quarta-feira, 30 de julho de 2014

O consertador de guarda-chuvas

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   O consertador de guarda-chuvas que habita aquele barraco, caminha cambaleando... Uns dizem que de bêbado, outros que de louco. Que ele bebe todo mundo sabe! Caminha murmurando frases desconexas.
     Em certos dias, ou noites - para certas coisas não existe hora marcada - ele tem terríveis ataques, deixando a todos assustados. Os meninos que jogam bolas e soltam pipas pelas ruas fogem apavorados para dentro de suas casas ou se refugiam como podem. Até os mais moleques - os que atiram pedras nos telhados e vidros das casas e os que matam gatos para comer, fisgados em anzóis como se peixes fossem (pobres gatos! Só serão poupados quando estes meninos tiverem outra coisa para comer), correm como balas.
     Barulho e grito saem do barraco, uma algaravia entrando pelos ouvidos dos vizinhos. - Foi o diabo que entrou no corpo dele! Comenta alguém.
     No dia seguinte o consertador de guarda-chuvas sobe a rua pitando seu cigarrinho de palha com um guarda-chuva pendurado às costas, preso pelo colarinho da camisa, cumprimentando a todos com um sorriso, expondo com transparência sua fragilidade. Com as mãos trêmulas sai contando a quem lhe dê ouvidos os seus causos - causos de guarda-chuvas - e procurando trabalho.- A senhora não tem uma sombrinha precisando de reparo? Que ele é bom em seu ofício todo mundo sabe. Guarda-chuvas caindo aos pedaços ele os transforma em novinhos em folha. Um verdadeiro milagre!
     O que quase ninguém repara é que, com aquelas mãos trêmulas ele consegue dar pontos e prender barbatanas...




Crônica que integra o meu livro de bolso Crônicas do Cotidiano Popular - Edição do Autor - 2006

terça-feira, 29 de julho de 2014

O Brinco



a menina brinca brinca
com o brinco na orelha
o brinco gira como se fosse brinquedo...

a menina solta o brinco
que se perde no tapete

a menina brinca de procurar o brinco
procura procura procura
e na procura se enche de prazer
e descobre a cor no tapete
a cor
acorda o coração da menina
que se enche de dor
estranha dor
ador
adoração
ação de brincar com o brinco...
até a menina adormecer sobre o tapete vermelho...

um fio de sangue abre as portas da concepção.


J Estanislau Fiilho

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Os Dentes Brancos de Priscila



     Priscila tem a boca cheia de dentes brancos. Faz questão de um sorriso largo.
   A alvura de seus dentes se mistura com a da pele. 
   Ela é toda branca, branca como a neve. Seria Priscila a Branca de Neve?
   Olhos e cabelos castanhos produzem um contraste simétrico, se isso for possível. Em Priscila é possível.
   Inclusive ausência. Às vezes ela parece estar em outra órbita.
   Tem um estrabismo quase imperceptível, o que a deixa com um ar de mistério.
   Ela fala e sorri ao mesmo tempo, enquanto olha pra lugar nenhum...
   Usa roupa e sapatos brancos. Quando fala, as palavras são brancas.
   Quando ela se debruça sobre mim sinto seu hálito. Branco.
   E quando seus dedos aveludados tocam minha boca, estremeço.
   O coração dispara. Ela percebe e pede calma.
   Aproveito um instante de distração, para observá-la: Está séria, compenetrada. Inteiramente entregue...
   Os lábios são levemente cor-de-rosa. 
   Imagino-a passeando em um imenso jardim de rosas brancas... Como identificar Priscila entre as rosas?
   Então vejo um sorriso esplêndido. É ela.
   Fecho os olhos e a deixo fazer o seu trabalho.
   Saio do torpor quando ela diz "pronto, pode se levantar", depois de jogar água em minha boca e ofertar-me um lenço branco.
   Então ela marca nova consulta e diz convicta: "Mais duas sessões e este canal estará inteiramente curado".

J Estanislau Filho

Do meu livro Crônica do Amor Virtual e Outros Encontros, pagina 26 - Protexto - www.protexto.com.br


   

Nas Passarelas




Se meus versos fossem de tecidos
_ algodão, seca, cetim
poderiam ser vestidos
exibidos por Gisele nas passarelas.

Aí sim, meus versos fariam sucesso.

Se meus poemas tecidos
estampados em Gisele
eles estariam na moda...

E em breve esquecidos.


Poema do meu livro Palavras de Amor

www.livrariacultura.com.br

www.biblioteca24horas.com

quinta-feira, 24 de julho de 2014

LADRÕES DE FLORES




     Eles roubavam apenas flores nas Chácaras Vale das Acácias, onde costumavam passar os finais de semana acampados à sombra de paus d'óleos, pequis e ipês em busca da energia positiva da natureza, para recuperarem as forças subtraídas durante a semana em um trabalho de Sísifo na agitada metrópole.
     Caminhavam pelas estradas irregulares do chacreamento, atentos à diversidade do cerrado, conversando com os pássaros, distribuindo sorrisos e cuidados aos seres frágeis de região agredida pela insanidade humana. Pisavam o chão com leveza, pois estavam convictos de que sob seus pés havia vida em profusão e a morte de um único ser infinitésimo colocava em risco a vida do planeta.
     Os insensíveis os tinham como lunáticos; os desconfiados, não acreditavam na pureza de seus gestos. E se os afoitos em concluir orgasmos os vissem rolando na cama juncada de pétalas de rosas de várias nuanças durante os dias e as noites das quatro estações ou à sombra das árvores, diante dos olhares cúmplices dos guardiões das matas, certamente diriam que eles eram uns devassos, ou, no mínimo não pertenciam ao reino deste mundo de time is money, de ser é ter.
     Pulavam as porteiras de sítios e chácaras em busca das mais belas flores, para a alegria dos cães solitários, encarregados de proteger a propriedade privada. Cães sabidos, que reconheciam as pessoas de sentimentos puros, lambendo-lhes as mãos, abanando os rabos em sinal de amizade e cumplicidade. Era um encontro de alegria mútua, pois eles sempre tinham um naco de pão para ofertá-los em troca da liberação da área. Saiam com as mãos carregadas, tendo sempre o cuidado de não ferir as plantas, atentos para não recolher todas as flores, deixando muitas enfeitando os jardins. Saiam com um sorriso de felicidade estampado, carregando-as com leveza, beijando-as e se beijando.
     Mas a vida dá muitas voltas e o que parecia ser uma felicidade eterna não se confirmou. Em uma noite de lua cheia, quando os corações ficam afoitos e os desejos descontrolados, eles entraram na barraca, e o que ninguém poderia imaginar aconteceu: eles não se entenderam. Ela recusou suas carícias e seus beijos, fugiu de seus abraços, destruiu as flores colhidas, que adornariam seus corpos na longa noite de amor. Em seguida levantou-se e, com um estranho brilho nos olhos olhou-o fixamente. Este olhar penetrou no mais profundo de seu âmago, provocando-lhe um transe. As feições dela foram se transformando lentamente, e ele, petrificado diante daqueles olhos transmutados, sentiu-se exausto. Sentou-se sem conseguir desviar  os olhos da face da amada. Antes de perder os sentidos a viu fugir da barraca e ouviu um grito descomunal cortando a noite de lua cheia.
     Ele anda agora solitário pelas estradas do Vale das Acácias, com os olhos fixos no infinito. Uma vez ou outra observa as plantas e com voz rouca fala:

É uma pena você não estar aqui
para ver as rosas desabrochando
as alamandas se alastrando.
É uma pena você não ter a felicidade
de pegar a terra com as mãos
ver os hibiscos vestidos de vermelho e rosa
e as jabuticabas maduras
o jardim iluminado por um relâmpago engravidando a terra
e de ouvir o estrondo do trovão num grito de prazer.
É uma pena você não ver
a alegria das coisas simples
como a luz dos vaga-lumes
o canto dos pássaros
e o barulho da chuva
na terra
nas folhas
nas flores.
É uma tristeza de cortar o coração vê-la na clausura
deixando de ver tanta beleza.


J Estanislau Filho

Do livro Filhos da Terra - Edição do Autor - 2009 - página 135 (esgotado)


quarta-feira, 23 de julho de 2014

pedreiros



                                                                                os pedreiros erguem casas.
                                                      os pedreiros não são de pedras.
                                                      nem todos são pedro.
                                                      cantam durante o trabalho. 


                                                                          J Estanislau Filho 

terça-feira, 22 de julho de 2014

JULIETA

              O amor por Julieta foi a essência de tempestade que necessitava naqueles dias obscuros. Um turbilhão de sentimentos desordenados o levou até ela, que o acolheu, como quem também precisava de estímulos, para despachar carências e medos. A tempestade era só uma cobertura frágil, um glacê que se desmancha ao suave toque de mãos inocentes; vidro que se quebra com a aragem.
     Estava convencido que Julieta o tiraria daquela morbidez. Traçou tática e estratégia de conquista. Ela era poeta, a melhor poeta do planeta naqueles dias em que o sol começou a penetrar nas frestas de seu muro. Uma poeta! Poetisa não era a forma adequada de nomear aquela mulher encantadora. Acessava diariamente a página da musa inspiradora, para ver suas fotos. Passava horas contemplando, imaginando um encontro... e se derretia como manteiga em frigideira sob o fogo da paixão incomensurável. Tecia longos elogios aos poemas e à poeta distante. Contudo, Julieta não deu azo à sua fértil imaginação. Como Florentino Ariza jurou esperá-la enquanto lhe restasse um sopro de vida. Até o dia em que Julieta parou de responder as suas mensagens. Caiu em si. Doeu fundo a perda de seu primeiro amor virtual. 
     Não, ele não a perdeu, pois nunca a teve.



J Estanislau Filho

Do livro Crônica do Amor Virtual e Outros Encontros.
Adquira-o em www.protexto.com.br

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Geração "Só a Cabecinha": Você lê o título e nada mais.

Outro dia vi um estudo que diz que 25% das músicas do Spotify são puladas após 5 segundos. E que metade dos usuários avança a música antes do seu final. Enquanto isso, no YouTube, a média de tempo assistindo a vídeos não passa dos 90 segundos. O mais chocante desses dois dados é que o uso do Spotify e do YouTube, em geral, está focado no lazer, no entretenimento. Ou seja, se a gente não tem paciência para ficar mais de 90 segundos focado em uma atividade que nos dá prazer, o que acontece com o resto das coisas?
Você ficou sabendo da entrada do ator Selton Mello no seriado Game Of Thrones? Saiu em vários grandes portais brasileiros e a galera na internet compartilhou loucamente a notícia. Tudo muito bacana, não fosse a notícia um hoax, um boato inventado por um empresário brasileiro apenas pra zoar e ver até onde a história poderia chegar. Bem, ela foi longe: mais de 500 tuítes com o link, mais de 3 mil compartilhamentos no Facebook, mais de 13 mil curtidas, matéria no UOL, Ego, Bandeirantes, O Dia e vários outros sites.
Quem não tem paciência de ouvir cinco segundos de uma música tem menos paciência ainda pra ler uma notícia inteira. Pesquisas já mostraram que a maioria das pessoas compartilha reportagens sem ler. Viramos a Geração “só a cabecinha”, um amontoado de pessoas que vivem com pressa, ansiosas demais pra se aprofundar nas coisas. Somos a geração que lê o título, comenta sobre ele, compartilha, mas não vai até o fim do texto. Não precisa, ninguém lê!
Nunca achei que a internet alienasse as pessoas ou nos deixasse mais burros, pois sei que a web é o que fazemos dela. Ela é sempre um reflexo do nosso eu, para o bem e para o mal. Mas é verdade que as redes sociais causaram, sim, um efeito esquisito nas pessoas. A timeline corre 24 horas por dia, 7 dias da semana e é veloz.
Daí que muita gente acaba reagindo aos conteúdos com a mesma rapidez com que eles chegam. Nas redes sociais, um link dura em média 3 horas. Esse é o tempo entre ser divulgado, espalhar-se e morrer completamente. Se for uma notícia, o ciclo de vida é ainda menor: 5 minutos. CINCO MINUTOS! Não podemos nos dar ao luxo de ficar de fora do assunto do momento, certo? Então é melhor emitir logo qualquer opinião ou dar aquele compartilhar maroto só pra mostrar que estamos por dentro. Não precisa aprofundar, daqui a pouco vem outro assunto mesmo.
Por outro lado… quem lê tanta notícia? Se Caetano Veloso já achava que tinha muita notícia nos anos 1960, o que dizer de hoje? Ao mesmo tempo em que essa atitude é condenável, também é totalmente compreensível. Todo mundo é criador de conteúdo, queremos acompanhar tudo, mas não conseguimos. Resta-nos apenas respirar fundo, tentar manter a calma e absorver a maior quantidade de informação que pudermos sem clicar em nada. Será que conseguimos?

Autora: Bia Granja - Artigo originário do DCM _ Diário do Centro do Mundo.


A Vale,
outrora do Rio Doce
era nossa.
Hoje só vale
promessa nos comerciais.

Vale,
vala comum
de lucros colossais.

Vale,
vela volátil
valha-me Deus,
muitas velas para poucos uns
breu e bruma para muitos alguns.

Vale,
verso versátil...
não vale a pena verso
para vale adverso
valeria se vale fosse
do Rio Doce.

Fosse nossa
não seria vale de lágrimas.

Vale cada vez mais
verde covarde
amarelo sangue_
suga os recursos naturais.

DESEJO

No começo era o verbo e o verbo se fez emoção
adornado em poemas de carne viva.
Desejo.
Amellie mítica
Amor e volúpia sob o véu e alma nua.
Amellie mística
Sensualidade e candura.
Menina
Mulher
Saboreava suas palavras impressas
e a via esplendidamente nua em desfile na Barra
Ipanema
Alimentando meu desejo.
Saboreava Amellie
Salivava Amellie em longas noites de insônia
enquanto um ontem aniquilava meu ser.
Sonhos que me levavam à culminância
de desejo que no desejo perdura.
Amellie mudou a forma de meu sonhar...
As noites eram degraus,
desnorteadas galerias,
invadia minhas insônias sem cerimônias,
despida de vestes,
sob o corpo diáfano a exuberância libidinosa.
Contudo coberta por uma camada fina de inquietude
à procura de calmaria.
Em noite transtornada me arrancava o coração
e o exibia à turba ensandecida.
Nas manhãs frias das paredes avermelhadas do meu quarto
prefixado em Amor e Fogo
Amellie me atira em sua rede de mármore
Vazia
Oca de mim...

Amellie se revela verdadeira, inteira:
fêmea faminta e farta de deserto.
Necessito, como Demócrito arrancar os olhos e pensar.
Fundirei as mãos ávidas em seu precioso colo.
Pele macia azeitonada.
Seios fartos onde jorra o leite e o mel.
Sorriso largo à espera do beijo
E nesse meigo declive saciarei o desejo que assalta meu sono.
J Estanislau Filho

quinta-feira, 17 de julho de 2014

CONTAGEM

Contagem de antes
[das abóboras]
Contagem de agora
[bundinhas de fora]
Chaminés ainda de pés
De pés de amoras
E jabuticabas maduras...

Contagem quilombola
Dos remanescentes arturos
Diversidade de cultura
Nas ruas acervos escolas...
Adeus Contagem
Estou indo embora!

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O FMI DOS BRICS


Publicado em El País.

Em julho de 1944, representantes de 44 países se reuniram em um hotel em Bretton Woods, New Hampshire, Estados Unidos, para criar um novo modelo de relações comerciais e financeiras entre os principais países do mundo. Setenta anos depois, os países emergentes se cansaram de esperar uma mudança de regime das instituições financeiras internacionais que saíram daquela reunião e deram um passo à frente para mudar a ordem existente, e agora reivindicam seu novo papel na economia mundial.
Os presidentes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (que formam o acrônimo BRICS) assinam nesta terça-feira em Fortaleza, Brasil, a constituição de um banco de desenvolvimento, com um aporte inicial de 50 bilhões de dólares (cerca de 110 bilhões de reais) para formar o capital do banco e 100 bilhões (220 bilhões em reais) de capacidade de empréstimo, e um fundo de reservas de outros 100 bilhões para ajudar os países do grupo no caso de uma possível crise de liquidez, como as vividas em alguns países europeus durante a crise financeira. São 200 bilhões de dólares (moeda que será utilizada nas transações das duas organizações) para determinar o valor do grupo e dar uma demonstração de sua força econômica.
“A conclusão dessas duas iniciativas passará uma mensagem forte sobre a vontade dos BRICS de aprofundar e reforçar sua associação econômica e financeira”, destacou para a imprensa na semana passada o embaixador brasileiro José Alfredo Graça Lima. “As duas instituições financeiras criadas funcionarão de forma similar ao Banco Mundial (BM) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI)”, afirmou.
Sem dúvida, a criação do banco é um passo decisivo para a consolidação do grupo. “É importante que as maiores economias emergentes tenham sido capazes de colocar em funcionamento um projeto assim, do contrário sua credibilidade como grupo seria questionada. É um primeiro passo evidente, mas agora precisam passar para a ação”, afirma Jim O’Neill, o inventor do termo BRIC há 13 anos, quando era economista-chefe da Goldman Sachs, e atualmente pesquisador no think tank Bruegel.
A iniciativa levanta dúvidas quanto a seu alcance e sobre quão efetiva ou ineficiente será a coordenação do grupo. Sua criação demorou quase dois anos devido a divergências internas, que finalmente foram resolvidas com uma participação em partes iguais no capital, apesar da intenção inicial de que a China fosse sócia majoritária, e com a sede da entidade em Xangai.
“A verdadeira questão é para que esses países realmente querem um novo banco e o que querem apoiar com ele. Não se sabe se é um mecanismo a ser explorado no sentido de assumir uma maior responsabilidade global, algo mais fácil do que conseguir mais representação no FMI ou no BM, ou se querem financiar conjuntamente projetos de infraestrutura nos países do grupo”, aponta O’Neill. “Não estou certo, só o tempo dirá.”
Em 2010, o FMI aprovou uma reforma de suas cotas para dar mais peso às potências emergentes no órgão, sobretudo a China. Mas a reforma está emperrada no embate entre democratas e republicanos no Congresso dos Estados Unidos e, a essas alturas, a iniciativa se tornou até obsoleta. “É realmente ridículo e decepcionante que o Congresso norte-americano não tenha aprovado a mudança das cotas. Na verdade, o peso dado na época a alguns países emergentes ficou velho e é cada vez mais evidente que a governança global atual está muito longe de ser boa”, admite O’Neill.
Até agora os BRICS não se destacaram por uma grande capacidade de coordenação no cenário internacional, apesar de sua constituição oficial como grupo em 2009 em plena crise financeira, ainda que o protagonismo na época tenha se concentrado no G-20, agora também em declínio. “A intenção é que o banco dos BRICS se torne, com o tempo, uma alternativa ao Banco Mundial e ao FMI e que seja um novo jogador entre as instituições financeiras globais. É um objetivo ambicioso, que exigirá um grau de coordenação e harmonia que nem sempre vimos nesse grupo”, acrescenta de Nova Délhi Vivek Dehejia, professor de Economia da Universidade de Carleton, do Canadá.
Em vários artigos, Nicholas Stern, presidente do Grantham Research Institute da London School of Economics e da Academia Britânica, defendeu, ao lado do prêmio Nobel Joseph Stiglitz, a necessidade de um novo banco de desenvolvimento que dê respostas às necessidades urgentes dos países emergentes em termos de infraestrutura. Lord Stern afirma que o gasto com infraestrutura nesses países deve aumentar dos 800 bilhões de dólares atuais (mais de 1,7 trilhão de reais) para pelo menos 2 trilhões (4,4 trilhões de reais) na próxima década.
“Do contrário, será impossível conseguir uma redução da pobreza e um crescimento inclusivo no longo prazo”, defende Stern em sua análise. As salvaguardas impostas pelo Banco e pelo Fundo em seu funcionamento, assim como as duras condições associadas a seus empréstimos, deram eficiência ao financiamento vindo desses organismos, mas não será fácil colocar em marcha um modelo de funcionamento do zero, e os desembolsos, para Dehejia, ainda vão demorar para acontecer. “Por hora, a importância é mais por seu simbolismo geopolítico, de que os BRICS são algo mais do que um acrônimo. Representa uma promessa, mas teremos de se esperar para ver como se concretiza”, acrescenta o economista indiano.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Arana do Cerrado: Arana das Flores.

Descem em véus de olhos mil, águas dessa cachoeira poética, entrelaçada ao sorriso largo que me arrastam para dentro das nuvens úmidas, preparando-se pra beijarem a terra.Não há paredes nem grades aqui.Há calma e gosto de mar nos olhos da vida! Talvez precise morrer para renascer sem essas costuras, estes alinhavos que compõem o caminhar daqueles que sobrevivem ao pó das sandálias.....por instantes visualizo meu vazio e o vazio das frestas tropeçadas; não posso morrer engasgada pelas palavras, não posso mesmo! A essência não dá pra demonstrar! Dorme dentro de seu invólucro e sempre haverá um deus pra recebê-la.Fico assim, e não vejo nem sinto outra maneira. De braços dados com VISIONÁRIO, decapito o velho e faço irromper o grito que mora nos templos, altares, sepulcros, cimos dos outeiros e abismos .... VISIONÁRIO foi criado diante dos deuses frágeis, polinizados pelas fadas das flores, pelos arco-íris regados de gotas e Sol!!! Não quero mais sair daqui meu querido, amado Stan, poeta de colo morno, de silêncios soltos , lembrando estrelas azuis e douradas em noites escuras........agradecida pela viagem!!!Amor de arana.

Obrigado, amiga querida, pelas palavras generosas em meu poema Visionário.

domingo, 13 de julho de 2014

OCUPE-SE DE POUCO PARA SER FELIZ

“Ocupe-se de pouco para ser feliz”. Foi essa a primeira frase de um livro de Demócrito, filósofo grego do século 5 a.C. O livro se chama sobre o Prazer, e não chegou à posteridade senão por citações de outros pensadores.
A palavra grega para tranquilidade da alma é euthymia, e sobre ela se debruçaram intensamente os sábios. A recomendação básica de Demócrito, sob diferentes enunciados, é encontrada sempre. Sobrecarregar a agenda eqüivale a sobrecarregar o espírito, e traz inevitavelmente angústia. Ninguém que tenha muitas tarefas, ou que se atribua muitas, pode ser feliz.
Um homem sábio da Antiguidade não abria nenhuma correspondência depois das quatro horas da tarde. Era uma forma de não encontrar mais nenhum motivo de inquietação no resto do dia, que ele dedicava a recuperar a calma que perdera ao entregar-se ao seu trabalho.
Se olharmos para nós, nos veremos com frequência abrindo mensagens no computador alta noite, e não raro nos perturbando por seu conteúdo. O único resultado disso é uma noite maldormida.
O fato é que fazemos muitas coisas desnecessárias. Coloque num papel as atividades de um dia. Depois veja o que realmente era preciso fazer e o que não era. Já fiz isto. A lista das inutilidades suplantou sempre a das ações imperiosas.
O imperador filósofo Marco Aurélio, do começo da Era Cristã, louvou a frase de Demócrito em suas clássicas Meditações. Acrescentou, com sagacidade, que devemos evitar não apenas os gestos inúteis, mas também os pensamentos desnecessários.
Marco Aurélio recomendava o formidável exercício de conduzir a mente, quando desviada, para pensamentos relevantes. Isso conseguido, à base de perseverança, controlamos a mente, esse cavalo selvagem, em vez de sermos controlados por ela.
Ninguém escreveu com tanta graça sobre o tema como Sêneca, pensador romano também dos primórdios da Era Cristã. Sêneca usou as expressões “agitação estéril” e “preguiça agitada” ao tratar dos atos que nos trazem apenas desassossego.
“É preciso livrar-se da agitação desregrada, à qual se entrega a maioria dos homens”, escreveu Sêneca. “Eles vagam ao acaso, mendigando ocupações. Suas saídas absurdas e inúteis lembram as idas e vindas das formigas ao longo das árvores, quando elas sobem até o alto do tronco e tornam a descer até embaixo, para nada. Quantas pessoas levam uma existência semelhante, que se chamaria com justiça de preguiça agitada?”
Agimos como formigas quase sempre, subindo e descendo sem razão o tronco das árvores, e pagamos um preço alto por isso: ansiedade, aflição, fadiga física e mental. Nossa agenda costuma estar repleta. É uma forma de fugir de nós mesmos, como escreveu sublimemente um poeta romano. O resultado é inquietação.
Eliminar ao menos algumas das tantas tarefas inúteis que nos impomos a cada dia é vital para a euthymia da qual falavam os sábios gregos. Quem busca a paz fará bem em refletir na frase com a qual Demócrito iniciou um livro que, tamanha era sua força, sobreviveu aos séculos, ainda que com base apenas em citações.

Paulo Nogueira - Diário do Centro do Mundo.

OS SICÁRIOS DA PLUTOCRACIA E A NEGAÇÃO DA DESIGUALDADE: Um artigo do Nobel Paul Krugman

O artigo abaixo, do americano Paul Krugman, Nobel de Economia, foi publicado no site unisinos.
Há algum tempo publiquei um artigo intitulado “Os ricos, a direita e os fatos” no qual descrevia os esforços para negar, obedecendo a motivos políticos, evidentemente, o forte aumento da desigualdade nos Estados Unidos, sobretudo nos níveis mais altos de de renda.
Provavelmente não surpreenderá ouvir que descobri um punhado de modelos estatísticos irregulares nas altas esferas.
Tampouco surpreenderá saber que quase nada mudou. Os desconfiados de plantão não apenas continuam a negar a evidência, como também insistem em espalhar os mesmos argumentos desprestigiados: a desigualdade não está de fato aumentando; bem, é verdade, está aumentando sim, mas isso não faz diferença porque temos muita mobilidade social; de qualquer forma é boa, e qualquer um que insinue que isso é um problema é um marxista.
O que talvez os surpreenda é o ano em que publiquei este artigo: 1992.
O que me leva à última disputa intelectual, provocada por um artigo de Chris Giles, redator-chefe de economia do The Financial Times, desafiando a credibilidade do livro de Thomas Piketty, intitulado O Capital no Século XXI, que foi um sucesso de vendas. Giles afirma que o trabalho de Piketty comete “uma série de erros que distorcem suas descobertas”, e que, de fato, não há provas claras de que a concentração da riqueza esteja aumentando. E, como quase todos os que têm acompanhado estas polêmicas durante anos, disse a mim mesmo: “Aqui estamos outra vez”.
Como era de se esperar, Giles não saiu bem visto do debate provocado. Os supostos erros eram, na realidade, a margem de ajustes de dados normal em qualquer pesquisa baseada em diferentes fontes. E a afirmação crucial de que não há nenhuma tendência clara que aponte para uma maior concentração da riqueza estava apoiada em uma conhecida falácia, uma comparação de peras e maçãs, sobre a qual especialistas já haviam alertado há muito tempo, e que eu identifiquei no mencionado artigo de 1992.
Correr o risco de dar muitas informações, está é a questão. Temos duas fontes de dados, tanto sobre a renda como sobre a riqueza: as enquetes, nas quais se pergunta às pessoas sobre suas finanças; e os dados fiscais. Os resultados das pesquisas são úteis para manter um controle sobre os pobres e a classe média, mas subestimam, evidentemente, as rendas mais altas e a riqueza, de uma maneira geral, porque é difícil entrevistar uma quantidade suficiente de multimilionários. Por isso, os estudos sobre o 1%, o 0,1%, e os demais, se baseiam principalmente nos dados fiscais. No entanto, a crítica publicada no The Financial Times comparava cálculos antigos de concentração de riqueza baseados em dados fiscais com cálculos recentes de pesquisas, o que causa uma distorção imediata que impede a identificação de uma tendência ascendente.
Em resumo, esta última tentativa de desacreditar a ideia de que nos transformamos em uma sociedade muitíssimo mais desigual ficou desprestigiada por si só. Era de se esperar. Há tantos indicadores independentes que mostram um forte aumento da desigualdade, desde os preços nas alturas dos imóveis de mais alto padrão até o auge dos mercados de bens de luxo, que qualquer afirmação de que a desigualdade não está aumentando tem que estar baseada quase que à força em uma análise errônea dos dados.
No entanto, a negação da desigualdade persiste, praticamente pelas mesmas razões pelas quais persiste a negação sobre a mudança climática: há grupos poderosos muito interessados em negar os fatos, ou pelo menos em criar uma sombra de dúvida. De fato, podem ter certeza de que a afirmação de que “todos os números de Piketty estão errados” será repetida até o infinito, embora seja rapidamente derrubada ao ser analisada de perto.
A propósito, não estou acusando Giles de ser um sicário da plutocracia, embora existam alguns autoproclamados especialistas que se encaixem nessa definição. E não há ninguém cujo trabalho esteja acima de qualquer crítica. Mas quando se trata de assuntos com peso político, os detratores do consenso têm que estar conscientes de si mesmos; precisam se perguntar se na verdade procuram a honestidade intelectual ou se o que estão fazendo na realidade é atuar como duendes da preocupação, céticos profissionais das crenças liberais (Por incrível que pareça, na direita não há duendes que desacreditem as crenças conservadoras. É curioso como a coisa funciona).
Portanto, isto é o que necessitam saber. Sim, a concentração tanto de renda como de riqueza nas mãos de poucas pessoas aumentou enormemente no decorrer das últimas décadas. Não, os destinatários dessas rendas e proprietários dessa riqueza não são um grupo em constante transformação: as pessoas deslocam-se com bastante frequência da base do 1% para o topo do seguinte percentual e vice-versa, mas isso de passar de mendigo a milionário e de milionário a mendigo ocorre raramente (a desigualdade da renda média ao longo de vários anos não está muito abaixo da desigualdade em um ano determinado). Não, os impostos e as ajudas não mudam significativamente o panorama; na verdade, desde a década de 1970, os grandes cortes de impostos na camada mais alta fizeram com que a desigualdade depois dos impostos aumentasse mais depressa do que a desigualdade antes dos impostos.
Esta imagem incomoda a alguns porque favorece as exigências populistas de impostos mais altos para os ricos. Mas as boas ideias não necessitam ser vendidas sob falsos pretextos. Se o argumento contra o populismo apoia-se em afirmações falsas sobre a desigualdade, devemos considerar a possibilidade de que os populistas tenham razão.

sábado, 12 de julho de 2014

PERDER, GANHAR, VIVER...

Perder, Ganhar, Viver

Carlos Drummond de Andrade.

Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido e queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que errara muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos traidores da pátria; vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso esportivo; vi a dor dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo clamor de desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o gênero das palavras, acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a aflição dos produtores e vendedores de bandeirinhas, flâmuIas e símbolos diversos do esperado e exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza pública e dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi tanta coisa, senti tanta coisa nas almas…

Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo.

Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher um objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos para a quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas.

Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na maioria das cabeças, o senso da moderação, do real contraditório, mas rico de possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também não somos uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão relativo, com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.

E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?

sexta-feira, 11 de julho de 2014

O Capitalismo e a Plutocracia



Publicado originalmente no Politico.

No início deste ano, a maneira mais confiável para um bilionário aparecer nas manchetes era comparar a sugestão de aumento de impostos com a Alemanha nazista. Ultimamente, porém, a mudança mais interessante na política da plutocracia tem sido mais gentil.
Haverá mais analogias a Hitler, é claro, mas um outro grupo entre o super-ricos está começando a ir no sentido oposto. Alguns plutocratas aceitam a evidência de que o capitalismo não está mais funcionando para a classe média, e estão tentando descobrir o que fazer sobre isso.
Agora não é apenas George Soros, o bilionário de fundos especulativos, que alegremente se descreve como um traidor da classe e que tem se preocupado com as deficiências do que ele chama de fundamentalismo do livre mercado por décadas. Entre os plutocratas, esta perspectiva outrora radical está se popularizando.
Pôde-se ver isso em Londres, no final de maio, em uma conferência sobre “capitalismo inclusivo”. Nos graciosos salões dourados do Guildhall, a sede histórica da cidade, um dos dois centros do mundo das finanças, os investidores internacionais que controlam 30 trilhões de dólares em capital – um terço do total global – se reuniram para discutir, como disse Paul Polman, CEO da Unilever, “a ameaça capitalista ao capitalismo”.
Polman e Lynn Forester de Rothschild, organizadora da conferência, escreveram em um ensaio introdutório que o capitalismo “muitas vezes provou ser disfuncional em aspectos importantes. Muitas vezes incentiva uma visão estreita, contribui para grandes disparidades entre os ricos e os pobres e tolera o tratamento irresponsável de capital ambiental. Se esses custos não podem ser controlados, o apoio para o capitalismo pode desaparecer”.
Isso foi apenas a abertura. A discussão iniciou com Fiona Woolf, a prefeita do distrito financeiro da cidade de Londres, que alertou que o capitalismo precisa ser “para todos, e não apenas para uns poucos privilegiados”. Em seguida foi oPríncipe Charles - sim, aquele príncipe Charles - que falou que o triunfalismo do capitalismo quando a União Soviéticaentrou em colapso tinha sido um erro e que “o trabalho a longo prazo do capitalismo é de servir as pessoas, e não o contrário”.
O discurso de abertura da manhã foi feito por Christine Lagarde, diretora executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ela citou tanto a previsão de Karl Marx de que o capitalismo “carregou as sementes de sua própria destruição”, e a caracterização do Papa Francisco sobre a crescente desigualdade como “a raiz do mal social”. Ela pronunciou-se contra a reação favorita dos centristas sobre o aumento das desigualdades, “que, em última instância devemos nos preocupar com a igualdade de oportunidades, não a igualdade de resultados”. O problema, disse a senhora Lagarde, é que essa oportunidade nunca poderá ser igual em uma sociedade profundamente desigual. Ela pediu mais sistemas tributários progressivos e maior uso do imposto sobre a propriedade.
Estas prescrições podem ser naturalmente esperadas dos populistas que levaram Bill de Blasio à prefeitura de Nova York após 12 anos de reinado plutocrático de Mike Bloomberg ou dos partidários de Elizabeth Warren, a senadora liberal de Massachusetts. Mas elas vieram da diretora executiva do FMI, cuja organização tem sido a vilã na visão de mundo do movimento anti-globalização, o cérebro diabólico da “doutrina de choque” da plutocracia para dominar o planeta.
Essa narrativa ainda está bem viva - Lagarde recusou um convite para ser palestrante no início deste ano no Smith College depois que alunos e professores reclamaram que ela não deveria ter sido convidada porque o FMI era “um sistema corrupto” que alimenta a opressão e o abuso de mulheres em todo o mundo.
No Guildhall, o dia terminou com o discurso do orador principal da noite, um dos arquitetos e fiscalizadores do capitalismo global, Mark Carney, governador do Banco da Inglaterra. Ele disse que o aumento da desigualdade de renda era real e internacional: “No seio das sociedades, praticamente sem exceção, a desigualdade de resultados, tanto dentro de uma geração como intergeracionalmente, tem comprovadamente aumentado”. Ele refutou o argumento centrista popular que isso tem a ver com meritocracia: “Agora é a hora de ser famoso ou de ter sorte”. E ele avisou, com uma linguagem forte, que o sistema capitalista estava em risco: “Assim como qualquer revolução come seus filhos, o fundamentalismo de mercado sem controle pode devorar o capital social essencial para o dinamismo de longo prazo do próprio capitalismo”.
O espetáculo de plutocratas comendo risoto porcini em uma mansão georgiana e lamentando os excessos do capitalismo clama pela ironia de Tom Wolfe - um comentarista britânico foi nessa direção ao satirizar que a reunião teria sido mais apropriadamente chamada de um encontro sobre o “capitalismo exclusivo”.
Mas esse foi precisamente o ponto – e por que a conferência, e a tendência mais ampla é parte da questão. A maior parte da conferência “Capitalismo Inclusivo” não foi registrada, mas os participantes foram nominalmente convidados da plutocracia global, incluindo Eric Schmidt, presidente executivo da Google, Stephen Schwarzman, co-fundador e CEO da Blackstone, e os CEOs das companhias UBS, GlaxoSmithKline, Dow Chemical e Honeywell.
Há outros sinais dessa mudança. As finanças sociais, que levam em conta os objetivos sociais e ambientais, está se movendo de um nicho pequeno para a maioria – 1 trilhão de dólares foram investidos em fundos de financiamentos sociais nos Estados Unidos em 2012, um aumento de cinco vezes de 202 bilhões de dólares em 2007. Sallie Krawcheck, uma ex-executiva sênior do Citigroup e do Bank of America, em junho abriu um fundo de índice focado em empresas com um maior número de mulheres em cargos superiores e em seus conselhos de administração. Ela disse que o objetivo é ter um impacto social e ao mesmo tempo ganhar um retorno de investimento justo. Alguns outros líderes empresariais, em indústrias que não são consideradas como tendo muita consciência social, estão começando a apoiar políticas públicas que elevariam seus custos no curto prazo. Eles incluem o CEO do McDonalds, que em um discurso pouco notado, em maio ûltimo, disse que o “McDonald’s vai ficar bem” se o salário mínimo subir.