segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Agente Mauro e as Mentiras do Combate à Corrupção

 Preâmbulo


Antes de iniciar essa breve narrativa, esclareço:  Não me arvoro dono da verdade, tampouco, dono de mentiras, que se espalham nas redes sociais e na mídia empresarial. É a opinião de um ficcionista.    


Acredito que a maioria dos brasileiros e brasileiras, quiçá do mundo, entendeu o que se desenrolou  por aqui. Até o mais empedernido reacionário, informado ou desinformado, ou manipulado pela mídia nativa e  por fake news,   já entendeu ao que   sobreveio naquela trágica votação do ano de 2016  sob o comando do  presidente da Casa, em seguida, no Senado. O que aconteceu foi um golpe contra o povo. Tudo encoberto com o "sagrado manto  do combate à corrupção".  


Imagem: Carta Capital


O Agente Mauro


Ascendido à condição de herói nacional, pela firmeza em que sentenciava  corruptos, o agente Mauro  era protegido por seguranças. Seu poder chegara a tal ponto de dispensar o devido processo legal.

     Para entender os passos do agente é necessário identificar as diversas forças ocultas, outras nem tanto, que lhe davam o suporte necessário: procuradores escolhidos a dedo; assessoria de poderosos agentes do Norte; corporações financeiras e empresariais.  Destaque especial para empresas petrolíferas estrangeiras. E para fechar com chave de ouro, Mauro tinha o apoio incondicional dos maiores veículos de comunicação. Todos imbuídos pelo mesmo ideal: o suposto combate aos corruptos.  

     Mauro tinha licença para assassinar reputações.  Mortes estranhas de envolvidos na trama ocorreram, como o acidente aéreo, que vitimou um juiz do Supremo. Tudo por um objetivo maior: prender o chefe de uma suposta organização criminosa, o Grande Líder, chamado internamente de Nine, cuja popularidade precisava ser desmistificada, na opinião do agente e de seus auxiliares. Para destruir a reputação de Nine, tudo era permitido:  bombardeio diário, com vazamentos de denúncias de todo tipo de corrupção, para a grande mídia, em especial para a Líder de  Audiência.   Antes de dar início a cada operação, o agente Mauro preparava o campo com a ajuda de agentes nacionais e estrangeiros. 

     Anos antes da entrada em cena do Agente, a estratégia de destruir a reputação do Grande Líder,  iniciara com armas pesadas no ano de sua reeleição à presidência do país, em 2006.  Seus adversários o consideravam fora do páreo, por conta  das denúncias de supostas mesadas aos seus parceiros. Um vídeo fora exibido em rede nacional em que mostrava o funcionário dos correios, Maurício Maninho recebendo, propina .  Os canais de televisão repetiam o vídeo a exaustão, sempre associando, subliminarmente à corrupção do Grande Líder.  Em seguida o deputado Roberto J acusa o Ministro da Casa Civil de distribuir propinas de campanhas eleitorais. Entra em cena o presidente do supremo, JB, à época elevado à condição de herói nacional,  pela mídia tradicional: o menino pobre que iria salvar o país da corrupção.  A manchete, com a foto  JB, fora estampada na capa de uma revista de circulação nacional e repercutida cotidianamente pelos canais de tevês e rádios, além de outras publicações impressas e na internet. Um massacre.  Assim,  o  Grande Líder fora carimbado  de chefe de uma organização criminosa. Porém,  objetivo de impedir a sua reeleição,  não foi concretizado.  Ele se reelegeu, para o espanto de seus adversários.  A sua popularidade, embora arranhada, foi  suficiente para mantê-lo  na disputa  e vencer o pleito. Contudo em sua segunda gestão iria enfrentar uma crise econômica, que se espalhava pelo mundo. O Grande Líder conseguiu contornar os obstáculos, sua popularidade aumentou. Terminado o mandato, com alta popularidade, elege a sucessora.

     Aproximava-se o dia e a hora da entrada em ação do agente Mauro. A sucessora, para desespero dos adversários consegue terminar o mandato. Apesar das dificuldades, ela se reelege. Os adversários decidem mudar a estratégia: impedi-la de governar. Seu principal adversário, Aécio Never, adverte, depois de ser negada a recontagem de votos: "Vamos obstruir todos os trabalhos até o país quebrar. Aí reergueremos o país que nós queremos. Sem o Poder Legislativo nenhum governo se sustenta". O Agente Mauro, nestas alturas encontraria dificuldades em concluir sua tarefa.  Várias viagens clandestinas ao parceiro do Norte, foram feitas. Com seu inglês precário, fora alvo de chacota de agentes estrangeiros. Chamavam-no de idiota, incompetente.  Mas era exatamente desse tipo de agente, manipulável, que o Império do Norte queria. Bebidas finas e mulheres esplendorosas estavam à sua disposição e Mauro se fartava, em êxtase.


Imagem: Estado de Minas

     - Foi acidente aéreo que levou a morte do Juiz do Supremo? Acidente mesmo?

     - Quem é o dono da meia tonelada de cocaína apreendida no helicóptero do deputado? 

     - O que se transporta  nos aeroportos construídos nas terras da família Never?


Imagem: Google

     As máfias existem e se espalham pelo mundo. A grande mídia mantinha-se num silêncio sepulcral. Vez ou outra, para manter a aparência de imparcialidade, noticiava, sem o destaque  que dava ao suposto envolvimento do Grande Líder nos escândalos de corrupção. O fato é que a morte do Juiz caiu no esquecimento,  assim como a meia tonelada de pasta de cocaína, sempre abafada por matérias intermináveis e requentadas sobre o Grande Líder.

     - Tudo se transforma em máfia, não só aqui, meu caro Mauro - dizia DD, o principal auxiliar do agente -,  mas pelo mundo. Não sabemos quem está no comando. Cuidemos de nossas pescoços.

     - Fique tranquilo, Dag, somos pivô do grupo de combatentes. Eu sou o comandante. 

     - Não sei, não sei mesmo. Tenho cá minhas dúvidas - retrucou o comparsa, com as mãos sobre a bíblia. Jesus é o nosso comandante. 


O Agente Mauro e a República de Juritiba


Imagem: Google


     Medidas de segurança eram tomadas, quando o agente retornava do Império Norte. Só seria notícia na  Rede de Maior Audiência, depois de devidamente instalado, e com o processo contra o Nine na pauta. Mas para destruí-lo, o agente tivera de agir contra alguns graúdos empreiteiros e outras empresas poderosas. Precisava construir pontes, narrativas, que levasse  ao chefe, que parecia uma muralha intransponível. Essas pontes, ou garras, produziria uma reação feroz, pois esses adversários, poderosos,  não iriam para a masmorra, como cordeiros. A vida do agente estava sob ameaça. Marcel Debrech, um poderoso herdeiro de um grupo empresarial fora preso em uma operação cinematográfica. O que levou a uma reação em cadeia, obrigando Mauro a autorizar novas prisões, com delações premiadas, forçadas.  Ancorado na mídia empresarial, para a qual vazava as informações, o herói ganhava a simpatia do povo, que acreditava ser necessário combater a corrupção instalada na estatal petroleira e no país. O poderoso empresário, por meio de seus auxiliares, também se movimentava.

     DD, fiel escudeiro do agente, agia no meio evangélico, com o apoio de líderes fundamentalistas. O Procurador Geral da República , dava o suporte jurássico necessário, engavetando processos. Tudo com aparência de legalidade. DD aproveitava a fama, dando palestras e se enriquecendo. 

     O Agente Mauro estava no auge da popularidade, que suplantava o antigo Caçador de Marajás e o Juiz JB.  Máscaras com o seu rosto eram vendidas em bancas de revistas.  Mauro era o novo símbolo de combatente da corrupção. Os dias do Grande Líder ser preso se aproximava.  Sua casa fora revirada de ponta a ponta. Uma devassa. A notícia de que era dono, ilegalmente, de um apartamento e de um sítio era repetida, não só pela Líder de Audiência, mas por toda mídia corporativa.  Uns pedalinhos eram a prova de corrupção.  O que JB fizera na AP470, prendendo supostos mensaleiros, à partir da delação não premiada de Roberto J, sedimentara um sentimento contra o partido do Grande Líder, ou Nine, como dizia Mauro e DD.

     Enfim, o Agente Mauro determinou a prisão do Grande Líder, que não se entregou de imediato.  O que viria acontecer depois de várias "negociações" com a PF, no Sindicato.  Parte da base do ex-presidente queria resistir à prisão, no que ele não concordou. E a prisão se concretizou. Um corredor humano se formou para a passagem do Grande Líder, que viria a passar quinhentos e oitenta dias preso. É nesse ínterim, que a fama do Juiz começa a se desmoronar. Ganha contornos a sua parcialidade. Durante a sua permanência na prisão, um acampamento se instala frente à masmorra de Juritiba.

     O ex-presidente, finalmente, sai da  prisão decretada por um juiz parcial. É o início do processo de desmoralização de um sistema de justiça, que se tornou conhecido, à partir da República de Juritiba, como lava rápido, que tinha objetivos políticos implícitos.  A  Líder de Audiência era seu luxuoso  suporte de marketing. 

     Apesar de mentira voar, a verdade, mesmo de pernas mancas,  prevaleceu.  O feitiço virou contra o feiticeiro, como diz o dito popular.  A mentira pavimentou o caminho, que levou à presidência, um candidato a tirano.  A verdade levou o Grande Líder à presidência. E o juiz parcial e ex-ministro da justiça, que almejava a presidência, à beira da cassação do mandato de Senador. 

     Ninguém escapa da História. 




     


segunda-feira, 16 de outubro de 2023

como plantar melão


Imagem: CPT





se a semente não morre
                    não germina
o plantio não prospera
há vida depois da morte
                                  acredite
necessário molhar 
com precioso líquido

a delicadeza do tato
fruto saudável
futuro promissor
feito com amor


J Estanislau Filho

Imagem: o autor e o neto


sexta-feira, 13 de outubro de 2023

A luta pela vida




Imagem: Google


A luta principal  de todos os seres pela preservação da vida é por comida. É preciso alimentar a si  e a prole. É assim com os humanos e não humanos, na terra, na água e no ar.

     E se a comida é pouca, a luta pode ser mortal.  Fauna e flora saciados, o movimento flui de acordo com a natureza. Com os humanos é diferente.  Não se satisfazem só com comida. Outros desejos se manifestam. Humanos usam a inteligência para alcançar outros objetivos, com métodos científicos e empíricos. Assim descobriu o fogo; inventou a roda; foi a lua; debelou doenças com a descoberta de medicamentos; inventou a internet; as redes sociais; os algoritmos e  a inteligência artificial. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos, ainda não conseguiu acabar com  a fome. Não por causa de a comida ser pouca. A produção de alimento é farta. Então, por quê falta comida no estômago de milhões de humanos?

     Voltemos a fauna. Não há calmaria, também,  entre os não humanos. Para se manterem vivos, estão sempre atentos. O sapo precisa ficar esperto, para não ir pro estômago da cobra;  o passarinho precisa escolher um lugar seguro, pra escapar da coruja; até o leão, rei da selva, não pode se distrair ao beber água, pois o jacaré pode levá-lo pro fundo do lago. As armas dos não humanos, na luta pela vida,  são suas garras, seus dentes. Não matam para ver o tombo. As armas dos humanos são mísseis, metralhadoras, fuzis,  granadas, porta-aviões, navios de guerra, bombas, drones , inteligência artificial e outras. Naturalmente, que tudo isso não é apenas por comida, certo?  

Imagem: Google

     Ora, ora, diria João Batista, fome de poder, de dominação, dinheiro! E você, tem fome de quê, pergunta  João. Cada um terá uma resposta. Mas com certeza, sem comida não se vive. Água também, retruca  Batista. 

     A essência do sistema capitalista é de acumulação e concentração de riqueza. Com o neoliberalismo, etapa do capitalismo extremo. chegamos a um patamar em que um pequeno percentual de humanos  são donos de um grande percentual de bens materiais. Mas querem mais. Querem o controle da produção de alimentos. Já imaginaram a situação?  Não fossem os pequenos produtores, a agricultura familiar, estaríamos no pau da goiabeira. Como o projeto é de concentração de riqueza, os pequenos produtores são alvos de ataques. É preciso eliminar concorrentes. Como assim, cara pálida? Ora, ora, repetiria João Batista, controlando a distribuição de  grãos, as maravilhosas sementes. Isso está acontecendo.  E a comida na mesa e nos estômagos vai se tornando de difícil acesso. É preciso garantir o lucro do agro é pop.  O pobre, em tempos de escassez, inclusive de trabalho remunerado, fica dependente de programas sociais dos governos comprometidos com a inclusão. Nem todo governante governa pensando nos excluídos. Ao contrário.  Espera aí, retruca João, para aumentar  a produção  e o lucro, precisa de mais terras e de água. Exatamente, João, uma coisa puxa a outra. Por  lucro rápido, vale tudo: desmatamento, privatização, negociata com congressistas e demais entreguistas, alianças com milicianos, com o garimpo ilegal e o mais nefasto: assassinatos. E guerras. Um momento, interrompe João, não acha que perdemos o foco? Falávamos da fome! Pois é, extrapolamos, porque um assunto leva a outro, os humanos do alto da pirâmide não desejam controlar apenas a produção de alimentos. Querem controlar, inclusive, o pensamento. A comida, bem, quem puder, que compre, pois no sistema neoliberal, tudo é commodities , em outras palavras, mercadoria. Quer vender a sua alma, João?


Imagem: Google

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

O Cafezinho


Imagem: Google

Leio a reclamação de um repórter irritado que precisava falar com um delegado e lhe disseram que o homem havia ido tomar um cafezinho. Ele esperou longamente, e chegou à conclusão de que o funcionário passou o dia inteiro tomando café.

Tinha razão o rapaz de ficar zangado. Mas com um pouco de imaginação e bom humor podemos pensar que uma das delícias do gênio carioca é exatamente esta frase:

- Ele foi tomar café.

A vida é triste e complicada. Diariamente é preciso falar com um número excessivo de pessoas. O remédio é ir tomar um "cafezinho". Para quem espera nervosamente, esse "cafezinho" é qualquer coisa infinita e torturante.

Depois de esperar duas ou três horas dá vontade de dizer:

- Bem cavaleiro, eu me retiro. Naturalmente o Sr. Bonifácio morreu afogado no cafezinho.

Ah, sim, mergulhemos de corpo e alma no cafezinho. Sim, deixemos em todos os lugares este recado simples e vago:

- Ele saiu para tomar um café e disse que volta já.

Quando a Bem-amada vier com seus olhos tristes e perguntar:

- Ele está?

- alguém dará o nosso recado sem endereço.

Quando vier o amigo e quando vier o credor, e quando vier o parente, e quando vier a tristeza, e quando a morte vier, o recado será o mesmo:

- Ele disse que ia tomar um cafezinho...

Podemos, ainda, deixar o chapéu. Devemos até comprar um chapéu especialmente para deixá-lo. Assim dirão:

- Ele foi tomar um café. Com certeza volta logo. O chapéu dele está aí...

Ah! fujamos assim, sem drama, sem tristeza, fujamos assim. A vida é complicada demais. Gastamos muito pensamento, muito sentimento, muita palavra. O melhor é não estar.

Quando vier a grande hora de nosso destino nós teremos saído há uns cinco minutos para tomar um café. Vamos, vamos tomar um cafezinho.


Rubem Braga



Imagem: Google


domingo, 1 de outubro de 2023

Dois poemas sobre ruptura amorosa


Imagem: Google


TENTEI


Tentei fazê-la entender que o amor...


Morre quando a chama apaga!
Pela luz que me ilumina,
Esse ser agora me abomina,
Vive a me jogar praga!


Tentei dizer como disse o poeta...


“O coração tem razão que a razão desconhece”
Que um raio caia sobre mim,
Se as juras de amor sem fim,
Sobrevive ao coração que fenece!


Tentei, ah como tentei ser transparente...


Foi de todas as maneiras!
Até disse em letras garrafais:
- Eu não te amo mais!
Vai destilar ódio a vida inteira,
Nesse amor que ficou para trás!


Imagem: Jefil



CARTA DE ALFORRIA


Não sou escravo da lascívia de qualquer  pessoa.
Múltiplo ser na multidão ecoa.
Não sou depósito
De expectativas alheias,
Muito menos de propósitos espúrios.
Não me prendo a horários.
Não sou canário em gaiola.
Não tenho argolas
Nos pés, a leveza do vento.
Tenho na boca a rosa do povo.
No coração o luar atento,
Coberto da cabeça aos pés pelo brilho do sol,
Ainda que chova.


J Estanislau Filho

Os dois poemas integram o livro Estrelas