quarta-feira, 17 de abril de 2024

quem cala...



Imagem: Agência Espacial Brasileira


quem cala, consente,
diz o ditado…

será mesmo assim?
ou o interlocutor está ausente, 
talvez distraído 
com as maravilhosas nuvens, enfim,
não quer polemizar,
prefere contemplar 
as flores do jardim!


Imagem: Jefil


J Estanislau Filho

sexta-feira, 12 de abril de 2024

A metamorfose

 Luís Fernando Veríssimo


Imagem: Templo Cultural



Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e viu que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Não tinha mais antenas. Quis emitir um som de surpresa e sem querer deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu segundo pensamento foi: “Que horror… Preciso acabar com essas baratas…”


Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela seguia seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez uma espécie de manto com a cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa e encontrou um armário num quarto, e nele, roupa de baixo e um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita. Para uma ex-barata. Maquiou-se. Todas as baratas são iguais, mas as mulheres precisam realçar sua personalidade. Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia?… Tinha educação?…. Referências?… Conseguiu a muito custo um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras mal suspeitadas. Era uma boa faxineira.


Difícil era ser gente… Precisava comprar comida e o dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Conhecem-se, namoram, brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa e banho. Vandirene casou-se, teve filhos. Lutou muito, coitada. Filas no Instituto Nacional de Previdência Social. Pouco leite. O marido desempregado… Finalmente acertou na loteria. Quase quatro milhões! Entre as baratas ter ou não ter quatro milhões não faz diferença. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Mudou de bairro. Comprou casa. Passou a vestir bem, a comer bem, a cuidar onde põe o pronome. Subiu de classe. Contratou babás e entrou na Pontifícia Universidade Católica.


Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado em barata. Seu penúltimo pensamento humano foi: “Meu Deus!… A casa foi dedetizada há dois dias!…”. Seu último pensamento humano foi para seu dinheiro rendendo na financeira e que o safado do marido, seu herdeiro legal, o usaria. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu cinco minutos depois, mas foram os cinco minutos mais felizes de sua vida.


Kafka não significa nada para as baratas…


 


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“Luís Fernando Veríssimo nasceu em 1936, em Porto Alegre, e é filho do famoso escritor Erico Veríssimo (1905–1975). Teve parte de sua educação nos Estados Unidos, onde se tornou ótimo saxofonista. No Brasil, trabalhou como redator, tradutor e jornalista até depois de sua carreira como escritor decolar. Ele escreveu dezenas de contos, crônicas, romances e novelas, além de ser cartunista. O autor é conhecido por seu humor e sua ironia ao fazer críticas sociais e é muito estudado e homenageado na atualidade”. (Mundo Educação)


quarta-feira, 3 de abril de 2024

Brilho e outros poemas




Imagem: Jefil


 Brilho


O brilho da noite 
vem das estrelas 


O da boca 
vem da fala


O da alma 
vem do coração 

e se espalha na multidão 



o brilho que vem 
é o mesmo que vai 


o brilho do colo
vem da mãe e do pai 


o brilho do brilho 
vem da filha e do filho 

 e reverbera em gerações



 o brilho vem da floresta 
da natureza em festa 


do vento balançando as folhas
vem da chuva que molha


o brilho vem da lida
vem da poesia

o brilho vem dá vida 


Amo

amo a beleza 
que derrama 
a delicadeza 
de quem ama 


amo os ardis
o toque nos cabelos 
o balanço dos quadris 
o eriçar dos pelos 


amor que se manifesta 
na ausência de sexo
de quem não contesta
inocente amplexo


Haicais

Imagem: la


aquecimento
Inferno terrestre 
dia cinzento 


humanidade 
tanta perversidade _
fatalidade 


o lixo no chão 
ambiente ferido_
falta educação 


terra responde
uma bomba relógio_
a quem atende 


um luxo o fluxo 
de gente verdadeira _
da uva o cacho 

 

 Cirurgia


Formatação: Fernando Estanislau



obra de arte 
na pele o corte
o sangue dá cor à tela
agulha costura
a cura completa 

J Estanislau Filho