domingo, 29 de novembro de 2020

Contando Estrelas


Imagem: Google


Noite passada contei estrelas.
Verrugas não nasceram.
Minha mãe, Dona Bela,
Teria me iludido?
Agora, depois de velho, ancião,
Descubro o que me fora escondido,
Tinha uma intensão,
Um objetivo:
Não importunar a Criação!

Eis que me vem a lembrança
Uma outra situação:
Minha mãe dizia que lá na lua,
A figura que eu via
Era São Jorge num cavalo,
Lutando com um dragão.

Hoje sei que são crateras,
Como as que ficaram em mim
Quando minha mãe partiu pra outra esfera

Imagem: minha mãe


J Estanislau Filho


No prelo: A Construção da Estrada de Ferro





 

sábado, 28 de novembro de 2020

BRASIL

Imagem: Blog do Dr. Ozires Silva


O cidadão se apresenta:
Muito prazer, então você é o Brasil!
Engraçado, olho o mapa, observo...
Brasil, interessante!
Quer dizer, então, que você é o Brasil?
Mas, o que é o Brasil? O que significa?
Terras, matas, rios, litoral, minérios, montanhas?
E quem são estas pessoas que pisam este solo?
Que derrubam matas, poluem os rios e o ar!
Cortam montanhas, constroem edifícios e abrem túneis!
E quem são estas pessoas que cavoucam este chão?
Brasil quer dizer o quê? Nomes não dizem nada.
Poderia ser Sucupira, Jacarandá...
Então não seríamos brasileiros, mas jacarandeiros...
Mudaria alguma coisa?
Eu, reles cidadão me sentiria mais orgulhoso?
Quero que saiba, ô Brasil, que para mim não faz a menor diferença,
qualquer nome daria no mesmo.
O que sei é que sou um cidadão!
E ando desapontado...
Não com você, Brasil, Sucupira, Jacarandá, Jequitibá.
Montanhas, rios, florestas, não desapontam ninguém.
No começo até pensei que fosse com você o meu desapontamento.
E tive vontade de sair de você.
ir para outro Brasil: China, Albânia, Portugal...
Não é que os brasileiros descobriram Portugal!?
Ir pra cochinchina, pros quintos.
Até descobrir que você não tinha nada com isso.
É como se alguém usasse uma sandália e depois a jogasse fora, pois
não tinha mais serventia.
Descobri, então, que o meu desapontamento era com os homens, pois são eles que destroem.
Só não vão jogá-lo fora feito sandália surrada, porque não se joga fora este mundão de terra, rios, montanhas...
Primeiro eles poluem, abrem buracos por tudo é quanto é lado, derrubam as matas, matam os pássaros, devastam tudo, para saciar a fome de lucro imediato, por causa do vil metal.
E vão embora, deixando atrás de si a destruição.
Mas, nós, brasileiros, jacarandeiros ou sucupirenses, ficaremos, para cuidar carinhosamente este chão.
Dar-lhe remédio.
Amá-lo.


J Estanislau Filho


Contagem, 03 de novembro de 1989

O Comedor de Livros, meu terceiro livro semi-artesanal - 1991


Em 2021 A Construção da Estrada de Ferro (Romance)


Imagem: jef Livros do autor


terça-feira, 24 de novembro de 2020

O futuro é a morte

Imagem: Google
 

Deixando a utopia de lado
Abandonando os sonhos
Encarando a realidade dos fatos
O futuro é a morte

Mesmo levando vida plena
Não participando de guerras
E tendo um salário justo

Com muito dinheiro no banco
Dono de muitas terras
Sem um trocado no bolso

E mesmo que você lute
E mesmo que você chore
Isto você não muda

E mesmo que você grite
E mesmo que você cale
Disso você não foge
O futuro é a morte

Nem a crença nos salva
A descrença não serve
Esta é a certeza que fica

Não adianta ser chique
Não adianta ser pobre
Não adianta ser negro

Não adianta ser branco
Não adianta ser feio
Não adianta ser belo

Você pode ser jovem
Você pode ser velho
Pode beber a água da fonte
O futuro é a morte

Pode ser metido a besta
Pode dançar um samba
O seu destino é o mesmo

Pode torcer pra qualquer time
Pode rezar pra qualquer santo
Pode acender mil velas

Você pode se fazer de bobo
Nem mesmo cometer uma falha
E pode mostrar-se forte

E mesmo com sorriso meigo
E mesmo com sorriso fútil
Ou mesmo de boca torta
O futuro é a morte

E se você cometer crimes
Se você fugir da briga
Sua vida está por um fio


Você pode mudar o mundo
Você pode mudar de vida
Pode ainda fazer versos

Você pode proteger a flora
Pode aprisionar a fauna
E pode incendiar as matas

Mesmo não expondo a pele
Ou se escondendo em casa
Ainda que debaixo da cama
O futuro é a morte

Você pode subir os montes
Aos céus elevar uma prece
Você pode tornar-se crente

E mesmo que você peça
Mesmo que você xingue
Ou se desmilingui toda

Você pode ser livre
E ter muita sorte
Nisso você está presa

Mesmo que você tente
Ou que fique sobre o muro
Mesmo que fuja pra Cuba
O futuro é a morte

Você pode tremer de medo
Pode desafiar as crenças
Pode escapar das pragas

Não adianta buscar a cura
Não adianta jogar os dados
Pois isto vale para todos

Você pode jogar limpo
Também pode jogar sujo
Não adianta burlar as normas

E mesmo fazendo rimas
E mesmo escrevendo livros
Disso você não se livra
O futuro é a morte.

J Estanislau Filho


Imagem: Google

sábado, 14 de novembro de 2020

A Construção da Estrada de Ferro


     Em 1975 ou em  1976 comecei a escrever A Construção da Estrada de Ferro. A ideia nasceu à partir do conto Ninguém Atravessa a Ponte, que escrevera um pouco antes. Passei muitas noites de fins de semana acordado nessa construção. E por vários motivos tive de interromper a escrita, engavetando os rascunhos. Em 1977, se não me falha a memória, li A Metamorfose de Franz Kafka. Impressionado, li tudo do autor tcheco. Isso me deu ânimo de retirar os rascunhos da gaveta e prosseguir. Mas logo em seguida, 1980, o desemprego me pegou e procurar uma nova colocação era prioridade. Só por volta do início de 1994 retirei de novo os rascunhos esmaecidos da gaveta.  Relia e reescrevia. Assim foram passando os dias, meses, anos. A história realmente se transformava numa novela, literalmente. E nessas idas e vindas à gaveta, chegou o ano de 2014 em que considerei a história encerrada.
     Entre uma interrupção e outra eu lia Gabriel Garcia Marques, José J Veiga, Murilo Rubião, Julio Cortázar, entre outros gênios do realismo fantástico e mágico.
    O rascunho, que desde 2009 está num pen-drive, foi novamente retomado, para uma releitura  em 2019. Nova revisão em 2020, que pretendo ser a última.
     Quando olho para trás, vejo que se passaram mais de quarenta anos.
     Planejo lançar em 2021.

J Estanislau Filho




 

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

comportamento

Imagem: Google


se deixássemos os peixes
livres nas águas
as aves nos ares
nos galhos das árvores
seríamos melhores

se deixássemos os povos originários
quietos em seus lugares
fôssemos mais solidários
com todos os seres
viveríamos melhores

Imagem: Google


fôssemos mais selva
e menos concreto
fôssemos mais relva
seríamos melhores de fato
e a terra estaria salva


J Estanislau Filho

Imagem: Google


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Abstração

Ilustração: berzé
 


Não sei porque tudo está tão confuso, não sei,
Foi na roça que eu me criei,
Lá não tinha lâmpada elétrica,
Não tinha televisão e o meio de transporte era o cavalo,
a charrete, o carro-de-boi
E eu era feliz.
Não tinha geladeira,
O assento era um banco de madeira e
A escola, coitada, uma casinha tão pequena com
vaga para todos,
Não havia fábricas, o ar era puro,
As águas eram cristalinas
e os peixes nadavam.
As crianças brincavam
os adultos riam.
O teatro era simples
Os atores não usavam máscaras,
Aliás, não havia teatros, ninguém representava.
Não tinha cinema
e Carlitos existia dentro de todos.
Eu era feliz!
Não conhecia Bethoven Mozar, Straus
e a música era linda
os pássaros cantavam.
O rio, com seu curso natural
Passava pelos campos
saciava a sede de todos
e os peixes nadavam.
Os moinhos moviam,
Não conhecia óperas, concertos, ballet’s
E vivia feliz.
À tarde ia ver o sol se por
e o sol ia sumindo...
E eu não sabia que um dia ia sumir,
Não sabia das boêmias
Das noites perdidas.
Cavalgava pelos campos...
O cavalo corria e o cachorro Negrito corria atrás,
O boi Cascudo era traiçoeiro,
Um dia acertou-me uma chifrada no traseiro,
Os pássaros cantavam
os pássaros existiam!
e o espaço era livre.
Às vezes ia ver o João-de-Barro construir o seu ninho,
Ou ver as abelhas colher o néctar das flores,
Ou apreciar o trabalho das formigas e ajudá-las.
Eu corria
Gritava
Saltava
O córrego
Subia nas árvores
havia árvores!
Subia no abacateiro,
Colhia morangos,
Olhava as borboletas de asas pretas
Azul e anil,
Entrava no atoleiro,
Rolava na grama.
Era um moleque travesso,
Na hora do almoço
Corria afoito
Queria comer
Arroz com feijão
havia arroz, havia feijão!
A carne de frango ou a taioba,
A farofa,
O torresmo
Que comia a esmo,
Sem mastigar
E não sabia que um dia ia comer comida enlatada!
Era gostoso o cafezinho com biscoitos,
A pamonha,
O cuscuz,
A comida sobrava nos pratos,
Não sabia que nas calçadas,
Mãos levantadas pediam uma esmola,
para comprar um pedaço de pão!
Vejo a doença espalhada pelas ruas da cidade,
Debaixo das marquises a fome e a doença são rotina,
Crianças vagueiam pelas ruas brincando
corrompendo,
Não regressam ao lar,
Lar não existe.
Os jornais comentam
Guerras assassinatos, seqüestros
e que uma menina de sete anos foi estuprada.
Que mataram Carlinhos!
O Embaixador disse: “mundo moderno, civilizado,
Ideologia”
O que será tecnologia?
Já não vejo a tranqüilidade nos campos,
oprogressoprocuraespaço.
Procuro o horizonte
Não existe horizonte
nem Belo Horizonte.
Está coberto
terrivelmente coberto,
substâncias tóxicas se multiplicam...
Sinto saudades do rio caudaloso,
ai, como é doloroso!
Saudade das águas cristalinas
onde os peixes nadavam.
Não há mais rios,
É preciso fugir, ele está contaminado
contaminando
assassinando.
Procuro a paisagem,
Não existe paisagem,
Foi demolida
Desenhada
Desdenhada
Procuro o verde,
Não existe verde.
As drogarias vendem clorofila
num pequeno frasco!
Pendurada na parede
Uma folha de concreto
verdinha verdinha
autografada.
Lá na rua um grito,
Um apito,
Uma avalanche de carros,
Um corpo caído
Um “Guie sem ódio”!
A sirene apita
precipitam sobre o corpo e o levam
Inerte,
Chegam ao hospital,
Preenchem a ficha,
Assinam três vias,
Esperam na fila,
Esperam uma vaga.
Não é mais preciso,
Está frio
Está morto
e tudo está certo
foi acidente
um incidente
um imprudente,
A medicina ainda não faz milagres!
Enquanto isso
A vida continua...
Debaixo da ponte
No meio da rua
Sob as águas da fonte (luminosa)
Em cima do muro
Nos cabarés
No caminho escuro
Nos cafés
Nas casas de choop
Nos velórios
Na contra-mão
No barulho do trânsito
Na abstração!


J Estanislau Filho

Poema escrito lá pelos idos de 1975. Hoje entendo que eu passava por um choque cultural, pois chegara à Belo Horizonte, vindo do interior e a metrópole mexeu com a minha percepção. 

domingo, 8 de novembro de 2020

Os flamboyants


 


Rubem Alves





   A manhã estava linda: céu azul, ventinho fresco. Infelizmente, muitas obrigações me aguardavam. Coisas que eu tinha de fazer. Aí, lembrei-me do menino-filósofo chamado Nietzsche que dizia que ficar em casa estudando, quando tudo é lindo lá fora, é uma evidência de estupidez. Mandei as obrigações às favas e fui caminhar na lagoa do Taquaral.
   Bem, não fui mesmo caminhar. Meu desejo não era médico, caminhar para combater o colesterol. Caminhar, para mim, é uma desculpa para ver, para cheirar, para ouvir... Caminho para levar meus sentidos a dar um passeio. Tanta coisa: os patos, os gansos, os eucaliptos, as libélulas, a brisa acarinhando a pele — os pensamentos esquecidos dos deveres. Sem pensar, porque, como disse Caeiro, "pensar é estar doente dos olhos". Aí, quando já me preparava para ir embora, já no carro, vejo um amigo. Paramos. Papeamos. Ele, com uma máquina fotográfica. Andava por lá, fotografando. Não tenho autorização para dizer o nome dele. Vou chamá-lo de Romeu, aquele que amava a Julieta. Me confidenciou: "Vou fazer uma surpresa para a Julieta. Ela adora os flamboyants. E eles estão maravilhosos. Vou fazer um álbum de fotografias de flamboyants para ela... Você não quer vir até a nossa casa para tomar um cafezinho?"
Fui. Mas ele me advertiu: "Não diga nada para ela. É surpresa..." Esta história tem sua continuação um pouco abaixo. Recomeço em outro lugar.
   As crianças da 3ª série do Parthenon, escola linda, me convidaram para uma visita. Elas tinham estado fazendo um trabalho sobre um livrinho que escrevi, O Gambá Que Não Sabia Sorrir. Queriam me mostrar. Foi uma gostosura. É uma felicidade sentir-se amado pelas crianças. Eu me senti feliz. Aí aconteceu uma coisa que não estava no programa. Uma menininha, na hora das perguntas, disse que ela havia lido a minha crônica Se Eu Tiver Apenas Um Ano a Mais de Vida...
   Espantei-me ao saber que uma menina de nove anos lia minhas crônicas. Lia e gostava. Lia e entendia. Aí ela acrescentou: "Recortei a crônica e trouxe para a professora..." Confirmou-se aquilo de que eu sempre suspeitara: as crianças são mais sábias que os adultos. Porque o fato é que muitos adultos ficaram espantados e não quiseram brincar de fazer de contas que eles tinham apenas um ano a mais para viver. Ficaram com medo. Acharam mórbido.
   As crianças, inconscientemente, sabem que a vida é coisa muito frágil, feito uma bolha de sabão. Minha filha Raquel tinha apenas dois anos. Eram seis horas da manhã. Eu estava dormindo. Ela saiu da caminha dela e veio me acordar. Veio me acordar porque ela estava lutando com uma idéia que a fazia sofrer. Sacudiu-me, eu acordei, sorri para ela, e ela me disse: "Papai, quando você morrer você vai sentir saudades?" Eu fiquei pasmo, sem saber o que dizer. Mas aí ela me salvou: "Não chore porque eu vou abraçar você..."
   As crianças sabem que a vida é marcada por perdas. As pessoas morrem, partem. Partindo, devem sentir saudades — porque a vida é tão boa! Por isso, o que nos resta fazer é abraçar o que amamos enquanto a bolha não estoura.
   Os adultos não sabem disso porque foram educados. Um dos objetivos da educação é fazer-nos esquecer da morte. Você conhece alguma escola em que se fale sobre a morte com os alunos? É preciso esquecer da morte para levar a sério os deveres. Esquecidos da morte, a bolha de sabão vira esfera de aço. Inconscientes da morte aceitamos como naturais as cargas de repressão, sofrimento e frustração que a realidade social nos impõe. Quem sabe que a vida é bolha de sabão passa a desconfiar dos deveres... E, como disse Walt Whitmann, "quem anda duzentos metros sem vontade, anda seguindo o próprio funeral, vestindo a própria mortalha".
   O pessoal da poesia está levando a sério a brincadeira. Eu mesmo já fiz vários cortes drásticos em compromissos que assumi. Eram esferas de aço. Transformei-os em bolhas de sabão e os estourei. Pois o pessoal da poesia decidiu que, no programa de um ano de vida apenas, num dos nossos encontros não haveria leitura de poesia: haveria brinquedos e brincadeiras. Cada um trataria de desenterrar os brinquedos que os deveres haviam enterrado.
   Obedeci. Abri o meu baú de brinquedos. Piões, corrupios, bilboquês, iô-iôs e uma infinidade de outros brinquedos que não têm nome. Seria indigno que eu levasse piões e não soubesse rodá-los. Peguei um pião e uma fieira e fui praticar. Estava rodando o pião no meu jardim quando um cliente chegou. Olhou-me espantado. Ele não imaginava que psicanalistas rodassem piões. Psicanalista é pessoa séria, ser do dever. Pião é coisa de criança, ser do prazer.
   Acho que meus colegas psicanalistas concordariam com meu paciente. A teoria diz que um cliente nada deve saber da vida do psicanalista. O psicanalista deve ser apenas um espaço vazio, tela onde o paciente projeta suas identificações. Mas a minha vocação é a heresia. Ando na direção contrária. "Você sabe rodar piões?", eu perguntei. Ele não sabia. Acho que ficou com inveja. A sessão de terapia foi sobre isso. E ele me disse que um dos seus maiores problemas era o medo do ridículo. Crianças são ridículas. Adultos não são ridículos. Aí conversamos sobre uma coisa sobre a qual eu nunca havia pensado: que, talvez, uma das funções da terapia seja fazer com que as pessoas não tenham medo das coisas que os "outros" definem como ridículo. Quem não tem medo do ridículo está livre do olhar dos outros.
   Preparei o encontro de poesia de um jeito diferente. Nada de sopas sofisticadas. Fui procurar macarrão de letrinha, coisa de criança. Não encontrei. Encontrei estrelinhas. Fiz sopa de estrelinhas. E toda festa de criança tem de ter cachorro-quente. Fiz molho de cachorro-quente. E nada de vinho. Criança não gosta de vinho. Gosta é de guaraná.
Foi uma alegria, todo mundo brincando: iô-iôs, piões, corrupios, bilboquês, quebra-cabeças, pererecas (aquelas bolas coloridas na ponta de um elástico)... Rimos a mais não poder. Todo mundo ficou leve. Aí tive uma idéia que muito me divertiu: que na sala de visitas das casas houvesse um baú de brinquedos. Quando a conversa fica chata, a gente abre o baú de brinquedos e faz o convite: "Não gostaria de brincar com corrupio?" E a gente começa a brincar com o corrupio e a rir. A visita fica pasma. Não entende. "Quem sabe, ao invés do corrupio, um bilboquê?" E a gente brinca com o bilboquê. Aí a gente estende o brinquedo para a visita e diz: "Por favor, nada de acanhamentos! Experimente. Você vai gostar..." São duas as possibilidades. Primeira: a visita brinca e gosta e dá risadas. Segunda: ela acha que somos ridículos e trata de se despedir para nunca mais voltar...
   Pois a Julieta — aquela do Romeu — me trouxe uma pipa de presente. Vou empinar a pipa em algum gramado da Unicamp. E aí ela nos contou da surpresa que lhe fizera o Romeu. Fotografias de flamboyants vermelhos — que coisa mais romântica! Árvores em chamas, incendiadas! Cada apaixonado é um flamboyant vermelho! E nos contou das coisas que o Romeu tivera que fazer para que ela não descobrisse o que ele estava preparando.
   Mas o mais bonito foi o que ele lhe disse, na entrega do presente. Não sei se foi isso mesmo que ele disse. Sei que foi mais ou menos assim: "Sabe, Julieta, aquela história de ter um ano apenas a mais para viver... Pensei que você gostava de flamboyants e que você ficaria feliz com um álbum de flamboyants. E concluí que, se eu tiver um ano apenas a mais para viver, o que quero é fazer as coisas que farão você feliz..."
Um ano apenas a mais para viver: aí os sentimentos se tornam puros. As palavras que devem ser ditas, devem ser ditas agora. Os atos que devem ser feitos, devem ser feitos agora. Quem acha que vai viver muito tempo fica deixando tudo para depois. A vida ainda não começou. Vai começar depois da construção da casa, depois da educação dos filhos, depois da segurança financeira, depois da aposentadoria...
   As flores dos flamboyants, dentro de poucos dias, terão caído. Assim é a vida. É preciso viver enquanto a chama do amor está queimando...





segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Fátima Bernardes

Imagem: Google

Quando a Fátima Bernardes saiu do Jornal Nacional, aplaudi. No meu modo de entender,  ela não combinava nem um pouco com o seu parceiro de bancada, Bonner. Creio que ela não se sentia confortável ao lado de ator-marido. Sim, Willian Bonner é um ator. Não sabia, que por detrás da decisão de Fátima, tinha uma desavença amorosa. Desconfiei que o seu desconforto seria de natureza ideológica, pois o JN, desde o seu nascimento, faz um jornalismo canalha. O Willian Bonner é o que melhor cumpriu o papel de canastrão. Me lembro bem de sua atuação no chamado mensalão do PT.  A música de fundo, o cenário com montanhas de dinheiro saindo do esgoto, seus gestos acompanhados de palavras raivosas. Enquanto o Bonner gritava espumando ódio, a Fátima mantinha os gestos comedidos. Não sabemos, talvez não saberemos nunca os reais motivos do afastamento de Fátima do Jornal Nacional.  A TV Globo, que teve sua concessão pública concedida pela ditadura militar de  1964, para defendê-la e desde sempre faz um jornalismo seletivo, golpista.

     Consumado o golpe que afastou uma presidenta honesta, a Globo e toda mídia empresarial se concentraram num massacre contra o ex-presidente Lula, até que novas, eleições foram realizadas e um extremista de direita alçado à presidência. E o Bonner troca de papel. Sai o indignado e raivoso, para dar lugar ao bom rapaz, de voz suave, quase inaudível, sobre os eventos do novo governo. Um expectador atento observa a mudança.  O objetivo foi cumprido, não faz mais sentido a postura de ódio. Afinal o Jornal Nacional cumpriu o seu papel golpista, tem um governo que atende aos interesses da Globo e do sistema financeiro. Bolsonaro faz as patacoadas, para distrair a manada; Guedes vai privatizando tudo; Ricardo Sales abre a porteira pra boiada passar e o agro é pop a nos intoxicar, inclusive com fumaça.

     Mas e a Fátima Bernardes, título desta crônica, o que a levou a sair do JN? Você minha cara leitora, meu amigo leitor, tem um palpite?


J Estanislau Filho


Imagem: Google