terça-feira, 27 de agosto de 2019

De volta ao futuro





Lá pelos idos de 2003/2004 Vilson, vizinho de chácara me informava sobre o que lia e via na internet. Eu era um analfabyte. A única coisa que sabia de computador era emitir documentos fiscais, pois este era o meu trabalho. Minhas informações vinham basicamente de jornais, revistas, rádios e tevês. O amigo me bombardeava com o que colhia nas redes sociais.
     Nossas chácaras eram cercadas por arame farpado, o que facilitava a comunicação. Me recordo o prazer que ele tinha ao me informar sobre Lulinha ser dono da FRIBOI. Não satisfeito, falava também que era sócio de fachada da OI, para blindar o pai, Presidente da República. Não polemizei, apenas respondi que duvidava, pois conhecia bastante a trajetória de Luis Inácio Lula da Silva. Falávamos também de futebol, religião e, principalmente de plantas, adubos e de como cuidar de nossas chácaras. Tínhamos um carinho especial pelos pés de pequis. Eu cuidava de oito e de uma pequena mata.


   Vilson era um bom vizinho. Num acordo tácito e solidário, cuidávamos do nosso espaço, sempre que para lá eu ia, observava se sua pequena propriedade não fora arrombada; o mesmo ele fazia em relação a minha. Algumas vezes degustávamos um churrasco, irrigado por cerveja.
    N'outra ocasião ele me contou que Lulinha adquirira um castelo e uma Ferrari de Ouro. Então eu perguntei se ele confiava nestas notícias e em suas fontes. Respondeu-me, convicto, que sim. Que Lula era um tremendo corrupto. Eu não sabia contrapor. Vai que era verdade. Comecei a ter dúvida da honestidade do nosso presidente. Não me lembro se a Globo e outras emissoras repercutiam as denúncias que Vilson me passava. Procurei alguns companheiros que militavam em movimentos sociais e no PT, para saber sobre as denúncias do meu vizinho. Riram de minha ingenuidade.
    Ao final de 2005 e início de 2006 estoura o chamado escândalo do mensalão. Joaquim Barbosa é saudado pela mídia como herói. Sob a liderança da Globo o bombardeio foi diário: Correios, Roberto Jefferson... E eu, obviamente continuava em dúvida sobre FRIBOI, OI, Ferrari de Ouro, castelo, etc. 2006 foi um ano emblemático. No mês de julho, Lula e outros registram suas candidaturas à presidência. Pesquisas dão vantagens a Lula.  Mesmo sob forte bombardeio, o então presidente se reelege. E a vida segue seu curso.



     Em 2010 parecia que a direita venceria as eleições, pois Lula, apesar  de seus 87% de aprovação, não podia disputar um terceiro mandado. Dilma, considerada um poste pela oposição se elege.
     Eis que chega 2013, o ano das jornadas de junho em que MBL, Vem pra Rua, MPL, black blocs, palhaços, anonymous, com espírito de guerrilhas, tomaram as ruas das principais metrópoles do Brasil e das redes sociais...
     Foi neste período, um pouco familiarizado com a internet me lembrei de Vilson e o que ele me dizia sobre Lulinha, ferrari de ouro, castelo, friboi, etc. Tudo isso era o que conhecemos hoje por fake news. Confesso que também cai na armadilha, compartilhando algumas. Em junho de 2013 o ódio tomou conta das ruas: "Não vai ter Copa" era um dos slogans. Mas em 2014 teve copa e o Brasil tomou de 7 x 1 da Alemanha. Vexame. Dilma se reelegeu, mas não pode governar. Aécio não se conforma. Impeachment sem crime de responsabilidade. Eduardo Cunha. O clima era tenso.
      Até a ficha cair e perceber que havia forças não tão ocultas, por trás, com seus interesses.  À partir de determinado momento "não é pelos 20 centavos" ou "Não vai ter Copa". E sim por causa do pré-sal e dos demais recursos naturais. Neste contexto podemos compreender a campanha do ódio e do golpe de 2016... A prisão do LulaLadrão, Lularápio e da PTralhada. A grande mídia em conluio com o mercado financeiro e indústria elegem um novo herói: Sergio Moro e os combatentes da corrupção da Lava Jato. Joaquim Barbosa no ostracismo. Provavelmente desfrutando o seu apartamento em Miami. Assim como Barbosa, Moro ganha da Globo o prêmio Faz a Diferença.
     A História em tempos de internet caminha mais rápida. Foi o tempo em que os fatos só eram revelados cinquenta ou cem anos depois. O Intercept está aí, soltando a conta gotas as ilegalidades praticadas por juízes e procuradores. Quem tiver interesse de saber a verdade, pesquise. Não precisamos mais ficar refém da manipulação da Globo e de seus satélites, com seus fake news. De novo eu me lembro do amigo e o que diria a ele sobre FRIBOI, Ferrari de Ouro, Triplex, Atibaia.  A sua condenação sem provas e a perseguição midiática me trouxe a confiança de volta. Lula é um preso político.
     Bolsonaro é o ovo da serpente que eclodiu.



     O futuro nos foi roubado por uma mídia venal; por empresários gananciosos sonegadores de impostos; por congressistas vendidos e por uma justiça parcial, seletiva, mancomunada e assessorada pela CIA.
     Mesmo o mais sectário bolsominion e morominion sabe, hoje, que sem a prisão e interdição da candidatura de Lula, a direita não ganharia as eleições de 2018. Também sabe, que Moro, Dallagnol, entre outros nunca se preocuparam com a corrupção mas sim, com dinheiro e poder, assim como Collor nunca caçou marajás.
     Mas um sectário, qualquer sectário, dificilmente tira as vendas.












sábado, 24 de agosto de 2019

ser em si

                                                     Imagem: "O Pensador" de Rodin
posso ser brisa
              brasa
              efeito
              causa
              conceito
              confete
              fato.

posso ser coisa
              feito casa
              sem teto
              sem tato
              ser lousa
                   flerte
                   pausa

posse te ver em protesto

posso ser
ou não ser
pai e mãe
silêncio em vão
ser mão
voz em sermão

posso morrer de amor
pode ser que não

é a vida...

sou o que sou
sei que sei
nada

J Estanislau Filho




Poema do livro Estrelas - edição do autor - 2015 página 34
Editoração eletrônica: Fernando Estanislau


sexta-feira, 23 de agosto de 2019

falo de vidas


 Cava Amarela - Cel. Xavier Chaves - MG - Imagem: jef

Acampamento Lula Livre Imagem: Google


                                                              Imagem: Google



falo de vidas
de idas e vindas
de vendas nos olhos falo
na subida da Serra São José
falo de libélulas e cebolas
na Trilha da Cava Amarela
para ver jequitibá
falo de futebol
de política e religião
e de uma legião de anjos
elfos e duendes
ah falo de fadas e fados
da relva que se espalha
de fogo de palha
e de toalhas que enxugam a pele
falo demais de água
cachoeiras mares e rios de lágrimas
falo de cores e livros
dos escritos em suas páginas
falo de quem a terra lavra
falo de #LulaLivre
falo de palavras silenciadas
de presos e presas
de  campos de trigo
de quem constrói abrigos
e de quem destrói as matas
lógico que falo do falo
de bichos e gentes
falo de greves e grávidas
falo ludicamente de vidas...
falo de tudo
vez em quando falo
nada...

J Estanislau Filho


terça-feira, 20 de agosto de 2019

hortênsia

                                                                     Imagem: jef



sabe hortênsia
não me ensinaram
amar flores na infância.

só se falavam dos frutos
e de seus sabores
por isso os meus saberes
foram orientados para o pão nosso de cada dia.

mas como não perceber a beleza
que a natureza oferta?
ao vê-la esplendorosa
meu coração entrou e festa.

mas bem antes amara rosas
cravinas begônias azaleias
e para se ter uma ideia
amara amarílis buganvílias
e tantas outras maravilhas.

tu eu enxergara mais tarde
quando viestes com tuas vestes
que me prenderam a respiração.

J Estanislau Filho

sábado, 10 de agosto de 2019

O jogo combinado da Lava Jato com a mídia









por Laurindo Lalo Leal Filho

Ao publicarem as conversas entre juiz e procuradores envolvidos na chamada operação Lava Jato, os meios de comunicação fizeram questão de atestar a sua autenticidade. Para isso se valeram do reconhecimento de que havia, entre as mensagens reveladas, contatos entre os jornalistas e as autoridades de Curitiba, todas corretas, sem qualquer sinal de manipulação. 

Essa constatação derruba as tentativas daqueles que foram flagrados em comportamentos escusos de desqualificar a autenticidade do que foi revelado. Um ponto, sem dúvida, positivo. Por outro lado, no entanto, mostra também um relacionamento assíduo entre jornalistas e lavajatistas que necessita ser avaliado com maior cuidado.

Ao que tudo indica, pelo que se conhece desses cinco anos de Lava Jato, as versões de seus integrantes sobre operações policiais, depoimentos de réus e testemunhas, delações premiadas, condenações e prisões nunca receberam da mídia um olhar mais crítico. Preponderavam as versões das fontes responsáveis pela condução dos trabalhos. Em muitos momentos a mídia se comportava como se fosse simples porta voz da Lava Jato, ou sua assessoria de imprensa. O “outro lado” quando existia, não passava, na maioria das vezes, de um expediente burocrático. 

A formação de uma organização composta de juízes de primeira e segunda instância, ministros do Supremo Tribunal Federal e integrantes do Ministério Público voltada para fins políticos passou longe das lentes jornalísticas. Foi preciso a ação de um veículo do que podemos chamar de “nova mídia” para colocar uma luz sobre aqueles fatos. 

Os repórteres dos meios tradicionais que falavam com os membros da organização e os editores que transformavam as declarações deles em manchetes de primeira página ou em longos e detalhados informes na TV não perceberam que, do ponto de vista jornalístico, havia uma grande matéria na frente dos seus olhos? Ou não quiseram ver? Com isso sonegaram da sociedade brasileira informações decisivas que poderiam ter minimizado os efeitos deletérios impostos pela organização de Curitiba ao país. 

Mais uma vez ocorreu um apagão midiático rompido apenas quando o The Intercept Brasil entrou no jogo. A já combalida credibilidade dos meios tradicionais de comunicação agravou-se. Alguns, na ânsia da sobreviver, tentam se “reposicionar no mercado”, expressão cara aos adoradores do deus mercado. Para isso abrem espaço para as revelações do The Intercept Brasil, numa tentativa desesperada de resgatar um pouco da credibilidade perdida nos últimos anos, especialmente a partir dos governos Lula e Dilma.

As Organizações Globo, no entanto, continuam impermeáveis a esse processo, negando todas as evidências e esquecendo o jornalismo. Nem mesmo a autenticidade das mensagens comprovadas pelos seus concorrentes as comovem. Jogam um jogo perigoso, apostando especialmente na liderança do seu noticiário televisivo. Resta saber até quando será possível manter-se tão distante da realidade, fazendo da informação ficção.

Estas são as evidências mais recentes de um processo histórico do qual a mídia tornou-se, ao longo do tempo, um agente estrutural. Sem ela, a operação não alcançaria tão alto grau de popularidade e apoio, obscurecendo o fato de ter sido parte, talvez a mais importante, do projeto de destruição da soberania nacional brasileira.

Tornou-se inconcebível para os Estados Unidos, a potência econômica ocidental, ter em sua esfera de controle geopolítico um país que não se se submeta aos seus interesses estratégicos globais. Vizinhos incômodos não são aceitos e o Brasil era um deles. 

Numa versão contemporânea das tradicionais ocupações militares do século 20 na América Latina, até então o mecanismo de controle usado com frequência, construiu-se uma nova forma de ataque às soberanias nacionais combinando ações políticas, jurídicas e culturais, com forte sustentação midiática. É o que alguns pesquisadores chamam de “guerra híbrida”. 

Nela os meios de comunicação tornam-se estruturais. São eles que proporcionam a adesão interna da população dos países-alvo dos projetos de dominação externa. Políticas de corte neoliberal, elaboradas em laboratórios acadêmicos e políticos situados nos países centrais do capitalismo, são implementadas na periferia do sistema e recebem o apoio de setores da sociedade que são por elas altamente prejudicados. O caso da destruição da Previdência Social é o mais recente e trágico exemplo no Brasil.

Para o plano dar certo é necessário criar um inimigo a ser combatido para o bem geral de todos e jogar contra ele as forças de pressão necessárias para enfrentá-lo. Em tempos anteriores, o inimigo simbólico escolhido para justificar os ataques era formado pela combinação dos fantasmas representados pela corrupção e pelo comunismo. Com o fim da União Soviética e o desmantelamento do campo socialista o segundo argumento perdeu o sentido. 

Foi preciso, para compensar essa perda, fazer crescer o argumento que sobrou. A corrupção foi alçada ao posto de inimigo público número um dos povos latino-americanos. Mas isso era insuficiente para os objetivos do projeto político. Era necessário associar a corrupção aos grupos sociais que davam sustentação aos governos populares. Esses eram os alvos finais de toda a operação. 

O fantasma do comunismo do século 20 foi substituído, no caso brasileiro, pelo petismo. Desde a chegada do partido ao poder, em 2003, as operações para desgastá-lo foram intensas, começando com o chamado “mensalão”, termo de forte apelo midiático. A Folha de S. Paulo chegou a criar uma marca para identificar com essa palavra as páginas onde matérias sobre o assunto eram publicadas. Não fosse a popularidade do presidente Lula e o início da implantação de políticas públicas de forte caráter social o golpe teria sido muito mais prematuro. 

A novidade das ações golpistas do século 21 em relação às anteriores está no papel protagonista do Judiciário. Sua relação com a mídia nunca havia sido tão intensa. O momento crucial dessa aproximação foi a presença do juiz de primeira instância Sergio Moro à frente do processo que ficou conhecido como Lava Jato. Em artigo acadêmico publicado em 2004 ele faz referências positivas à operação Manni Pulite, da Itália, ressaltando os vazamentos imediatos de delações aos jornais e revistas, procedimento que ele seguiria à risca aqui no Brasil. Destaca também a necessidade do apoio da opinião pública à operação, obtido através da mídia, para intimidar possíveis investigados.

Os meios de comunicação no Brasil curvaram-se sem pestanejar às pretensões do juiz. Deixaram de lado o jornalismo para embarcar numa cruzada moralista com consequências trágicas para sua reputação e credibilidade. Resta saber se a guinada atual de alguns desses meios, associando-se às revelações do The Intercept Brasil, será suficiente para resgatar o respeito e a confiança fortemente abalados.



Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor aposentado de Jornalismo da ECA-USP. 



Fonte: https://jornalggn.com.br/artigos/o-jogo-combinado-da-lava-jato-com-a-midia-por-laurindo-lalo-leal-filho/amp/?

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

um novo tempo




um novo tempo forjado
em êxtase cravado
nas mentes e nos corações

corpo livre dos grilhões da moral vigente
não dar mais satisfações
a opressores patrões
nem cantar no coro dos descontentes

liberdade liberdade liberdade
abriu as asas sobre nós
um novo tempo de amar sem medo
sem o apego visceral

corpo livre como o vento
"que balança as folhas do coqueiro"
traz notícias que o ventre
finalmente está livre
do arqueiro estúpido esculpido

nenhuma forma de prisão
de ventre ou de abraços
mesmo os lábios colados
[olhos atentos]
não interditarão os movimentos do corpo
solto na terra
no espaço
na cama...

J Estanislau Filho


Do livro Estrelas - página 24 - edição do autor 2015


segunda-feira, 5 de agosto de 2019

O voo da liberdade ou a liberdade do voo





Creia, amor, não sei voar como os sábios sabiás,
que ao primeiro bater de asas
não abandonam suas casas
sem o consentimento dos pais

A liberdade começa ao romper a casca do ovo,
mas é necessário esperar crescer as penas

Venha voar sem medo
rumo ao fim do mundo se o mundo tiver fim
e ao começo de nós.
Voar é para quem sonha
com o coração e com os pés no chão.

Para voar é preciso ter razão,
que voar sem motivo
ou com asas de cera
pode ser nocivo.
Não alcançaremos as alturas,
nem os mistérios do gozo

Venha e eu lhe ensinarei a voar,
se me ensinar a amar sem medo.





J Estanislau Filho


Poema do livro Estrelas, página 22 - edição do autor - 2015



quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Pequeninos carvoeiros

Imagem: Google



Silencia minha alma, coração,
como faz o vento ao balançar as folhas de árvores centenárias,
levando sossego às raízes.

Quero o silêncio das aves migratórias,
quero a paz dos corações bondosos
e dos amantes reconciliados.

Silencia minha alma, coração,
as respostas não cairão do céu,
para perguntas inviáveis.

Deixa o barco seguir o curso do rio,
mas como dói ver crianças com olhinhos de fumaça,
rostinhos de carvão.



J Estanislau Filho


Imagem: Google