sábado, 28 de abril de 2018

O Pau do Lalado

                                                                      Imagem: jef

Consta nos anais da câmara, que o pau do Lalado, antes circunscrito em Coroas, ou Coronel Xavier Chaves, como queiram, ganhou fama e ultrapassou as fronteiras do município. Primeiro chegou a São João, seguido por Tiradentes, Ritápolis e a todos os municípios e distritos da região. Depois da fama em Contagem e em Belo Horizonte, não parou mais e ficou conhecido em toda Minas Gerais. Rapidamente a fama chegou à Cidade Maravilhosa. Dizem que os cariocas alvoroçaram. E foi se espalhando Brasil afora. Em Formosa, município de Goiás, foi construído uma réplica. Mania dos goianenses imitar os mineiros.

Em Coroas não há quem não tenha se sentado no pau do Lalado. Alguns, inclusive, dormiram sobre ele, sob o efeito de uma esquenta peito, molha a garganta, água benta, entre outros nomes dado a cachaça, depois de saboreado o pastel de Dona Maria Selma.

O pau do Lalado é democrático. Lá sentam-se petistas, tucanos, emedebistas, enfim, todos os partidos e adeptos de qualquer crença religiosa. Sentam-se, também, ateus e agnósticos. Sentam-se também torcedores de vários times de futebol. Comenta-se à boca pequena, que algumas mulheres também sentaram-se ali. O escriba declina os nomes. Mas o assunto principal discutido no pau do Lalado é o que está acontecendo na cidade. Sabe-se, pelo pau, digo, pelas bocas de quem nele sentam, quem está saindo com quem; que as carretas de minério tiraram o sossego; que o pão de queijo da padaria não aumentou o preço, mas diminuiu de tamanho; que o Lalado deveria abrir o bar todos os dias, como o Bar do Dirceu. Alguém replica: - do Dirceu, não, agora é da Sara. Outro retruca: - será sempre o Bar do Dirceu. O Bar do Burrão não fica de fora. Discute-se também quem fabrica a melhor cachaça da região. Uns garantem que é Jacuba, outros que é a Século XVIII. E que a Olaria não fica atrás; que lá em Cachoeira tem moças solteiras. Sobre a administração municipal paira um silêncio. Só mesmo ao pé de ouvido, com alguém de confiança, arranca-se um comentário, para o bem ou para o mal. Outro debate que pega fogo é quando se fala das belas garotas da Vila Fátima e do COSNEC - Consciência Negra. Que lá o povo é mais festeiro que os do centro, de Nossa Senhora da Conceição e Vila Mendes, mas que todos deveriam conhecer São Caetano. Fala-se muito do Carnaxachaça; da exposição agro-pecuária. Lamenta-se muito a morte precoce de Alexandre Marcos, baterista de Márcio e Heleno, enfim, quem deseja saber os acontecimentos da cidade, precisa sentar-se no pau do Lalado e apreciar a Igrejinha e as esculturas de pedra, a praça, crianças e adolescentes indo e retornando das escolas. Um trator, uma carroça. 



                                                    Imagem: Lindaura Magalhães


Cidadezinha Qualquer *

Casas entre bananeiras 
mulheres entre laranjeiras 
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar. 
Um cachorro vai devagar. 
Um burro vai devagar. 
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

* Carlos Drummond de Andrade

                                      Grupo Cosnec - apresentação: Bate-pau - imagem jef

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Verdades e mentiras



Quanto mais eu falava de amor, ela se afastava, talvez por deduzir que eu mentia. Sim, podia ser ilusão. Às vezes os sentidos enganam a gente. Ou mentem, se isso for possível. Era amor verdadeiro, sem a obrigação de ser pra vida inteira.
  Decidi não falar mais o que entendia por verdade. Passei a mentir. Não te amo virou meu mantra. E fui além: toda forma de amor é uma mentira. Então ela se aproximava me olhando de viés, com um leve sorriso, intraduzível. Falávamos de verdades e mentiras em suas variáveis. O que me irritava era quando ela dizia "sei". Coisa ambígua. Ela era ambivalente. Eu não? Embora não chegássemos a um consenso, havia respeito. Nesse sentido éramos verdadeiros. Pelo menos até o dia em que lhe dissera, na lata: seus argumentos são sofistas. Ela contrapôs: sei, senhor dono da verdade. Isso me tirou do sério. Virei uma "arara". Eu, dono da verdade? Depois, refletindo melhor, ela dissera uma meia verdade, portanto, uma meia mentira, pois eu agia, ora como mentiroso, ora como verdadeiro. Mas no íntimo ela sabia que os seus argumentos não tinham sustentação empírica, muito menos científica. Ora, se se mente por desinformação ou por beber em fontes mentirosas, que nome se dá a tal comportamento? Cumplicidade . E a mentira proferida, compartilhada, na era da informática, destrói reputações. Como reparar tal dano? No nosso caso, reparávamos os danos, na cama, com desejo recíproco e verdadeiro. Talvez seja esse o ponto: a verdade está no olhar de quem se ama; na entrega. "Na cama, na varanda ou numa casinha de sapé". Não, a letra não é assim, mas fica como minha versão. Ela achou muita graça, disse que eu alterei a letra de propósito. Verdade. De repente uma mentira social, leve, quebra o gelo. Depois do amor, ela ia pra cozinha preparar bolinhos de chuva enquanto eu limpava o quintal e cuidava do jardim.

J Estanislau Filho




Imagens: Google

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Vergonha, vergonha, vergonha



Lula tirou 43 milhões de brasileiros da pobreza e da miséria. Michel Temer, em um ano, devolveu um milhão e meio de brasileiros a essa condição, que os elegantes acadêmicos chamam de "pobreza extrema", e que na realidade da vida se chama miséria




Por Eric Nepomuceno, La Jornada

A imagem é clara: sentado sob o sol perto do portão de entrada da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, a capital do Estado do Paraná, um homem de cabelos e barbas brancas, vestido com uma camisa vermelha e com um cachecol da mesma cor sobre os ombros, espera. Parece cansado.

Outra imagem é igualmente clara: um homem de estatura mediana, de cabelos igualmente brancos e vestindo uma camisa branca, sai pelo mesmo portão. Ele sim, conseguiu entrar, mas chegou somente até a mesa de recepção dos visitantes.

Os dois queriam o mesmo – e esse mesmo é algo que, a propósito, está assegurado pela legislação penal brasileira: no dia de visitas, poder se encontrar com o preso.

Uma juíza substituta de primeira instância vetou a visita. Ha sido una decisão arbitrária que violou a lei e agrediu os direitos do preso.

Mas se trata da justiça de Curitiba, a muito reacionária capital do muito reacionário Estado do Paraná. Uma justiça arbitrária, parcial, injusta, que dá mostras de abuso um dia sim e o outro também.

O homem de camisa vermelha se chama Leonardo Boff, é um dos mais nobres cidadãos deste país absurdo, um teólogo iluminado, um batalhador da vida. Estava sentado porque padece de problemas sérios em seus joelhos.

O homem de camisa branca se chama Adolfo Pérez Esquivel. É outro batalhador da vida e dos direitos do ser humano. E, ademais, é um prêmio Nobel da Paz.

O preso que queriam visitar é amigo dos dois. Se chama Luiz Inácio Lula da Silva. Foi presidente do Brasil por dois mandatos seguidos.

Entre muitas outras iniciativas, cometeu a façanha – ou crime, segundo o ponto de vista – de tirar 43 milhões de brasileiros da pobreza e da miséria, e afastar o seu país do mapa mundial da fome.

Está preso porque foi condenado num juízo absurdo, sem uma única e miserável prova do crime do que foi acusado, sentença que foi confirmada, com a pena ampliada, por um tribunal de segunda instância cujos integrantes leram quase que em uníssono votos que repetiam as palavras de uns e outros. Dizem os juristas que quando uma segunda instância de justiça examina a sentença do tribunal inferior, seus magistrados devem levar a decisão inicial a um debate. O que se viu neste caso específico foi completamente diferente, como num jogo de cartas clarissimamente marcadas. Uma assustadora encenação de uma comédia bufa.

Tudo isso, as visitas proibidas, ocorreram na quinta-feira passada. No dia seguinte, a notícia apareceu apenas na imprensa local. Como se impedir que um preso receba visitas, um direito assegurado por lei, fosse um procedimento de rotina. Como se ter como visitantes proibidos a um teólogo insuspeitável e um vencedor do Prêmio Nobel da Paz fosse parte do cotidiano de Curitiba.

Cada dia fica mais claro que meu país tem duas constituições. Uma, da República Federativa do Brasil. Outra, da República Abusiva de Curitiba. A segunda viola a primeira. E parece não haver ninguém capaz de defender o que está escrito no que, se supõe, seria a Carta Magna.

O tribunal de primeira instância, encabeçado por um fundamentalista travestido de justiceiro chamado Sergio Moro, que inaugurou una nova modalidade de Direito –um juiz que não julga, prefere acusar e condenar – é parte essencial do golpe institucional que destituiu uma presidenta legítima, Dilma Rousseff, instalou no poder uma quadrilha de corruptos vulgares, encabeçada por um sujeito indecente chamado Michel Temer, e que alcançou seu objetivo final ao levar Lula da Silva à prisão e impedi-lo de disputar as presidenciais marcadas para este ano, das quais fatalmente sairia eleito.

A crescente pressão internacional criticando a barbaridade cometida contra Lula, a qual inclui a proibição de que Adolfo Pérez Esquivel e Leonardo Boff o visitem na prisão, não tem, ao menos por enquanto, nenhum efeito sobre a obsessão de Moro e companhia.

Eles se sentem superiores, enviados do céu que pairam sobre as pequenezes da terra.

Ele e a juíza substituta, chamada Carolina Lebbos – que o substitui enquanto Moro perambula pelos Estados Unidos – se acha, e efetivamente são, imunes a tudo.



Não percebem que, com sua absurda arbitrariedade, estão cobrindo o país de vergonha.

Não percebem, nem os abusadores do Poder Judiciário brasileiro, nem as instâncias superiores, que pecam por covardia e omissão, o verdadeiro alcance dos seus atos.

Se sentem inalcançáveis.

Não percebem que são pura vergonha. São abjetos. São infames.

Lula tirou 43 milhões de brasileiros da pobreza e da miséria.

Michel Temer, em um ano, devolveu um milhão e meio de brasileiros a essa condição, que os elegantes acadêmicos chamam de “pobreza extrema”, e que na realidade da vida se chama miséria.

Um milhão e meio em apenas um ano. Em um ano, quatro vezes a população do Estado mexicano de Oaxaca de Juárez. Duas vezes a de Acapulco. É como imaginar a uma cidade de Guadalajara ou de Puebla toda ela cheia de miseráveis.

Lula foi condenado.

Temer foi permitido.

A justiça do meu país é essa vergonha. As instituições do meu país estão apodrecidas.






Créditos da foto: Eduardo Matysiak de Leonardo Boff
Demais imagens: Google

Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Vergonha-vergonha-vergonha/4/39978

sábado, 21 de abril de 2018

As fronteiras de um coração valente




Por Renato Balbim

 San Diego, EUA, fronteira com Tijuana, México -- a mais violenta das fronteiras do século XXI. Foi nesse espaço de limites, conflitos e normas separando e unindo povos que Dilma encerrou sua recente incursão aos Estados Unidos, no ultimo dia 18 de abril. Ali discorreu sobre uma violência institucional com potencial para gerar desdobramentos políticos e sociais equivalentes aos do entorno:  o golpe de estado parlamentar no Brasil, que uniu elites, o dinheiro, a escória política, parte do judiciário e o conservadorismo asfixiante de um sistema de mídia oligopolizado.

O evento foi organizado pelo programa de estudos brasileiros 'J. Keith Behner e Catherine M. Stiefel', da Universidade Estadual de San Diego (SDSU), e pela Universidade da Califórnia San Diego (UCSD), seguindo-se a duas programações similares realizadas em Stanford e Berkeley.

Dilma justificou a legenda de um coração valente e forte nas boas vindas de “700 professores e de uma vibrante comunidade de nacionalidades diversas, marca registrada de uma instituição que sendo tão próxima ao muro conflituoso, orgulha-se de ter uma comunidade estudantil marcadamente latina.” 
Parte dela, diga-se, assim como aconteceu nos anos de Lula e Dilma no Brasil, formada por jovens representantes de famílias até então sem um único diploma universitário em sua linhagem.

Nesse cenário, a esse público, Dilma cumpria a missão adicional de seu périplo: a denúncia internacional da prisão politica do Presidente Lula e de sua condição de encarcerado quase incomunicável na solitária de Curitiba, para onde foi enviado pelo juiz Sergio Moro.

 Dilma magnetiza a tensão das plateias ao explicar o significado dessa tentativa de apagar a imagem, a voz e a liderança do ex-presidente mais popular da história brasileira, que tem na mídia um garrote de pressão decisivo.

 Em um país como os Estados Unidos em que tanto já se discutiu o “solitary confinement”, a Presidenta brasileira ensina que a solitária é uma forma de tortura. Que foi aperfeiçoada a partir da observação acurada daqueles que exercem a violência: eles sabem que os seres humanos para existir --explica, necessitam olhar a face de seus semelhantes, relacionarem-se com eles, identificarem-se, enfim, resume, não somos apenas individualidades. 

 Impedir, dificultar e seccionar todas as formas de comunicação entre os golpeados e a sociedade  constitui uma arma central do golpe,  ressaltou Dilma de forma pedagógica, capacitando a plateia progressivamente a compreender assim o grau de arbítrio e de violência  intrínseco à Lava-Jato.

'Numa ditadura militar', explica, 'a árvore da democracia é cortada na raiz, esgotam-se todos os direitos e liberdades civis'.  'A diferença agora', detalha a ex-presidenta derrubada por um impeachment em 2016, 'é que temos algo mais dissimulado'. E retoma a sua metáfora: 'A árvore é corroída por parasitas e fungos das instituições e o golpe fica escondido atrás de biombos legais', verniz do rito do qual foi vítima.

A reconhecida valentia da oradora pode ser constatada ao vivo pelos presentes, quando enfrentou, pela primeira vez nesta viagem, o ódio e a violência habitual no seu país. Neste caso, protagonizado por dois grupos de 3 e 4 pessoas vestidos em uniforme da seleção e nervosos... Para os gringos eram apenas fãs da seleção canarinho, mas para ela e os demais brasileiros presentes, o estereótipo de um Brasil que definitivamente não é mais aceito em ambientes democráticos.

A tentativa de intimidação, que se manifestaria também nas redes sociais de brasileiros e brasilianistas da região, chocando seus integrantes norte- americanos, irrompeu  logo depois de a ex-presidenta relatar os termos do voto do deputado Bolsonaro pelo seu impeachment, há exatos dois anos.”

O relato trouxe para o auditório um tempero da desconcertante violência de um ex-militar que idolatra algozes e assassinos dos anos de chumbo no Brasil.

“Voto a favor da ditadura militar, voto em favor da tortura, voto a favor do Senhor Carlos Alberto Brilhante Ustra que foi o torturador que aterrorizou a vida da Presidenta Dilma Rousseff” --relatou a ex-presidenta remexendo as entranhas da sua memória e do seu corpo, ela própria vítima da tortura como prisioneira política do regime militar brasileiro.

Um senhor nervoso que a tudo filmava, claramente descolado do resto da audiência, saudou o nome do deputado que faz apologia à violência e à tortura. Mereceu insignificantes aplausos histéricos, logo rechaçados por norte-americanos que defenderam o direito da ex-presidenta à palavra.

A experiência serviu para a plateia vivenciar em ponto pequeno a intensidade das rupturas sociais em curso no Brasil.

Dilma não se abalou e calibrou seu repto enumerando a lista de agressões das quais foi vítima no contexto da violência estrutural contra as mulheres no Brasil, uma barbárie cotidiana física e simbólica, que se adensa contra as negras, os jovens pobres e as comunidades periféricas.

Na raiz do cerco segregacionista, explicou, remontam 300 anos de escravatura que persistem no DNA da desigualdade brasileira, afrontada por distintas políticas sociais desenvolvidas nos últimos anos, contra as quais se fez o golpe de 2016.

Todavia, não estamos diante de um ponto fora da curva, ressaltou a oradora assertiva.

O golpe do qual ela foi a vítima mais direta filia-se uma matriz histórica que, de um jeito ou de outro, atingiu todos os governantes que tentaram alterar os mecanismos da desigualdade brasileira.

Invariavelmemte seu final foi conflituoso. Com um adicional de gravidade agora, atalha a dirigente brasileira: a radicalização extremista e conservadora lança raízes em escala global.  A crise do neoliberalismo --uma ruptura sistêmica sem a contrapartida de forças de superação-- abriu a caixa de pandora da qual saltaram os monstros que ora se manifestam no Brasil, mas também em outros países ricos e pobres.

Na marcha da intolerância, a desigualdade é senhora novamente. O direito do povo brasileiro a um futuro melhor está sendo interditado como um desvio populista 'voluntarista', conforme ensina o libreto entoado diuturnamente pelos veículos conservadores no Brasil.

Ao se despedir, a ex-presidenta fez um pedido e uma proposta de engajamento contra essa investida.

Dilma exortou os presentes a se engajarem na campanha “Lula Livre”, duas palavras que juntas condensam a essência do embate atual no Brasil, mas também no resto do mundo, por mais democracia e justiça social. 

“Ao resistirmos à prisão de Lula, ao recusarmos retirar a sua candidatura, estamos construindo também o nosso futuro”, disse. Afinal, um país só será respeitado, de fato, se for capaz de escrever e contar a sua própria história. Hoje no Brasil isso se faz com as tintas da resistência democrática.

Foi assim que Dilma fechou a sua jornada. Falando sobre resistência e democracia.  Algo entranhado em sua vida, como na de Lula e de muitos de seus companheiros de militância, ora sob um cerco político determinado a extirpa-los da vida pública do país.

O sentido de coêrencia entre o discurso e a figura da ex-presidenta brasileira ecoou longamente na fronteira de San Diego, como tem acontecido nas plateias de todo o mundo que se reúnem para ouvir a voz e o apelo desse coração, sim, valente.  





Renato Balbim é doutor em Geografia Humana e pesquisador na Universidade da Califórnia

Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/As-fronteiras-de-um-coracao-valente/4/39956

terça-feira, 17 de abril de 2018

Lula, preso político




Lula, preso político

por Guilherme Boulos

A resistência no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC entra para a história do país

No sábado 7 o juiz Sergio Moro realizou seu último ato espetacular ao prender o ex-presidente Lula. Foi o dia D da Operação Lava Jato. Consumou-se a farsa judicial, marcada por uma condenação sem provas, um processo repleto de irregularidades e o flagrante desrespeito da maioria do Supremo Tribunal Federal à Constituição, no que tange à prisão sem trânsito em julgado.

O processo do triplex era, de longe, o mais frágil de todos os movidos contra Lula, ao ponto de fazer lembrar O Processo, de Franz Kafka. Mas era o único capaz de inviabilizar sua candidatura, dados os prazos judiciais.

Foi uma condenação sob encomenda, com viés casuístico e eleitoral. Manteve-se a aparência do rito judicial, em alguns momentos nem isso, mas as cartas estavam marcadas. Visivelmente, Moro e os trigêmeos do TRF4 tinham pronto o juízo condenatório antes mesmo de qualquer audiência. A defesa não era escutada, apenas tolerada ritualmente. Lula é, portanto, um preso político.

Por essa razão, os dias de resistência no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo ganharam uma conotação histórica. Um capítulo a mais numa história bem conhecida, um déjà-vu da conjuntura que levou ao suicídio de Getúlio Vargas e à derrubada de Jango.

Uma vez mais o Brasil diante de sua disjuntiva eterna: ante uma mobilização popular de resistência, por Lula, pela democracia e por um horizonte de consolidação de direitos de todos, a faca afiada e arbitrária de Moro, que tudo pode. A faca odiosa da hipocrisia do novo paladino da moral da casa-grande. Daquele que vive em apartamento próprio, e confortável, mas recebe seu auxílio-moradia como “jeitinho” para atualizar um salário exclusivo a menos de 1% dos brasileiros.

Diante de um quadro tão flagrante de afronta à Constituição e aos direitos de Lula a um juízo justo e imparcial, o aspecto mais funesto do ponto de vista jurídico se revelou com o apequenamento do Supremo às permanentes chantagens da Rede Globo e às ameaças por parte de uma corporação militar, historicamente impune no nosso País. A mesma Rede Globo que, recordemos, no primeiro dia da ditadura de 1964, noticiou: “Ressurge a democracia no Brasil”.

No caso dos militares, a situação é ainda mais preocupante. Não por se tratar da enésima bravata anacrônica e corporativista, recorrentes nas últimas décadas, de algum general de pijama. Desta vez, atentando diretamente contra o próprio código disciplinar das Forças Armadas, quem se colocou politicamente foi o próprio comandante do Exército Brasileiro, o general Eduardo Villas Bôas. O que deveria ser tratado como uma questão de Estado, para o golpista Michel Temer e seu ministro da Defesa tratou-se de mera questão de liberdade de expressão.

O efeito mais deletério dessa espiral antidemocrática e fascista seria revelado, porém, no seio da sociedade brasileira, com uma escalada de ódio, sectarismo e intolerância. A intervenção militar no Rio de Janeiro seria sua expressão institucional. Os ataques à Caravana de Lula, a coroação social de acosso e censura experimentados nos últimos meses.

Lembremos das exposições culturais fechadas por razões ideológicas, com manifestos episódios de agressões físicas e intolerância, como aqueles que sucederam recentemente em São Paulo nas palestras da filósofa americana Judith Butler. A maior e mais grave expressão foi o bárbaro assassinato da nossa companheira Marielle Franco, que, apesar de comover o País, passado um mês de sua morte, continuamos sem saber quem disparou os tiros.



A situação obriga a nós, democratas, a uma reflexão profunda. Se não for por disposição política, que seja então por uma questão de sobrevivência: contra o fascismo, contra a barbárie, não se brinca. Ou nos unimos ou morremos. Quantos mais de nós necessitam ser presos? Quantos mais de nós necessitam ser mortos?

Quem diria que 30 anos após a Constituição que selou o fim da ditadura no Brasil, ainda teríamos de continuar a assistir à morte de quem defende o que acredita e outros serem presos por decisão política.

Diante dessa situação, urge uma Frente Democrática e Antifascista. Nesses momentos nos quais a História se acelera, não existe espaço para dúvida. A besta do fascismo pôs suas garras para fora. É nosso dever nos unir para enfrentá-la, nas ruas e nas urnas.

Enfrentá-la por justiça no caso de Marielle Franco, pela liberdade de Lula… E pelo resgate da democracia e pelo respeito à vontade soberana do povo.













Imagens: Google