terça-feira, 29 de outubro de 2019

Haicais do meu jeito


                                                                           Bashô

Você sabe o que é um Haikai?

Bom, o nome parece denunciar a origem da palavra, não é mesmo?

Haikai é um vocábulo composto por duas palavras da língua japonesa: hai = brincadeira, gracejo; e kai = harmonia, realização. É um tipo de poema bastante diferente daqueles que sugerem nossa memória, já que à primeira vista sua forma e disposição na página pouco lembram o modelo literário tradicional. São poemas pequenos, com métrica e moldes orientais e seus primeiros registros datam de um longínquo século XVI.

Bastante difundido no Japão, seu país de origem, o haikai encontrou espaço na Literatura Brasileira através de representantes como Paulo Leminski, Millôr Fernandes e Guilherme de Almeida. Mas foi Afrânio Peixoto, em seu livro de 1919, chamado de Trovas Populares Brasileiras, quem primeiro falou a respeito do poema japonês. Outros autores também falaram sobre suas impressões sobre o haikai, mas foi Afrânio Peixoto o principal divulgador e difusor dessa arte no Brasil. No Japão, Bashô, pseudônimo de Matsuo Munefusa, foi um dos principais poetas haicaístas em uma época em que escrever haikais era uma das principais diversões e passatempos do homem japonês do século XVII. Foi ele quem deu força à importância e à prática do haikai em seu país.

Fonte: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/literatura/haikai.htm



                                                               Paulo Leminski


Foi então que decidi brincar de escrever haikais, que prefiro aportuguesar para haicai. Do meu jeito:




Como num céu de aves
Um coração num voo mágico
Rabisca versos suaves

Do sol o brilho
Distante da montanha
Sapo andarilho

Lua andeja
Pássaro na árvore:
Coruja deseja

Casinha feliz
Esplêndida varanda
Pássaro aprendiz

Mar agitado
Pescador suspeita_
Tubarão espreita

Lágrima que cai
Que vem dos olhos do céu
Chuva na terra

Um grito ecoa
A vida em movimento
: Sapo na lagoa

Adeus meu amor
Procuro novo sabor
: Doce morango

Cartas de tarô
Sobre a mesa
Descarta o amor.


J Estanislau Filho



terça-feira, 15 de outubro de 2019

Amnésia




Evandro tentava compreender os motivos que o levara a se esquecer de eventos pretéritos e até mesmo presentes. Não entendia o sentido da existência de televisão, rádio, computador. Não enxergava matas, rios, nem mesmo pássaros em cativeiro. No zoo viu tamanduá dar bandeira. Em síntese, Evandro não entendia o sentido da vida. No estágio inicial do transtorno, conseguia apreender o instante já, o agora, que se esvaia, na vã tentativa de segurá-lo na memória.
      Andava pelas ruas e avenidas, entrava em supermercados reparando tudo, mas atento ao itinerário que o conduziria de volta à sua casa. Pegava ônibus e metrô, distribuía sorrisos e cumprimentos e ao regressar não se lembrava onde estivera. Olhava-se no espelho durante um longo tempo, ora sorrindo, ora fazendo caretas. E perguntava: - Quem é você? De onde veio, para onde vai?
      A família e os amigos demoraram a entender que Evandro não estava bom da cachola. A coisa foi acontecendo de modo imperceptível e quando perceberam, estava em estágio avançado: Evandro perdera completamente as faculdades mentais, concluíram. Não falava coisa com coisa.
     No começo ele conversava, aparentemente, normal. Respondia com clareza às perguntas; falava de literatura e filosofia: “se Stravoguini crê não crê que crê, se Stravoguine não crê, não crê que não crê”, citando Camus, analisando o personagem de Dostoiéviski em o Mito de Sísifo. Gostava de Ivan Karamazov e Joseph K. Dizia-se ser o homem dionisíaco, do meio-dia, além do bem e do mal.
    Deixou-se levar a um eminente psiquiatra, que se interessou pelo caso. O problema de Evandro o interessou tanto, que ele abriu mão dos honorários e cancelou consultas, para garantir agenda ao novo cliente. O Dr. Hipócrates vislumbrou a possibilidade de elaborar uma nova teoria sobre a condição humana. “Ah Evandro, poderei ser o primeiro especialista da psiquê tupiniquim a ganhar o Prêmio Nobel de psiquiatria...”, devaneava o médico, com olhos esbugalhados e cabelos desgrenhados. Evandro olhava o psiquiatra e ria um riso do outro mundo. O médico esfregava as mãos de contentamento.
      Dr Hipócrates receitou-lhe centenas de comprimidinhos coloridos e Evandro ingeria-os com sonoras gargalhadas. Às vezes os retiravam das cartelas e os espalhavam sobre a mesa. E se distraia construindo castelos, mandalas, edifícios e outras coisas incompreensíveis às pessoas lúcidas. Acontecia de sair à rua nu, para desespero dos familiares. Ao ser recolhido, recebia beliscões de advertência e ele ria, ria, ria e dizia, “mamãe, você não quer Vandinho pelado mais não? Ah mamãe...”
     Hematomas brotavam em seu corpo, marcas da intolerância humana. Evandro, outrora um trabalhador responsável, rapaz de bons modos, tornara-se um estorvo. A família pediu ao Dr Hipócrates que o internasse imediatamente. O psiquiatra sorriu de contentamento. “Muito bem, decisão sábia. Assinam esses documentos, que me autorizam a cuidar do paciente, certo? Doravante cuidarei de você – disse olhando para Evandro, que se encontrava sentado na poltrona do consultório, de olhos fixos em um ponto indefinido – meu rapaz, vamos dissecar sua mente e revelar à humanidade os avanços da indústria farmacêutica da medicina, muito obrigado, podem ir”. – Ficamos livre daquele mala – disse Ana Flávia, a irmã, cujo endereço, na internet é flavialindinha.com.br .
    Poucos anos depois, Evandro e Dr Hipócrates foram encontrados nus, por funcionários do Ibama, atirando pedras para o ar e aparando com a cabeça, próximos de uma cachoeira na Serra do Cipó. Ambos foram entregues às respectivas famílias, pois, com a nova legislação, não se permite internar pessoas com transtornos mentais.

J Estanislau Filho


Com Geraldo Bernardes no lançamento de Palavras de Amor no Berimbau Circo Bar - Contagem-MG

domingo, 13 de outubro de 2019

Sabedoria Materna


                                                                    Imagem: jef



Minha mãe era uma analfabeta sábia, mal sabia rabiscar o nome. Tinha uma memória privilegiada, dizia inúmeras frases de efeito moral e espiritual, o que me valeu uma razoável educação de berço. Era uma excelente contadora de histórias. Aprendera as mais belas histórias com o seu tio José Mota. Ficávamos horas e horas extasiados com os relatos dos personagens de suas histórias, o que ela teatralizava muito bem. Éramos uma escadinha de irmãos.
     Suas histórias tinham bandidos e mocinhos, mas geralmente com desfechos de comportamentos morais e espirituais, onde valorizavam a coragem, a tolerância e a solidariedade. Ela sempre iniciava com o bordão dos contadores de histórias, “Era uma vez...”
     Dentre muitas histórias, minha mãe contava uma que não esqueci detalhe por detalhe, mas como é longa, vou resumir com minhas palavras. Havia num vilarejo dois indivíduos polêmicos, um era muito corajoso, o outro um conhecido medroso. O corajoso era muito elogiado pela comunidade e o medroso intensamente achincalhado.
     Para demarcar bem as diferenças notórias do corajoso e do medroso, propuseram uma prova: à meia noite irem um de cada vez até o cemitério e acender uma vela no maior túmulo daquele campo santo. O vilarejo era um lugar muito feio e obviamente o cemitério mais feio ainda. Era num alto de um morro, perto de uma frondosa gameleira e recheados de casos de aparições. O corajoso aceitou de pronto a tal prova e o medroso relutou em aceitar, mas acabou aceitando.
     Chegou a noite fatídica. Primeiro foi o corajoso e em poucos minutos os moradores do vilarejo viram lá no alto daquele tenebroso morro a vela acesa no indicado túmulo do cemitério em questão. Chegou a vez do medroso, lá foi ele com a respiração ofegante, rompendo a escuridão com o coração saindo pela boca. Desfilava em seu pensamento histórias de aparições de almas penadas e até do príncipe das trevas. Uma simples folha de bananeira no caminho transformava-se em sua imaginação em um enorme caixão. A cada revoada de um curiango, quase desmaiava. Pensou em desistir e carimbar para sempre a pecha de medroso. Também pensou como poderia depois encarar a esposa, os filhos e as chateações dos moradores. De repente encheu o peito de determinação e caminhou firme. Adentrou-se ao cemitério, foi ao túmulo indicado e a população, perplexa, viu a vela acesa rompendo aquele breu distante.  Daquele dia em diante ninguém o chamou de medroso.

                                                               Imagem: Google - Jampruca-MG

     No final desta história minha mãe fazia a seguinte pergunta: “Quem foi o herói desta prova?” Nós, em nossa ingenuidade infantil respondíamos que era o corajoso, pois conseguiu realizar a prova em menos tempo. Minha mãe explicava que foi o medroso, pois ele tinha vencido o próprio medo.
     Como eram sábias as histórias de minha mãe! Quando vencemos nossos limites, vencemos as adversidades da vida.

Sô Lalá

Com esta crônica homenageio todas as mães do mundo.



Tropeiro fala de tropa
Carreiro fala de boi
Granjeiro fala de horta
Velho fala do que foi

Autor desconhecido

Esta trova, cujo autor desconheço, retrata bem o meu perfil.
Gentileza gera gentileza



Lair Estanislau Alves é mineiro de São João do Oriente. Escreve no Recanto das Letras sob o pseudônimo de Sô Lalá. Tem um livro publicado: Eu Conto.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Fernando

                                                 J Estanislau Filho, Raul e Fernando








o céu ficou negro
um risco de fogo rasgou as nuvens
que insistiam com seus movimentos agitados
querer cair sobre a terra com seu peso de água
pássaros emigravam deixando apenas o eco
de um canto enigmático

um clarão se fez
as nuvens se abriram e um trovão em forma de criança
caiu sobre a terra
precisamente no útero de minha amada

de gritos
de lutas
de orgasmos fecundou
hoje ele mora conosco

como um pequeno raio invadiu nossos corações
agitado como o trovão percorre todos os cantos da casa
levando consigo uma tempestade
e por onde passa deixa a sua marca


      Poema do meu livro Nas Águas do Arrudas - 1984 


J Estanislau Filho



 Fernando, Estanislau, Angélica e Raul

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Nicholas






Chegou com a lua cheia,
antecipando a primavera
que se instalou, naquela madrugada
em cada coração!
Chegou para romper fronteiras
unir mundos
em um círculo de amor que
vem desde o interior da Bahia
deságua no mar das Alagoas
bebe o ar gelado da Cordilheira dos Andes
e se instala na frenética São Paulo.
É, sem dúvida, o melhor de nós!
É Vida se renovando, Esperança
Sonho e Luz, em nossos caminhos.
Abençoada seja sua chegada e a sua vida,
meu neto!






Edna Lopes


Texto e imagens gentilmente cedidas por Edna Lopes