domingo, 29 de julho de 2018

azaleia


                                                                      Imagem: jef


como te amo flor
que irradia luz
e me faz pessoa melhor

cuido de ti com zelo
por me ofertar beleza
sem cobrança ou apelo

te beijo tu me beijas
te desejo em dobro
tudo que me desejas

amor tão transparente
gera mútuo crescimento
que nos faz bons amantes

J Estanislau Filho


Da série Flores. Leia também: Cravina, Begônia, Magnólia, Rosa...


Imagem: nr

sexta-feira, 27 de julho de 2018

A peleja da blogosfera progressista contra as mentiras da grande mídia (plim-plim)


por Luiz Inácio Lula da Silva, em Lula.com.br  

A história ensina que numa guerra, a primeira vítima é a verdade.

Encontro-me há mais de 100 dias na condição de preso político, sem qualquer crime cometido, pois nem na sentença o juiz consegue apontar qual ato eu fiz de errado.

Isso porque setores da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário, com apoio maciço da grande mídia, decidiram tratar-me como um inimigo a ser vencido a qualquer custo.

A guerra que travam não é contra a minha pessoa, mas contra a inclusão social que aconteceu nos meus mandatos, contra a soberania nacional exercida pelos meus governos.

E a principal arma dos meus adversários sempre foi e continuará sendo a mentira, repetida mil vezes por suas poderosas antenas de transmissão.

Tenho sobrevivido a isso que encaro como uma provação, graças à boa memória, à solidariedade e ao carinho do povo brasileiro em geral.

Dentre as muitas manifestações de solidariedade, quero agradecer o espírito de luta dos homens e mulheres que fazem do jornalismo independente na internet uma trincheira de debate e verdade.

Desde que deixei a Presidência, com 87% de aprovação popular, a maior da história deste país, tenho sido vítima de uma campanha de difamação também sem paralelo na nossa história.

Trata-se, sabemos todos, da tentativa de apagar da memória do povo brasileiro a ideia de que é possível governar para todos, cuidando com especial carinho de quem mais precisa, e fazer o Brasil crescer, combatendo sem tréguas as desigualdades sociais e regionais históricas.

Foram dezenas de horas de Jornal Nacional e incontáveis manchetes dedicadas a espalhar mentiras – ou, para usar a linguagem da moda, fake news – contra mim, contra minha família e contra a ideia de que o Brasil poderia ser um país grande, soberano e justo.

Com base numa dessas mentiras, contada pelo jornal O Globo e transformada num processo sem pé nem cabeça, um juiz fez com que eu fosse condenado à prisão, por “ato indeterminado”, usando como pretexto a suposta posse de um imóvel “atribuído” a mim, do qual nunca fui dono.

Contra essa aliança espúria entre alguns procuradores e juízes e a mídia corporativa, a blogosfera progressista ousou insurgir-se.

Sem poder contar com uma ínfima parcela dos recursos e dos meios à disposição dos grandes veículos alinhados ao golpe, esses homens e mulheres fazem Jornalismo. Questionam, debatem e apresentam diariamente ao povo brasileiro um poderoso contraponto à indústria da mentira.

Lutaram e continuam a lutar o bom combate, tendo muitas vezes apenas o apoio do próprio povo brasileiro, por meio de campanhas de financiamento coletivo (R$ 10 reais de uma pessoa, R$ 50 reais de outra).

Foram eles, por exemplo, que enfrentaram o silêncio da mídia e desvendaram as ligações da Globo com os paraísos fiscais, empresas de lavagem de dinheiro e a máfia da Fifa. Que demonstraram a cumplicidade de Sérgio Moro com a indústria das delações. Que denunciaram a entrega das riquezas do país aos interesses estrangeiros. Tudo com números e argumentos que sempre são censurados pela imprensa dos poderosos.

Por isso mesmo a imprensa independente é perseguida por setores do Judiciário, por meio de sentenças arbitrárias, como vem ocorrendo com tantos blogueiros, que não têm meios materiais de defesa.

Enfrentam toda sorte de perseguições: tentativa de censura prévia, conduções coercitivas e condenações milionárias, entre outras formas de violência institucional.

E agora, numa investida mais sofisticada – mas não menos violenta – agências de “checagem” controladas pelos grandes grupos de imprensa “carimbam” as notícias independentes como “Fake News” e, dessa forma, bloqueiam sua presença nas redes sociais. O nome disso é censura.

Alguns desses homens e mulheres que pagam um alto preço por sua luta são jornalistas veteranos, com passagens brilhantes pela grande imprensa de outrora, outros sem qualquer vínculo anterior com o jornalismo, mas todos movidos por aquela que deveria ser a razão de existir da profissão: a busca pela verdade, a informação baseada em fatos e não em invencionices.

Lutaram e lutam contra o pensamento único que a elite econômica tenta impor ao povo brasileiro.

Quantas derrotas nossos valentes Davis já não impuseram aos poderosos Golias? Quantas notícias ignoradas ou bloqueadas nos jornalões saíram pelos blogues, muitos deles com mais audiência que os sites dos jornalões?

Mesmo confinado na cela de uma prisão política, longe de meus filhos e amigos, impedido de abraçar e conversar com o povo brasileiro, tenho hoje aprovação maior e rejeição menor que meus adversários, que fracassaram no maior dos testes: melhorar a vida dos brasileiros.

Eles, que tantos crimes cometeram – grampos clandestinos no escritório de meus advogados, divulgação ilegal de conversas entre mim e a presidenta Dilma, todo o sofrimento imposto à minha família, entre muitos outros –, até hoje não conseguiram contra mim uma única prova de qualquer crime que seja.

A cada dia mais e mais pessoas percebem que o golpe não foi contra Lula, contra Dilma ou contra o PT. Foi contra o povo brasileiro.

Mais do que acreditar na minha inocência – porque leram o processo, porque checaram as provas, porque fizeram Jornalismo – os blogueiros e blogueiras progressistas estão contribuindo para trazer de volta o debate público e resgatar o jornalismo da vala comum à qual foi atirado por aqueles que o pretendem não como ferramenta capaz de lançar luz onde haja escuridão, mas apenas e tão somente como arma política dos poderosos.

A democracia brasileira agradece, eu agradeço a vocês, homens e mulheres que fazem da luta pela verdade o seu ideal de vida.

Hoje a (in)Justiça brasileira não só me prende como impede sem nenhuma razão que vocês possam vir aqui me entrevistar, fazer as perguntas que quiserem. Não basta me prender, querem me calar, querem nos censurar.

Mas assim como são muitos os que lutam pela democracia nas comunicações e pelo jornalismo independente, e não caberiam aqui onde estou, essa cela também não pode aprisionar nem a verdade nem a liberdade.

Elas são muito mais fortes do que as mentiras mil vezes repetidas pelo plim-plim, que quer mandar no Brasil e no povo brasileiro sem jamais ter tido um único voto. A verdade prevalecerá. A liberdade triunfará.

Forte abraço,

Lula

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Amante clandestina

                                                                      Imagem: jef




Cibele foi ao encontro do homem, que imaginara dos sonhos.
   Casada, pela primeira vez decidira entregar seus lábios a outros lábios, sair de uma relação conservadora.
   O encontro precisava ser clandestino, em local seguro, longe das vistas dos membros de sua pequena comunidade, pois caso Marcelo soubesse, o mundo desabaria sobre a sua cabeça.
   Tomou todas as precauções, colocou o batom vermelho na bolsa e foi decidida. "O que tiver de ser, será!", disse para si.
   Tudo ocorreu conforme previra. Entregou seus lábios aos de Eduardo. Sentiu-se nas nuvens. Eduardo sugeriu outro encontro. Cibele não titubeou.
   Agora Cibele vive um impasse: tornar-se amante clandestina deste homem carinhoso ou terminar tudo, para salvar o casamento e voltar à rotina de esposa submissa. Cibele pensa.
    A ideia de amante clandestina a excita.

J Estanislau Filho


                                              Imagem: jef

A psicóloga, a diarista e o amante

                                                                  Imagem: jef



   Ana Claudia trabalha como diarista. Competente e organizada, a sua agenda está sempre cheia. A contragosto, costuma trabalhar um ou outro sábado, especialmente para a Psicóloga Dra. Vera Schmidt Gutierrez de Bragança que mora sozinha em uma mansão na Pampulha. Ana Claudia prefere tirar a poeira dos móveis, ilustrar os talheres de prata, a ter que ouvir as longas histórias de sua ilustre cliente.
  Para Ana, uma mulher do povo, a patroa era mesmo uma ilustre PRD (Prosa Ruim e Demorada). Mas não podia perder uma cliente que não pechincha e não se preocupa com custo-benefício. Não questiona o serviço, paga e presta favores à diarista, indicando-lhe clientes de mãos e bolsos abertos.
  Depois de liberada, Claudia só pensa em correr até Pedro e regozijar-se em seus braços, depois de uma semana agitada. Ao se despedir e entrar em seu Uno 95 faz um ar de ai meu Deus, ninguém merece! Mas sorri olhando a carteira recheada e ao se lembrar do membro ereto de Pedro, sim, Pedro, forte como uma pedra e delicado como uma flor.
  Para os parâmetros de grande parte das brasileiras, Ana Claudia vive confortavelmente. Tem casa própria, um carro, celular pré-pago e uma parafernália eletrônica, mas sem tempo para usufruir. Se cuidasse de sua casa como cuida da dos outros, seria um primor. Ela diz não ter tempo, afinal em casa de ferreiro o espeto é de pau, responde quando é questionada pelas amigas, porque Pedro não está nem aí. Coitado, diz com um sorriso de felicidade, quem prepara o almoço de domingo e lava as vasilhas é ele.
  Ana descobriu que tem uma coisa em comum com sua cliente da alta sociedade: ambas moram sozinhas. "Só que eu tenho Pedro, que sempre me visita, para bebermos cerveja e fazer amor".
  - A doutora, conta para Pedro, não tem ninguém. Nem um gato a porra da mulher tem, para fazer-lhe companhia! Diz com indignação.
  - Você mora sozinha porque quer, Claudia, contrapõe Pedro .
  - Sim, acho que ela também! Não sei, acho que ela é solitária por ser muito chata, cheia de não me toques. E não é feia! Eu moro sozinha, mas não sou solitária, não estou abandonada, não é Pedro? Só estalar os dedos você vem correndo... adoro tudo isso.
  -  Vai pensando, responde Pedro, abraçando-a, um dia deste ou você se casa comigo ou me mando.
 - Mentiroso, replica Claudia, você jamais me abandonará e se acontecer, está assim, ó, de homens na fila.
  - Ah é? Mas não farão você gozar, como eu faço, retruca Pedro.
Claudia, toda vez, principalmente aos sábados, quando está trabalhando para a doutora, você sempre chega tarde, demora demais!
  - Nem queira saber por que. O trabalho só não é mais chato, porque ela paga bem, mas você não imagina o tormento! -  Responde a amante enquanto lixa as unhas das mãos.
  - É mesmo? Será que vale a pena? - questiona Pedro, lustrando as panelas do almoço.
  - Olha a torneira aberta, precisamos economizar água, meu bem. Já ouviu falar em aquecimento global? - esbraveja Ana, quase caindo da cadeira.
  - Então vem lavar, ambientalista de meia tigela, aqui ó, pra você, diz Pedro levando a mão ao pau. 
  - Nem morta, agora é a sua vez de esfriar a barriga e a pica no tanque, seu tarado. Minha vulva está dolorida de tanto, ai... ai... ai... Gostou do nome? Vulva... Aprendi com Vera, diz Ana, enquanto massageia o rosto.
  - Vulva?  Você é uma desbocada, nome horroroso – rebate Pedro, enquanto organiza as vasilhas no armário.
  - É o órgão genital feminino, seu analfabeto, diz levantando-se e passando a mão na bunda do amante.
  - Ah, para com isso, não gosto quando passa a mão em minha bunda. Só não me importo quanto estamos trepando – resmunga Pedro.
  - Deixa de ser machista, meu bem, os tempos mudaram – ensina Claudia – e não trepamos, seu grosso, fazemos coito ah ah ah!
  - Vulva, órgão genital, coito, isso sim são palavrões. Traduza pra este ignorante e machista, que te enlouquece na cama – esnoba Pedro.
  - É o que eu tenho no meio das pernas. Boceta!
 - E como se chama o que eu tenho no meio das pernas? Vamos sabidona! -  desafia Pedro.
  - Ah cara, muito fácil! Pênis, mas eu prefiro piroca, cacete, pau, jiboia – responde Ana com uma sonora gargalhada.
 - Mas você não me respondeu porque demora, acho que esta psi o quê? Doutora Schmidt é sapatão e está afim de você – provoca Pedro.
  - Ah me poupe. Ela é uma mulher de respeito, nunca se insinuou para mim, mas, pode ser e daí? Qual o pobrema?
  - Não é pobrema sua anta, problema! É assim que se diz, pobrema é de pobre.
  Pedro falou em tom professoral, balançando a xícara de estimação da namorada.
 - Cuidado com minha xícara, porra. Não dou mais pra você, idiota! Agora quer ensinar padre nosso pra vigário? retrucou Claudia exibindo o batom vermelho.
  - Isto é o que veremos. A cozinha está arrumada e quando você fala comigo deste jeito me dá um tesão – respondeu Pedro, colocando o pênis ereto pra fora da braguilha.
  Ana Claudia sorriu e eles se abraçaram.
  - Falando sério, Pedro, às vezes tenho pena da Doutora Vera. Toda vez que me chama para fazer limpeza aos sábados, a gente fica mesmo é conversando. Ela me oferece licores, vinho do Porto, uma delicia, conta casos. Fala da vida dela, uma tristeza. Eu falo que preciso arrumar a casa e ela diz, “deixa pra lá, vamos conversar”, e ela vai me segurando, segurando... Uma conversa chata de dar dó. Você acredita que ela, outro dia me falou de consciente, inconsciente, sub consciente de um tal Froide? Id, ego, superego. Uma chatice. De tanto repetir estes nomes, acabei decorando. Ela encontrou o ex na cama deles, com a mãe dela, que horror! Tem hora, eu penso, ela não anda bem da cachola, está ficando pancada...Lamentou Claudia.
  - Também pudera! De tanto conversar com doido acaba se tornando um – disse Pedro com ar de entendido, para concluir, vai ver a sogra era mais gostosa!
  - Não brinque, isto é grave. Ela teve uma vida muito difícil. O ex foi mesmo morar com a sogra. Pra você ver como são as coisas. Uma mulher rica, muito conceituada, dá entrevista pra televisão, você precisa ver a casa dela! Linda, linda, linda... Dois carrões na garagem. Ela não tem uma companhia, você acredita? Conta cada caso escabroso, ah, ela é infeliz...Muito infeliz. Não sei porque desabafa comigo! Outro dia ela me ofereceu um baseado...
  - Sério? Claudinha, meu bem, não estou interessado na vida da grã-fina, vamos ver aquele filme pornô, vamos?
    - Vamos meu bem! Mas não vem que não tem, estou morta, talvez até durma durante o filme.
    - Du-vi-de-o-dó, você tem fogo no rabo...
   - Tá bom, tá bom, vamos! Mas antes me responda: - Você é feliz com sua baixinha da bunda grande? Que prepara o melhor bolinho-de-chuva do mundo?
  - Sou o homem mais feliz do mundo, respondeu Pedro agarrando Claudia, bejando-a.
   E mais uma vez rolaram sobre o colchão estendido em frente a TV. Depois de mais uma seção de sexo, dormiram abraçados.
Enquanto isso a psicóloga de grã-finos engolia um antidepressivo.

J Estanislau Filho




O conto acima  está em meu livro A Moça do Violoncelo, que tem ainda Estrelas (poesias), pois trata-se de dois livros em um. 171 páginas, com orelhas e posfácio da professora e escritora Tânia Orsi Vargas. Editoração: Fernando Estanislau. Impressão: Editora O Lutador. Restam poucos exemplares. R$20,00 (frete incluso) Interessados, façam contato. Antecipo agradecimentos.

     
                                  

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Doutor Bumbum e a tragicomédia da bunda perfeita. Por Nathalí Macedo




Dr. Bumbum é um fenômeno tragicômico muito típico da geração Y, a começar pelo codinome-metapiada. Doutor sem doutorado, pela “relevância social” da classe, e Bumbum porque esta era, digamos, sua especialidade, e não porque, como talvez possa parecer, ele fosse um bundão.

Não era.

Denis Furtado atendia em uma cobertura no Leblon e cobrava até vinte mil reais por procedimentos estéticos que prometem te deixar o mais próximo possível de uma blogueira fitness. O resultado, entretanto, é um pouco diferente do prometido: a última que fez um desses procedimentos no açougue do Dr. Bumbum não está mais aqui pra contar a história. Segundo o boletim médico da vítima, ela chegou ao local com falta de ar, taquicardia e pele azulada. Deve ser um péssimo jeito de morrer.

Dr. Bumbum atendia fora de clínicas e hospitais por razões óbvias: o que aplicava na bunda das clientes era polimetilmetacrilato, um tipo de acrílico utilizado em preenchimentos faciais e corporais, rigidamente controlado pela ANVISA e contra-indicado por muitos médicos renomados pela irreversibilidade de seus efeitos colaterais, e o desconhecimento das possíveis consequências do uso do material em quantidade inadequada. Isso significa basicamente que se você usar microesferas plásticas demais para preencher partes do seu corpo que você acha que deveriam ser preenchidas, seu organismo pode rejeitar o acrílico e você pode morrer.

Mas Dr. Bumbum não ligava pra esse detalhe: “é a bunda de Andressa Urach que você quer? São vinte mil pilas.” Há os misóginos, e há os misóginos exploradores do lucro que a misoginia rende, que são o pior tipo de misógino. Dr. Bumbum sem dúvida está no segundo grupo. Ganhava dinheiro para explorar a submissão de mulheres  a um padrão estético cruel pelo qual são bombardeadas diariamente, nas revistas, na TV e agora no Instagram, o antro dos corpos perfeitos e das bundas perfeitas.

Afinal, de onde vem essa obsessão? A bunda da mulher latina, a bunda da mulher brasileira, a bunda que aparece nas propagandas de cerveja, e de chinelos, e de margarina, e do que quer que seja, ou numa banheira nas tardes de domingo dos anos 90, a bunda que torna uma mulher mais gostosa e portanto mais desejável pelos homens.

No Brasil é a bunda. Nos EUA são os peitos. Em algumas partes da Índia, o pescoço. Tanto faz, o patriarcado sempre se apropria de partes nossas – e eventualmente também do todo – para que continuemos escravas de padrões estéticos assassinos e torturantes, mas que agradem ao vouyerismo masculino, que é a única coisa que importa de verdade.

A isso algumas feministas têm chamado isso de “performar feminilidade”.

Ainda não conseguimos evitar o mau hábito de tentar agradar a esse voyeurismo, porque a autoimagem da mulher desta geração ainda está distorcida demais. Nossa autoestima ainda está atrelada ao que agrada ao nosso espectador – e cada vez mais, na verdade, na era das redes sociais.

Devagar, talvez nos livremos nas próximas décadas do salto alto, do sutiã de bojo, das cintas modeladoras, dos microchoques que destroem a gordura na nossa barriga em clínicas estéticas, e dessa obsessão tão insana por uma bunda perfeita que tem levado mulheres a se submeterem a procedimentos estéticos inseguros onde um médico picareta põe plástico líquido em seus corpos em um quarto de hotel.

Meu desprezo por esse tipo de intervenção não é uma questão de repressão à liberdade individual: O corpo é meu, eu faço o que eu quiser com ele, mas isso não significa que eu precise pagar para que insiram esferas plásticas na minha bunda só pra provar que sou dona de mim. Não é o tipo de rebeldia que me parece vantajosa.

O mercado dos procedimentos estéticos de risco, entretanto, decerto ainda dura muito, porque são muitos os picaretas do corpo perfeito nos quartos de hotel por aí, e são muitas as Pugliesis e Misses Bumbum no Instagram,  mas, por ora, deu ruim pro Dr. Bumbum:

Fala com Gilmar, doutor com doutorado especialista em livrar a cara de médicos misóginos.


Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/doutor-bumbum-e-a-tragicomedia-da-bunda-perfeita-por-nathali-macedo/

segunda-feira, 2 de julho de 2018

A Vingança de Frederico




O que se escondia por trás do sorriso meigo de Elisa, Valter só viria a saber algum tempo depois. Ah, os dias vividos com intensidade libidinosa  poderiam ter transcorrido de outro modo, não fosse Frederico. Ah, Frederico de olhos inquisidores!
   Valter encontrava-se no Carmo, antigo cemitério da histórica São João del Rei, em busca do melhor ângulo, para registrar em fotos preto e branco as centenárias catacumbas, por encomenda da revista Mistérios, quando uma moça aproximou-se com um sorriso suave, espargindo um doce perfume, que se misturou ao das coroas de flores depositados nos túmulos.
   Valter devolveu o sorriso, por gentileza. Continuou seu trabalho. A menina afastou-se delicadamente, enquanto lançava um olhar furtivo ao fotógrafo.
   Em seguida abandonou o local com passos leves, para observar as sepulturas, situadas no adro da catedral. Valter, como se levado por uma força misteriosa, seguiu em sua direção, encontrando-a ajoelhada frente a uma catacumba... O fotógrafo da revista Mistérios permaneceu em silêncio respeitoso. Segundos depois, Elisa ergueu o rosto, enxugando tênues lágrimas.
   - Tudo bem com você - perguntou, oferendo-lhe um lenço.
   - Tudo bem. É o túmulo de meus avós paternos. Meu avô era uma pessoa maravilhosa. Muito importante em minha vida. Ah, como tenho saudades...
   Depois das apresentações e um breve diálogo sobre lembranças recíprocas, atividades cotidianas, a conversa fluiu com empatia, embora Elisa se apresentasse tímida. Valter, experiente e talhado, conseguiu deixá-la relativamente à vontade. Ficou encantado com a beleza da garota.
   Combinaram encontrar-se à noite no Teatro Municipal. Ao se despedir, Valter acariciou-lhe o rosto. A garota fechou os olhos, enquanto as mãos do fotógrafo se movimentavam suavemente sobre a tez macia. Reprimiu o desejo de abraçá-la, pois estava confiante que a teria sobre sua cama nesta noite, que chegou quando o sino da catedral badalou sete vezes.
   Elisa calçou as luvas vermelhas; pintou-se, boca vermelha de batom, cor de sangue... Elisa rubra! Sorriso tímido, lábios carnudos, ingênuos... E um sorriso esplêndido. Valter desceu do carro, parou para contemplá-la, distraída olhando os cartazes. Postou-se atrás de uma pilastra, observando-a inteira, imaginando vê-la nua sobre lençóis macios.
   - Olá, espera alguém? - disse antes de ela se virar.
   - Ai, você me assustou, respondeu, coquete, exibindo a face corada.
   Abraçaram-se ternamente. Valter sentiu o perfume inebriante.
   - E então, encontrou a casa dos sonhos? - indagou Elisa.
   - Obrigado, comprei, graças a você!
   - Ah, fico feliz, seremos conterrâneos.
   Esta era a quarta vez que Valter ia a São João del Rei, à procura de uma casa para comprar. Depois de visitar várias cidades e distritos da região, decidira por São João. Ao conhecer Elisa, no Cemitério do Carmo, contou-lhe o desejo de de deixar a capital. Depois de algumas informações, ela sugeriu o bairro. Encontrou a casa ideal. Pequena, aconchegante, com jardim e garagem. E uma edícula. Onde viveriam momentos de intensa volúpia.
   - Vamos entrar, sugeriu Valter.
   - Ah, sim, vamos! - concordou a menina, enlaçando a mão do fotógrafo da revista Mistérios.
   Mas saíram do teatro antes de terminar o primeiro ato. Valter alegou que a peça era ruim, atores terríveis, para ficar a sós com Elisa, que aceitou os argumentos sem protestar. Ligou o carro. Instintivamente dirigiu-se ao motel, que mapeara ao andar pela cidade. A garota ficou com um misto de vergonha e surpresa.:
   - Você é louco! Como ousa... Ah se Frederico souber! e sorriu, cobrindo a boca com ambas as mãos.
   - Ah, desculpa, nada vai acontecer sem o seu consentimento...
   Ela retrucou:
   - Poderia ter me perguntado se...
   O fotógrafo olhou-a, fingindo vergonha:
   - Verdade, peço desculpas, vamos a outro lugar...
   A garota colocou o indicador entre os lábios, mordendo-o com sensualidade:
   - Se tivesse me convidado, como um gentleman, quem sabe...
   E muito à vontade, por favor, traga-me um espumante, ordenou, deixando à mostra uma coxa bem torneada.
   Foi uma noite alucinante. Tudo começou com suavidade, beijos, seguida, por favor, traga-me outro espumante, ordenou, erguendo ligeiramente o decote em carícias. Elisa tinha o frescor da juventude. Seios pequeninos, rosados. Beijou-a da cabeça aos pés, depois de despi-la demoradamente. Elisa correspondeu na mesma medida. Deixou-se despir languidamente, contorcendo-se, enquanto percorria a língua nos lábios, emitindo gemidos de prazer. A língua de Valter passou por todo corpo da moça, estacionando em cada curva, até ir de encontro ao pequeno orifício rosado, onde saboreou o precioso líquido com toques suaves de língua... Foram horas de prazer intenso.
   Antes de entrar em sono profundo, ouviu o sussurro de Elisa:
   - Durma querido, ficarei acordada velando seu sono... O amante não chegou a ouvir as últimas palavras: "Fre-de-ri-co, por favor, esconda suas garras de ciúmes...".
   Acordou em estado letárgico, sob efeito do sono.
   - Elisa, amor, cadê você?
   Silêncio. Esfregou os olhos, chamou de novo. Nada. Levou um susto ao ver a imagem refletida no espelho: tinha arranhões nas costelas. As costas estavam lanhadas, pequenos coágulos. Quero mais arranhões, doce Elisa, pensava olhando as marcas, com um leve sorriso. Após um telefonema, tudo foi esclarecido. Elisa precisava trabalhar nesta segunda-feira de chuva fina. Valter aproveitou o dia, para legalizar o imóvel. Foi à imobiliária, ao cartório, assinou documentos. Providenciou a compra de alguns móveis e pediu urgência ao gerente: "principalmente a cama, preciso dela instalada antes do anoitecer."
   Nas noites seguintes, amou como nunca amara na vida. Sentia-se incomodado pela diferença de idade. Trinta e três anos! Aplacou a consciência, pois a garota, além de maior de idade, entregava-se ardorosamente. Seis firmes, pele lisa, tênues fios de cabelos louros nas pernas delicadas. O corpo todo lanhado era prova de que estava dando-lhe prazeres. Elisa se recusou a dar satisfações sobre Frederico. "Frederico é assunto meu, por favor..." E se recusava ir além disto. O fotógrafo se conformou. Mas o ciúme o roía por dentro.
   - Frederico é importante em minha vida, não o abandonarei por nada, por na-da, entendeu?
   - Tudo bem, não toco mais nesse assunto, só queria entender porque você nunca está presente para tomarmos o café da manhã...
   Em apenas uma semana, surgiram os primeiros conflitos. Mas o desejo de ambos era maior, camuflando a tensão. Elisa o levava às alturas.
   - Elisa, Elisa! farei de tudo, para que seja só minha... Você revigorou minhas energias, menina, agora será minha...
   - Sua? Está louco?
   E saiu, deixando-o a sós, pensativo.
   Em apenas três semanas de volúpia, Valter transformara-se em outra pessoa. Emagrecera, tinha os olhos roxos por conta das noites mal dormidas; raramente saía de casa e ao sair precisava cobrir-se todo, para esconder os arranhões, que atingiam o pescoço e o rosto. "Elisa, Elisa, venha, não espere a noite chegar."
   Ao chegar, já noite, a moça fazia exigências e o fotógrafo, obediente, satisfazia os desejos libidinosos da mulher amada. E se entregavam ao coito de todas as formas, sem peias, sem freios. As unhas da mulher, cada dia mais afiadas, enterravam-se em sua pele, abrindo chagas.
   Até que chegou a noite decisiva, que transformaria completamente a vida de Valter. Elisa entrou, salto alto, saia curta expondo as coxas grossas, linda e sedutora, acompanhada de Frederico...
   - Não é possível, por quê isso agora, Elisa? perguntou Valter, com raiva. Engoliu a seco os argumentos da amada...
   Sabe, amor, dizia acariciando o fiel companheiro, eu o trouxe para conhecer o Valter, o misterioso fotógrafo... Não vale uma unha sua. Jamais te trocarei por ele, ou outro homem qualquer.
   Frederico estava irritado, disposto a atacar o rival, mas Elisa o acalmou, com meiguice. Valter recuou diante dos olhos esbugalhados de Frederico.
   - Elisa, oh minha adorada Elisa, peça o que quiser... falou enquanto a mulher ordenava a Frederico que permanecesse quieto.
   Devagar e sensual começou a se despir, diante do olhar apreensivo do amante.
   - Veja Frederico, faço isso por você, pelo nosso amor, para que cumpra o seu instinto.
   Foi se despindo lentamente, ao ritmo de bolero de Ravel. Valter não desviava os olhos e se despia no mesmo ritmo da amada. Frederico observava, com olhos injetados. Elisa, inteiramente nua, seios empinados, aproximou-se lentamente da cama... Deixou Valter beijar-lhe o sexo, os seios e se enroscaram na cama, lençol e travesseiros caíram, gritos de prazer ecoavam, enquanto Frederico observava. A música crescia...
   - Elisaaaaaaaaaaa! Valver gritou como nunca gritara. Um grito pungente, que obrigou Elisa a cobrir-lhe a boca, com receios de ser ouvido pela vizinhança, enquanto Frederico arrancava-lhe os olhos, no exato momento em que o clássico de Ravel estava no ápice.
   - Minha doce Elisa, urrou o amante com um misto de prazer e dor, tudo está escuro, não sinto meus olhos, o que aconteceu?
   Elisa beijou-lhe a face carinhosamente:
   - Ah meu amor, foi Frederico, louco de ciúmes, mas não se preocupe, cuidarei de você, não o abandonarei nunca.
   - Não me abandone, querida, não viveria sem você, implorava Valter, enquanto Elisa estancava o sangue, fazia curativo e o acalmava, depositando os seios em suas mãos:
   - Está tudo bem querido, serei sempre sua doce criança...
   Durante o período em que Elisa cuidava de Valter, Frederico perseguia um rato, que tentava, desesperado, escapar das garras do felino.


Este conto integra a coletânea A Moça do Violoncelo - Edição do autor - 2015, que tem ainda Estrelas - poesias. Dois livros em um.

                                                Editoração eletrônica: Fernando Estanislau




Outras Publicações do autor:


1 - Nas Águas do Arrudas - poesias - 1984
2 - As Três Estações - poesias - 1987
3 - O Comedor de Livros - poesias - 1991
4 - Crônicas do Cotidiano Popular - 2006
5 - Filhos da Terra - crônicas, contos com fechos poéticas - 2009
6 - Todos os Dias são Úteis - poesias - 2009
7 - Palavras de Amor - poesias - 2011
8 - Crônicas do Amor Virtual e Outros Encontros - 2012