, melhor ir dormir. Amanhã, quem sabe... Cumpadi Bastião vorta, ele sempre vorta.


J Estanislau Filho



(*) Outro dia; um dia destes.
(**) Coisa ruim, esquisita.


Imagem: Google


5 comentários:

  1. Oi, Estanislaw! Parabéns pelo portal. Eis o meu "blog" ===> https://engenhodeletras.blogspot.com/

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  2. Grato pela generosa visita! Irei conhcer seu trabalho. Grato pela partilha!

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  3. Que bom que gostou, afinal, rir é o melhor remédio. Abraço!

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  4. "Causo" do cotidiano, muito interessante e que nos propicia um rir gostoso. A pureza, a inocência ante as variantes do linguajar que expressa a nossa cultura. Freud deve estar dando sorrisos em seu túmulo.

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    1. A sua leitura e o seu comentário são sempre estimulantes. Gratidão, Almir.

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