domingo, 30 de setembro de 2018

Livro

                                                                      Imagem: jef





Divulgá-lo é bom,
não como reles mercadoria,
fashion batom...
Encontra-se na biblioteca ou livraria
em mais de cinquenta tons...
Que gênero você escolheria?

J Estanislau Filho









                                                                              Imagem: Biblioteca Nacional


sexta-feira, 28 de setembro de 2018

ódio não











imagem: blasting news




imagem: google





o ódio se espalha
no espelho e na cara
se se chama gente de gentalha
e a palavra má não para:
petista vira petralha
esquerda esquerdaopata
minorias bucha de canhão
esbraveja em disparata
disseminando a desunião
em efeito cascata
bala apenas doce
beijo na boca na testa
o ódio foi-se
o fim da barbárie
e mais civilização
ódio em série
ele não seu besta
o ódio é uma bosta
é o amor que move
e remove montanhas
em noites com sol
luar na manhã
fé que se acena
amor que se assanha
vida vida plena




imagem: Google

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

CARTA ABERTA AOS PASTORES E IGREJAS QUE APOIAM BOLSONARO




Por Hermes Fernandes
"Sangue nas mãos": a carta de um pastor às igrejas que apoiam Bolsonaro
Senhores (as) líderes evangélicos, graça, paz e discernimento!
As eleições se avizinham, e boa parte dos pastores de nosso país tem manifestado seu apoio à candidatura de Jair Bolsonaro. A maioria alega ser ele o que melhor representa os anseios do povo evangélico, principalmente devido ao seu discurso favorável à família tradicional e aos valores morais tão caros ao cristianismo.
De repente, sinto-me como se houvesse viajado no tempo e revivesse os dias da guerra fria, quando o mundo se via ameaçado pela eclosão de uma guerra nuclear envolvendo as duas potências mundiais: A União Soviética e os Estados Unidos. Colegas vociferam de seus púlpitos sobre o perigo do comunismo que ronda a nossa sociedade. Pergunto-me em que mundo estamos vivendo, afinal? Qualquer um que levante sua voz a favor do pobre, do excluído, do oprimido, logo é tachado de esquerdopata, comunista, “agente do inferno”, e coisa parecida.
Os senhores já pararam para se perguntar sobre o que estaria por trás deste discurso ultraconservador? Há uma onda conservadora varrendo a Europa e os EUA, suscitando velhos rancores contra os imigrantes, os homossexuais, as minorias, a classe operária, etc.
No meio desta avalanche de intolerância, eis que uma voz destoante se faz ouvir mundo afora. Não de um pastor como foi nos dias de Luther King nos EUA, ou de Bonhoeffer na Alemanha, mas de um Papa, líder da instituição mais conservadora do mundo. Por ironia, justamente o primeiro Papa latino-americano se levanta contra tudo e contra todos os que insistem em ressuscitar um discurso que há décadas parecia ter sido abandonado e enterrado. Enquanto isso, a igreja evangélica, que por tanto tempo esteve na vanguarda na luta pelos direitos humanos passa a se aliar com o que há de mais retrógrado e ultrapassado. Que vergonha! Tudo em nome de nossos escrúpulos moralistas.
Conseguiram a façanha de diluir o puro Evangelho da graça num discurso de ódio e intolerância.
Esquecemo-nos dos colegas que foram perseguidos, torturados, e, alguns até mortos e desaparecidos, durante o regime militar. Justificamo-nos no fato de que o tal candidato defenda os mesmos valores. Será que ser a favor da tortura soa menos cruel quando se é contrário ao aborto? Será que ser a favor do armamento da população condiz com o que foi ensinado por Jesus? Afinal, bem-aventurados são os pacificadores ou os que pretendem armar a população? Ser pela família tradicional abona a conduta de quem se revela contrário aos direitos trabalhistas conquistados a duras penas? Se você, pastor, é contra tais direitos, recomendo que não aceite mais dízimos de décimo-terceiro ou de férias de seus membros.
Não ajamos como o profeta Natan que encorajou a Davi a construir o templo, afirmando-lhe categoricamente que Deus o havia escolhido para aquela empreitada. Porém, o Senhor não o tinha autorizado a fazer tal coisa, de modo que, mesmo constrangido, teve que retornar ao rei e dizer-lhe a verdade. Por causa do sangue que havia em suas mãos, Deus não o designou para edificar Sua casa, ainda que já houvesse levantado todos os recursos para tal, e recebido do Senhor a planta, caberia ao seu sucessor tocar a obra.
Quem somos nós para abençoar o que Deus não abençoou? Quem somos nós para encorajar o que contraria frontalmente a Sua vontade?
Sei que muitos alegarão que tudo não passa de manipulação da mídia esquerdista. Mas basta assistir aos inúmeros vídeos de discursos e entrevistas do candidato para verificar que exatamente assim que ele pensa. Ele mesmo afirma que o trabalhador terá que escolher entre ter seus direitos assegurados ou o emprego. Ele é quem diz com todas as letras que o Estado não é laico, mas cristão e que as minorias terão que se dobrar à vontade das maiorias. Ele diz que seria incapaz de amar um filho homossexual e que a homossexualidade é falta de p*rrada na infância. Diz que não empregaria uma mulher, já que esta engravida. Diz que educou seu filhos para que jamais namorassem negras. Diz que em seu governo os índios não receberiam nem mais um centímetro de terra. Se ele é a favor da família tradicional, por que disse que usava o apartamento para “comer gente”? Como defender quem diz que uma mulher não merecia ser estuprada por ser feia? Como apoiar quem defende o uso da tortura se somos seguidores de um Cristo torturado e morto numa cruz? Como apoiar quem diz que ordenaria que helicópteros metralhassem uma favela se os criminosos não se rendessem? Será que na favela só mora bandido? Com que cara visitaremos os presídios para pregar o amor de Cristo depois de apoiar que tem como slogan “bandido bom é bandido morto”?
O sangue de toda uma geração poderá cair em nossas mãos!
Se você é pastor de uma pequena congregação, talvez esteja indo na onda de grandes líderes que já manifestaram seu apoio a Bolsonaro. Não seja ingênuo. Muitos deles o fazem, não por convicção, mas por conveniência, movidos por interesses nem sempre louváveis (alguns até sórdidos).
Lembre-se de quem nos considerou fiéis, pondo-nos em seu ministério (1 Timóteo 1:12), e que um dia, teremos que prestar contas (Hebreus 13:17).
Por isso, deixo aqui uma recomendação que deveria perturbar o sono de todos os que levam a sério o ministério pastoral:
“Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho.” 1 Pedro 5:2,3
Não compete a pastor algum dizer em quem seu rebanho deve votar. Mas compete-nos instrui-los a reconhecer os riscos por trás de todo discurso de ódio e intolerância.
Jesus disse que enquanto o bom pastor dá a vida pelas ovelhas, o ladrão, ao ver o lobo, foge e deixa suas ovelhas à mercê do perigo. Portanto, cumpramos nosso papel. Pois cuidar das ovelhas que nos foram confiadas é a melhor maneira de dizer: TU SABES QUE TE AMO, SENHOR.

Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/sangue-nas-maos-acarta-aberta-do-pastor-hermes-fernandes-as-igrejas-evangelicas-que-apoiam-bolsonaro/

Filhos da Terra: Capítulos 17 e 18



Rapidinho:

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.
Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição
Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.




17 - Vitória

Zenaide sentiu faltar o chão sob os pés, quando fora o diagnóstico confirmou ser ela soro-positivo. Chorou convulsivamente. Por mais que os médicos dissessem que o vírus poderia não se desenvolver, e o coquetel era um medicamento poderoso, podendo, com certos cuidados, levar uma vida normal, ela não se conformava. Sentia-se culpada por ter colocado no mundo uma filha nessas condições. Os exames comprovaram que, a criança que nascera de uma cesariana, não estava infectada. Mas Zenaide não acreditava, dizia estar lhe ocultando a verdade. Chorava mais ainda ao lembrar-se de Francisco, o filho saudável de Edileuza e Tenório, motivo de orgulho da avó. Estava insegura quanto ao futuro da menina, de ela ser rejeitada na possibilidade  de ser portadora do vírus HIV, de não receber a mesma atenção da família. Sentia-se amargurada ao lembrar das inúmeras tentativas de aborto. Nesse momento a mãe precoce necessitava de apoio e orientação, que não faltaram dos funcionários do SUS, nem da família. Ao chegarem em casa foram recebidas com alegria verdadeira. Abraçaram-se. Dona Sônia confortou-a, ao ponto de arrancar-lhe um sorriso. Ao pegar a criança no colo e ver aquele ser frágil, que vencera as dificuldades de nascer, chorou de emoção. - Zenaide, ao invés de ficar triste, devia agradecer a Deus por tudo. Pensou se a criança morresse? Como iria se sentir? Talvez morresse junto ou carregaria um sentimento de culpa por um longo tempo. Você está bem. Quanto a AIDS, procurei me informar. Estarei ao seu lado toda vez que for ao médico, vamos participar, juntas, das palestras. Vai ter de mudar o comportamento, evitando pegar gripe e se machucar. Deve alimentar-se bem, seguir as orientações médicas. Tomar juízo nesta cabecinha oca. Sexo, só de camisinha, para não passar a doença a outras pessoas. Existe um programa do governo para os portadores do vírus... E a menina é linda. Pena não sabermos quem é o pai. Também nem sei se pai faz falta, vocês foram criadas sem e são maravilhosas. Quanto a esta fofinha aqui, hum, coisinha linda, vai se chamar Vitória, o que acha? É uma vitória, que será maior com você pegando um rumo na vida. Porque agora as coisas mudaram e o sonho das passarelas, ó, acabou-se aos dezesseis anos, quase dezessete, com uma filha pra cuidar - concluiu Dona Sônia olhando ternamente para a neta. Zenaide concordou com o nome sem dizer nada. Em seguida foi para o quarto, descansar. 

                                 *****

O que se passava em seu coração, ninguém tinha acesso. Elói arcara com algumas despesas, conforme prometera, mas não se comunicaram durante toda a gravidez. Zenaide sentia sua falta, pois ele sempre tinha as palavras certas nas horas incertas; não tinha coragem de procurá-lo. Sabia das dificuldades que enfrentaria: sem emprego, sem profissão, o que fazer? Dormiu um sono profundo, enquanto Dona Sônia estava sentada na poltrona da sala, admirando a neta, no berço. Apesar de triste, sentia-se confiante. Edileuza e Tenório estavam bem, Marcelo transformara-se radicalmente. Olhou fixamente o semblante da menina e reconheceu alguns traços de Elói: "Minha intuição não falha, Vitória é filha daquele safado, mas a gente não pode confiar em ninguém, meu Deus! Qual a razão de Zenaide não querer revelar quem é o pai? Isso não vai ficar assim". Decidiu dar um tempo à filha, afinal mal acabara de chegar da maternidade e infectada, outra dor de cabeça.
     Colocou a criança no berço e foi cuidar da casa. Só então lembrou-se de Atílio. Foi ao quarto e o encontrou dormindo e roncando. Acordou-ou, passando as mãos suavemente em sua calva: - Vamos, levante-se senhor folgado. Porque não muda de mala e cuia de uma vez por todas para cá?
     - No dia em que eu me mudar para aqui, será o começo do fim de nossa felicidade. Você não vai suportar o meu ronco e saiba que, libero gases insuportáveis - respondeu, puxando-a para o seus braços. 
     - Vou coar um café, venha conhecer a sua neta.
     - O quê? Está querendo me seduzir usando uma neném, sabe que não resisto e acabo vindo mesmo - disse beijando a face da amada, enquanto se dirigia à cozinha. 
     - Sônia forrou a mesa com uma toalha com figuras de frutas tropicais e serviu o café como bolo de chocolate, que Atílio esperou pacientemente ficar pronto. Enquanto Sônia preparava o bolo e o café, conversavam animadamente. Atílio observava os movimentos ágeis da companheira, sentindo-se excitado vendo-a de lá pra cá, rebolando os quadris. Havia, entretanto, algo estranho, apesar da aparente calma. Percebia uma agitação na companheira e ponderou:
     - Estou te achando agitada. Como médium, você sabe, capto energias. Quer me contar alguma coisa?
     - Quero sim! - respondeu de pronto, aliviada -, estou me sentindo abafada. Você sabe quase tudo de minha vida e me entende. Na verdade estou preocupada com a minha filha. Nossa situação financeira é difícil, embora tenha melhorado nos últimos tempos, a emocional também, mas lidar com a doença de Zenaide, esta doença, você sabe...
     - AIDS. Sei - completou Atílio.
     - Pois é. Isso é o principal, afinal a saúde está em primeiro lugar e esta doença... Mas a minha preocupação é outra, agora. Estou pensando sobre o pai da criança. Quem é?
     - Pai é quem cuida, mas qual é a dúvida?
     - Estou desconfiada do jornalista. Já te contei a história, de como éramos amigos, eles eram muito agarrados. Acho que ele pode ser o pai. O que você acha?
     - Zenaide não quer contar. Estranho é, lógico. O sumiço, assim de repente - apoiou Atílio -, mas o que se pode fazer?
     - Estou pensando em procurá-lo, abrir o jogo - respondeu Sônia, uma mão contra a outra. 
     - Tudo bem, mas vai com jeito. Isso seria um problema pra sua filha resolver, não acha?
     - Atílio, ela é de menor, avoada. Além disso está debilitada. Vou procurá-lo sem que ela saiba, falar com ele, quem sabe... Seria ótimo se ele assumisse!
     - Você é quem sabe. Se quiser posso ir junto - ofereceu.
     - Prefiro ir sozinha. Sua presença pode deixá-lo arredio, uma testemunha, entende? Não, obrigada, meu amor.
     - Está bem, faça como achar melhor.
     Em seguida despediram-se.



                                                    Imagem: Diário de Pernambuco


18 - A República em Perigo

O ano de 2005 não foi nada fácil para o governo federal, que até então vinha bem nas pesquisas de opinião. Com as denúncias do escândalo denominado pela mídia empresarial de "escândalo do mensalão", o governo ficou na defensiva. A imprensa não dava trégua, analistas de plantão emitiam opiniões sobre os rumos da república, concluindo que o caminho seria a renúncia do presidente, ou o seu impeachment. Em meio ao tiroteio, envolvendo, inclusive setores da base aliada, a desordem tomara conta do governo. Dentro do próprio partido do presidente, o clima era tenso. Indignação: "esse é o resultado da aliança com os conservadores, quando deveria ser com o povo"; "o rebaixamento do programa do partido, para acalmar o mercado só poderia dar nisso"; "o não rompimento com as políticas neoliberais tornou o governo refém do sistema financeiro e da elite dominante"; "a responsabilidade é do campo majoritário, que não faz a interlocução com o conjunto do partido e com os movimentos sociais, optou por um diálogo com um congresso atrasado, com o baixo-clero, agora não tem o apoio nem de um nem de outro, está isolado". Estas foram algumas opiniões colhidas por Elói, junto à militância do partido, ele próprio atordoado com a gravidade das denúncias. No Congresso Nacional foi instalada uma CPI do mensalão. Mas de maneira geral até mesmo dentro da oposição e na mídia empresarial, notava-se, ainda que, subliminarmente, a preocupação de preservar o presidente da república. Para alguns analistas a sua queda levaria a um descontrole social sem precedentes, colocando em risco a república. Na redação do jornal, Elói também passava por momentos difíceis. Não tinha argumentos para defender o governo, sentia-se frustrado. Para ele o governo caíra na arapuca do financiamento empresarial de campanha em que tudo pode acontecer. A distribuição de cargos e benesses, para garantir a governabilidade, tinha um preço. Elói acreditava que Paulo César Faria, ex-tesoureiro de Fernando Collor à presidência, fora assassinado porque administrava uma sobra de campanha, que tinha vários donos. 
     Como não queria se estressar, ao sair do trabalho foi em busca de uma companhia feminina. Queria fazer sexo a noite toda. Raramente ia a shopping, pois preferia os barzinhos do Maleta. Mas nessa noite fizera o itinerário oposto. Sabia que circulava nos shopping's garotas de programa lindíssimas, com caras de patricinhas. "Hoje é hoje", dizia enquanto se sentava na praça de alimentação, observando o movimento. Quatro garotas lindas encontravam-se numa mesa perto da sua, comendo sanduíches, bebendo refrigerantes. Saias curtíssimas, coxas bem torneadas à mostra. Uma brincava com o celular; outra contava um caso, animada. Todas jovens. Elói às observava atentamente: "Lindas, todas são lindas, a mulata então, parece não ter mais de dezessete anos, mas com um corpo de mulher experiente; as pernas da outra eu vejo a calcinha vermelha". Enquanto esperava o número da senha, liberando a pizza, bebia um shop escuro, observando ao redor, com discrição. De repente sentiu-se ridículo com aquilo tudo e decidiu ir embora após comer a pizza. Foi então que notou uma garota alta e loira, com um celular pendurado no bolso dianteiro da calça branca e justa. Ela virou as costas e seguiu em outra direção. Tinha o traseiro bem delineado, andava como quem flutua. Seguiu-a com os olhos, parecia um anjo sacudindo a longa cabeleira. O seu coração começou a pulsar forte e, sem perceber, levantou-se da cadeira e foi ao encalço da loira. Ela caminhava em direção ao estacionamento. Seguiu-a de longe e a viu conversando com o motorista de um fiat pálio. Aproximou-se, curioso em ouvir. Negociavam valores por uma noite de amor. Em seguida a garota entrou no carro e partiram. Voltou à praça de alimentação, para comer o último pedaço da pizza. Optou por embrulhá-la, para comer no café da manhã seguinte. Voltou para casa e não teve jeito. Ligou o computador e começou a escrever:
     Sempre quis saber qual seria o futuro desta juventude nesse governo, que tem como prioridade implantar projetos de inclusão social. Sei que em quatro anos não se resolvem problemas estruturais de séculos e não se rompe com esta cultura política de um dia para o outro. Mas esse governo não pode passar o tempo todo se desculpando e culpando a herança maldita. Os avanços são pequenos, diante do tamanho das demandas sociais e ambientais. Não se implementou uma reforma agrária necessária ao desenvolvimento do país, os assentados continuam sentados esperando e se permanecerem sentados não sai a reforma agrária, pois os latifundiários e o agro-negócio são poderosos. Pior agora, com o governo enfraquecido por denúncias de corrupção. É uma ironia ver velhos corruptos na televisão, pilantras que sempre dilapidaram o patrimônio público em proveito próprio, exigindo ética. Assassinos fazendo poses de defensores da vida; filhotes da ditadura exaltando valores democráticos; sonegadores de impostos reclamando de tributos elevados. A grande mídia cumpre o seu papel de guardiã de interesses de uma minoria endinheirada de dentro de de fora do país. As eleições presidenciais estão próximas. Se não houver o impedimento de Lula, possivelmente ele será batido nas urnas, e, numa suposta legitimidade, as políticas de privatizações retornarão sobre os recursos naturais, inclusive. A Petrobras será a próxima. De novo ouviremos que as questões das desigualdades sociais serão resolvidas pelo mercado. Enquanto isso o governo continua enrolado em seu próprio rabo. Não se pode culpar a imprensa por suas lambanças, principalmente por saber que ela é seletiva, tem lado. Por mais que o governo tenha cedido na política de interesse dos grandes grupos econômicos, eles não confiam, têm receios de que Lula resolva dar uma guinada à esquerda, rompendo com o neoliberalismo. Contudo seria lamentável perder a eleição presidencial de 2006, quando em quase toda a América Latina a esquerda via impondo derrotas à direita. Continuo me perguntando sobre o futuro dessa e das novas gerações, quando vejo garotas se prostituindo; o narcotráfico aliciando jovens e o trabalho escravo continua sendo praticado em pleno século 21...


                                                                    Imagem: Google


     Não conseguiu escrever mais. A lembrança da garota loira entrando no fiat ocupava os seus pensamentos. Porque sentiu o coração bater acelerado quando a vira? Contivera o ímpeto de detê-la, quando negociava o sexo com o cliente. Sentira-se diminuído ao perceber que fora fazer a mesma coisa. Não se tratava de moralismo barato, nem de pieguice. Um país em que uma pessoa seja obrigada a vender o seu corpo para sobreviver, definitivamente não é um país justo", escreveu e leu, para sentir o efeito. E acrescentou: "Viver em um país em há crianças vendendo balas em sinais; que há exploração sexual de crianças e adolescentes ou de adultos; que tem trabalho escravo e salários aviltantes...
     Parou. Pegou a garrafa de uísque e serviu-se de uma dose, pensando em sua vida. O que fizera de concreto para mudar tal realidade? Para os padrões do país, era um privilegiado. Dava-se ao luxo de morar em um apartamento confortável; dava-se ao luxo de beber uísque doze anos! Voltou ao computador e anotou: Não carrego na consciência nenhum sentimento de culpa, pois não sou o causador das injustiças sociais. Mas isso não me dá o direito de ficar em silêncio. Quero um país em que todos possam viver com dignidade...
     Sentou-se na poltrona e pensou em Zenaide. Quando Dona Sônia o procurara, para saber se ele era o pai de Vitória, respondera calmamente:
     - Não, não sou o pai, mas poderia ter sido. Ela não quis, quando lhe propus registrar a criança em meu nome, mesmo não sendo o pai biológico. 
     - E porque bancou as despesas e nunca mais nos procurou?
     - Vou revelar uma intimidade: não nego que desejei sua filha, mas ela era menor de idade, seria arranjar um problema. Meu sentimento por ela estava confuso, queria ajudá-la, mas ao perceber que a levaria para a cama, preferi sair de cena. Não sei se hoje sou suficientemente bom para tomar uma atitude como a que tomei naquela época. Não tenho isso por obrigação, a responsabilidade é dos governos e cabe a nós, cobrar. E se você, Sônia, desculpe-me por chamá-la assim, porque entendo, que senhor e senhora são de engenhos... Como estava dizendo, se você continuar com a ideia de que eu seja o pai, e muito simples: eu faço exame de DNA. Apesar não termos contatos há aproximadamente dois anos, saiba que trago boas recordações de nosso convívio, e espero o mesmo de vocês - concluiu Elói, dirigindo-lhe um abraço afetuoso. 
     - Por favor, me perdoe. Confio em você, sabe como é o coração de mãe - retribuiu o abraço, chorando.
     - Não sei. Como é o coração de mãe? - perguntou sorrindo, para quebrar o constrangimento.
     - Coração de mãe vê coisas. No fundo ele desejava que você fosse o pai verdadeiro - respondeu, beijando-lhe a face.
     - Por favor, não me leve às lágrimas e me fale de Zenaide, da neta, enfim, de todos.
     - Foi então que Elói ficara sabendo que a garota mais linda do bairro era soro-positivo e levava uma vida relativamente normal, fazendo uso do AZT. Trabalhava pegando bico aqui e acolá, para garantir o sustento de Vitória. - Você podia nos visitar um dia desses. O Marcelo largou a bebida; Edileuza me deu um neto lindo, que se chama Francisco. Tenório e Marcelo fazem planos e Zenaide continua com a cabeça no vento, um pouco menos que antes. Na medida do possível está bem - completou Dona Sônia, desculpando-se e agradecendo tudo o que ele fizera pela sua família.
     Movido por um novo sentimento, Elói decidiu que iria visitá-los, assim que pudesse. O coração de manteiga se manifestava. 







Próximos capítulos:



19 - A Loira Misteriosa

20 - Frango Caipira ao Molho Pardo


quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Filhos da Terra: Capítulos 14, 15 e 16


Rapidinho:

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.
Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição
Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.


14 - O Tempo Continua Implacável

A vida segue o seu curso, com cada um se virando como pode. Marcelo era outro que estava com os dias contados. O álcool ia, aos poucos, roendo o seu fígado. Quando alguém lhe dizia para parar de beber, que o álcool matava aos poucos, ouvia como resposta a frase de que não tinha pressa de morrer. Acabou virando um personagem do bairro. Quase todos conviviam com ele, sem maiores problemas. Alguns até lhe pagavam uma dose de pinga, compartilhavam cerveja; outros se recusavam terminantemente, mas ele insistia. Como um cão enxotado, enfiava o rabo entre as pernas e saía, ou continuava rondando o ambiente, mas logo abanava o rabo ao primeiro que surgisse em seu itinerário, em geral de um dos bares do bairro, próximo de sua casa. Algumas vezes fora visto dormindo nos passeios, com as crianças bulindo com ele. A família tentou de todas as formas, afastá-lo do vício. Ele até cedeu, passou vários dias sem beber, trabalhando de servente de pedreiro e frequentando o centro espírita, em companhia da mãe, Edileuza e Tenório. Encontrar bons ajudantes era uma dificuldade que Tenório enfrentava, e nas semanas em que Marcelo o acompanhava nas obras, sentiu-se satisfeito, pois o ajudante era bom de serviço, mas durou pouco, ele voltava sempre pra bebida. Edileuza pedia paciência, como forma de ajudar o irmão. "Tenho fé", dizia Edileuza, "com a nossa ajuda ele vai largar a bebida. Mas Tenório era cético, por conta do próprio processo evolutivo. Para ele, Marcelo havia reencarnado nessa condição, por causa de encarnação passada e pelo seu livre-arbítrio. Mas a amada rebatia, com argumentos da própria doutrina, alegando que o irmão "não reencarnara entre eles por acaso, a espiritualidade o colocou em nosso caminho, para podermos ajudá-lo. Não podemos julgá-lo, talvez ele esteja nessa condição por responsabilidade nossa. Não sabemos o que fizemos em vidas passadas e agora a espiritualidade está nos dando a oportunidade de nos redimirmos, por meio dele, pelo amor", concluía com os olhos umedecidos. Tenório olhava a companheira com ternura e compreensão.
     Impossível, nessas horas não falar da situação em que Zenaide se encontrava. Com muito esforço Edileuza conseguiu convencer a irmã de não prosseguir com a ideia do aborto. Depois de algumas tentativas fracassadas e de muito sofrimento, ela desistiu. Um dia teve de ser levada ao pronto-socorro. Ao tentar enfiar uma agulha de tricô no útero, feriu as paredes da vagina e o sangue jorrou. Foi um desespero. A mãe, que até então não sabia de nada, foi quem prestou os primeiros socorros. Para evitar ocorrência policial, alegaram uma queda no banheiro e ao tentar se segurar, derrubara uma escova pontiaguda , nela caindo sentada, ocasionando, assim, os ferimentos. A garota caminhava para o quarto mês de gravidez, quando da última tentativa de aborto. Antes tomara uns chás de guiné, sem sucesso. Após se conformar, telefonou para a redação do jornal e informou a Elói, que iria a clínica fazer todos os exames, inclusive o de HIV e o pré-natal. Elói garantiu-lhe o apoio e disse, que quando tivesse um tempo livre, iria visitá-los.

                             ************

     Olhando Edileuza às vésperas do parto, Tenório falou da felicidade de ser pai. "Um filho, ou filha, tanto faz, vai mudar a nossa vida", dizia estampando um sorriso sereno, alisando carinhosamente a barriga da futura mãe, com palavras ternas ao pequeno ser, a nova vida que brotava das entranhas da mulher amada. Era a grávida mais bela. Revelara-se uma excelente companheira e não parecia existir no mundo um casal mais feliz. Quanto a irmã, estavam otimistas, apesar de ainda não saber o resultado dos exames. Todos aguardavam com ansiedade, devido a possibilidade de a mãe e feto estarem infectados. "Vai dar tudo certo", dizia Edileuza, com as mãos postas, "mamãe terá dois netinhos", "ou duas lindas netinhas", corrigia Tenório.
"Também acontecer de vir um neto e uma neta, porque não?", completava Edileuza. Abraçaram e se beijaram . Nesse momento ouviram batidas forte na porta. "Deve ser a mãe, conheço seu jeito afobado", disse Edileuza, levantando-se para atender. Mal abriu a porta, Dona Sônia entrou esbaforida: - Minha filha, o resultado é positivo - disse sentando-se no sofá. - Calma mãe, o que deu positivo?  - Ora, filha, Zenaide está infectada, tem aquela doença... - A senhora quer dizer que ela está com AIDS, esse é o nome correto "daquela doença", mãe - corrigiu Edileuza. - É... É isso daí. Meu Deus!, vocês sabiam? Indignou-se. - Não mãe, claro que não. Tínhamos suspeitas, mas isso não interessa. Saber o que aconteceu não muda nada. O que tem de ser feito, será feito. AIDS não é mais um bicho de sete cabeças. Os infectados, com acompanhamento médico, fazendo uso do coquetel, podem levar uma vida quase normal - respondeu a filha em tom professoral. - Ai meu Deus do céu - desesperava-se -, a gente não consegue ter sossego. Mais esta! E a criança, a pobre criança! Alguém sabem quem é o pai? - Zenaide não conta, mãe, diz que não sabe. - Sem pai, com AIDS, sem futuro...
     - Preste atenção, Dona Sônia, vamos esperar. É possível que a criança nasça saudável. Zenaide deixou de ser desmiolada. Ela me contou sobre as palestras que assistido no Iria Diniz e os médicos disseram da possibilidade de o feto não estar infectado. Antes da realização dos exames e até hoje, ela participa, atenta, das palestras. Além da enorme ajuda que Elói esta dando, ela está surpreendentemente responsável, mãe, procurando atendimento, também na saúde pública. Ela me disse não ser justo explorar o Elói. Não é bacana? - dizia Edileuza, para abrandar o coração agitado da mãe.
     - Ah sei não! Às vezes penso que o Elói é o pai, sumiu de repente... Não confio em mais ninguém.
     - Ah pára com isso, mãe! Elói não é o pai, tenho certeza e se fosse até que seria ótimo. Infelizmente não é. Vamos fazer o que tem de ser feito. Nada de pânico, pois a hora é de cabeça fria, Zenaide já sabe?
     - Está sabendo. Vim com ela do médico, esqueceu que ela é de menor? Ela chorou muito, está em casa. Conversamos com o médico e agora começa o tratamento. Segundo o doutor, o vírus não se desenvolveu, há chances , com o tratamento, de a criança nascer saudável. Uma cesariana, sem contato com o sangue. A doença pode se desenvolver, ou não. A medicina está avançada - disse a filha, consolando a mãe.
     - O Lula começou mal. Está pior que o outro. Votei nele porque o Elói pediu, eu queria anular. Os postos de saúde estão abarrotados. Tudo de errado é culpa da tal herança maldita do Fernando Henrique. Em Contagem, então, nem se fala...
     - Eu já me decepcionei com um deputado evangélico. Realmente, Lula está deixando a desejar. Mas é cedo, ele ainda nem esquentou a cadeira. Pior que FHC é impossível. Mas não quero saber de política. Vamos dar apoio a Zenaide, assim como estamos apoiando o Marcelo. Além de ter o nosso sangue, são filhos da terra abençoada e como tais, não se entregam - animou Edileuza.
     - E tem outro jeito? São meus filhos e desejo a todos a maior felicidade do mundo - respondeu a mãe. Em seguida foram ver Zenaide, em repouso.



15 - Para Onde Vai o Governo?



Na redação, Elói passava maus momentos, por ter votado e defendido a eleição de Lula. Ao completar um ano de governo, a realidade econômica e social não davam sinais de melhoras. Ao contrário, a situação estava difícil: a saúde um caos; o desemprego aumentando; a violência crescendo; os ataques da mídia empresarial aumentando e os argumentos em defesa do governo, diminuindo. As pessoas perguntavam: afinal, para onde vai o governo? Elói era alvo de deboches de muitos colegas de redação, que acabavam revelando seus preconceitos e ódio contra o novo governo. E, claro, o governo dava munição aos opositores com declarações confusas e trapalhadas palacianas. Elói não cedia aos argumentos dos colegas, mas intimamente estava decepcionado. O governo aderira à política do capital financeiro; o Partido dos Trabalhadores transformara-se em um apêndice do governo, abrindo mão de sua autonomia, perdendo a capacidade crítica de suas características originais, de partido democrático, socialista e de massas. Não era mais um espaço de organização do povo brasileiro e o governo consolidava políticas conservadoras. A esperança de Ellói era de que os movimentos sociais saíssem do imobilismo, pois somente por meio deles poderia haver pressão sobre mudanças de rumo. Era um governo que estava em disputa, e o poder econômico, com o apoio da mídia empresarial, estava levando a melhor. Elói compreendia, que o poder de fato, estava em outras mãos, representando, simbólica e terrivelmente pelo FMI. O malabarismo continuava com Palocci.
     - E aí, companheiro? - perguntou Manuela, com ironia -, Até quando vamos aguentar este governo chinfrim?
     - Você deve estar se referindo ao governo do estado, esse sim, acabou com a liberdade de imprensa - respondeu irritado.
     - Pelo menos não vejo ninguém reclamando dele, mas o governo federal, puxa!
     - Manuela, o Lula não vai solucionar nada da noite para o dia. Enquanto o seu Aécio intimida jornalistas! Vai ver se eu estou lá na esquina - retrucou, encolerizado.
     - As piadinhas o deixava estressado. A única resposta que conseguia formular era: - cuidado, o Lula pode conquistar um segundo mandato e calar a boca de vocês.
     Embora não tivesse votado em Lula, Renato Barros era bom de prosa. Com ele, mantinha um diálogo de alto nível. Era também um fiel depositário das decepções e críticas de Elói.
     - Renato, na verdade não estou nem um pouco satisfeito com os rumos, ou a falta de rumo do governo - dizia, bebendo seu uísque doze anos, na Cantina do Lucas -, minhas críticas são as concessões absurdas aos padrões econômicos e financeiros ao FMI e a obsessão com o equilíbrio das contas, inclusive, influenciando gastos. Entendem, que gastar com universidades públicas é favorecer as elites endinheiradas, como se fosse um desperdício. Isso é política neoliberal, continuísmo.
     - Sim, concordo. Renato interrompe a conversa, para perguntar ao garçom sobre Seu Olímpio, o velho garçom comunista. - Então, Elói, concordo com você, além das dificuldades por conta das alianças. Você conhece a história do fisiologismo sedento de verbas, o baixo-clero, a corrupção. Essa turma não tem jeito, eles sempre se elegem e não importa quem está no executivo. Entra governo, sai governo, o PMDB está de plantão, para colaborar com a go-ver-na-bi-li-da-de! Já pensou? Sarney, Jader Barbalho, Newton. Sem falar em Paulo Maluf, Delfim... Mas voltando a questão da conciliação, no Brasil sempre foi assim. A história comprova que somos campeões de conciliação de classes e me parece que tem aprovação popular. Neste processo conciliatório, o Estado é instrumento da elite. Muitos defendem, que para melhorar as condições de vida da população é necessário fazer o país crescer, com base em taxas de no mínimo sete por cento ao ano durante décadas, para recuperar os anos de estagnação, etecétera e tal. No governo Fernando Henrique, bastou um leve crescimento, para os problemas de infraestrutura surgirem, houve apagão de energia elétrica. Que tipo de apagão poderá surgir no governo Lula eu não sei, uma vez que ele terá de tomar medidas em favor do crescimento, isto é, se antes não for deposto.
     - Esse é o meu conflito - disse Elói olhando as horas -, a elite do dinheiro não engole o Lula, apesar de ele ser extremamente benevolente  com ela, ficam o pé atrás, por causa de sua origem pobre, sindicalista. E claro, por sua inserção social. Nesse sentido eu o defendo, contra o preconceito de classe, mas quando o vejo aplicando o receituário neoliberal...
     - Eu não descarto a possibilidade de um impeachment - interrompeu Renato -, porém não vejo uma conjuntura favorável. Mas aqui tudo é possível, se for para manter o privilégio de uns poucos. Acontece que saímos recentemente de uma ditadura militar, de um presidente afastado e o Lula teve uma votação expressiva. Torná-lo refém das políticas neoliberais, creio ser a opção preferencial da burguesia nacional e internacional. Assim não será necessário tirá-lo da presidência. O Fernando Henrique era o queridinho das elites, de repente o Lula aparece...
     - É aí que entram os movimentos sociais, porque não é possível! As desigualdades sociais são enormes, há uma demanda e nós, queremos as tais mudanças, não podemos nos omitir - finalizou Elói, anunciando que precisava ir pra casa.
     - Nós não, cara-pálida, vocês. Tô fora, você sabe do meu ceticismo com os políticos... Não tenho idade, nem tempo - retrucou Barros, rindo.
     - Alienado, é isso que você é - respondeu Elói, retribuindo o sorriso.
     - Não misture alhos com bugalhos. Se há governo, sou contra!
     Despediram-se.


 16 - Reviravolta

O que antes era de um jeito, transforma-se repentinamente. Em alguns casos as mudanças são lentas, quase imperceptíveis. Nem mesmo os que têm condições econômicas favoráveis podem se acomodar, pois o mundo está em constante transformação. Alguns conseguem prever as mudanças que acontecerão em décadas futuras e planejam suas ações. De um lado os poucos privilegiados se preparam para uma nova realidade econômica e social, enquanto do outro lado os apartados apertados vão se virando  como podem, correndo atrás do prejuízo, sobrevivendo às intempéries. Permanente mesmo é a luta pela vida.
     É possível fazer algumas previsões catastróficas quando se trata das pessoas que vivem precariamente. É possível prever tragédia social quando governantes atropelam direitos ao defender a responsabilidade fiscal e a redução de déficit previdenciário através de reduções salariais de aposentados e pensionistas; quando criam obstáculos jurídicos e periciais na concessão de aposentadorias; quando são lentos na implantação da reforma agrária; quando não há perspectivas de curto prazo para os jovens. Seria possível prever o futuro da garota mais linda do bairro? Ela teria condições objetivas e subjetivas de realizar os sonhos? Os otimistas e de corações puros diriam que ela seria feliz, que pela sua beleza faria sucesso. Torciam por ela. Os pessimistas empedernidos diriam que o destino dela estava definido: drogas, prostituição, vadiagem, tristeza e dor. Quais eram as opções de Zenaide? Por enquanto deixemos a garota mais linda do bairro e vamos ver o que Marcelo anda fazendo.
     Quem poderia imaginar que ele abandonaria o vício etílico e pegaria rumo na vida? Uma aposta, que nem mesmo os membros da família fariam, exceto Edileuza. Marcelo não só abandonou o vício, como se tornou um exímio pedreiro. Ele e Tenório planejavam construir uma microempresa, a T & M Construção Civil. Não dispunham de capital suficiente, mas estavam otimistas. Marcelo era outra pessoa, as marcas deixadas pelo vício apagavam-se de sua face, a pele estava lisa e depois de ter ido ao dentista, podia sorrir com segurança. As mulheres, mesmo as que o evitavam, agora faziam charme, tentando seduzi-lo. Ele não se fazia de rogado, atendia a todas com atenção, ao ponto de muitas passarem a chamá-lo de "galinha". Ele respondia, "galinha não, galo". E gritava Galo, Galo! Era atleticano, para irritação do cruzeirense Nestor do Bar. De fato, nas noites de folga e em finais de semana, estava sempre acompanhado de uma garota diferente. Dona Sônia o aconselhava arranjar uma moça séria, para constituir uma família e progredir na vida. O filho respondia que não queria saber de casamento, precisava recuperar o tempo perdido no alcoolismo. Nas conversas sobre sexo, em casa ou com os amigos, gabava-se de sua virilidade. Em tom machista dizia não conseguir trepar com todas as mulheres do mundo, mas estava tentando. Tenório e Edileuza esforçaram-se em convencê-lo a se manter fiel à doutrina kardecista, mas ele preferiu ser voluntário do AA. Depois de se livrar do vício, continuou assíduo, empenhando na causa, como forma de retribuir a ajuda recebida. Frequentava o AA Mãos Amigas, dava depoimentos, ajudava a manter a sede organizada, um exemplo de que é possível sair da dependência química.
     Dona Sônia, inteiramente recuperada da perda de Wallace, frequentava o centro espírita. Estava feliz, apesar dos desatinos de Zenaide, mas não sofria, porque tinha a resposta: livre-arbítrio. A menopausa deixou-a mais serena. Estava namorando o Seu Atílio, um viúvo sacudido, no dizer dela, médium do centro, que recebia mensagens de almas inconformadas, ansiosas por reencarnar. Dona Sônia, Soninha para Seu Atílio, tomou uma decisão, que estava deixando os vizinhos incomodados. Cuidar dos gatos abandonados é uma missão altamente espiritual, dizia. "Mas Sônia, com tantas crianças desamparadas, esperando adoção, você vai gastar dinheiro e tempo com gatos?" - inquiria Ivonete, a amiga dos tempos da gandaia.  - É de partir o coração ver estes pobres animais perambulando pelas ruas, famintos e doentes, maltratados. Pobrezinhos, tão carentes, tão fofinhos. Como alguém pode deixar estes pobres animais, indefesos, sem o aconchego de um lar? Vou cuidar sim! - afirmava, convicta, olhando fundo os olhos da amiga - Eles também têm almas, não nasceram gatos atoa, porque tudo tem uma razão, uma explicação. Ivonete caía na gargalhada, achava uma esquisitice a nova mania da amiga, mas respeitava. Porém alguns vizinhos tinham opiniões contrárias, sentiam-se incomodados. Alegavam serem importunados pelos miados, impedindo-os de dormirem, e muitas vezes invadindo suas casas, transmissão de doenças, ataques nas despensas. - Doença eles não transmitem - afirmava convicta - porque são vacinados; não bolem nas despensas, porque eu os alimento e não é verdade que perturbam o sono, porque dormem como anjos à noite... - Um momento, interrompia Ivonete - gatos tem hábitos noturnos... - Os meus não - retrucava Sônia - às vezes miam de dia, porque é da natureza de gatos, miar e não é normal as pessoas dormirem de dia, a não ser estes desocupados, que passam a noite toda nos botecos, bebendo e jogando cartas, ou criminosos, que dormem durante o dia, para fazer assaltos à noite. - A senhora está me chamando de vagabundo? - reagia, nervoso, Seu Justino, metalúrgico aposentado, que tentara várias vezes, sem sucesso, seduzi-la. - Não quis dizer isso pro senhor, Seu Justino, me desculpe - respondia, caindo em si -, tenho o maior respeito pelo senhor, que conheço ó, faz tempo.

     Estes atritos eram facilmente contornados, porém alguns garotos da Vila Subaco das Cobras, deram para caçar gatos e fazer churrasco deles, para o desespero dela. - Mas que merda, estes meninos não têm o que comer? Precisam sacrificar os meus bichanos? - Recamava com os vizinhos. Assim Dona Sônia vivia feliz com seus amores. Para a felicidade ser completa, só faltava Zenaide se ajeitar na vida.


                                                                  Imagem: Google




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O autor

sábado, 15 de setembro de 2018

tenho cá comigo


                                                                   Imagem: jef


tenho cá comigo
que todas as flores
são belas
que todas as dores
deixam sequelas

que todos os amores
são esplêndidos
tem sabores
incêndios

tenho cá comigo
que o amor é viável
que o amor é móvel

Tenho cá comigo
que o amor será hegemônico


J Estanislau Filho


Imagem: rr

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Filhos da Terra: Capítulos 11, 12 e 13



Rapidinho: 

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor. 
Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição 
Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.



11 - Tenório e Edileuza Decidem se Casar

Em meio a esta desordem Tenório e Edileuza decidem se casar. Dona Sônia pediu adiamento, não tinha cabeça pra pensar, mas Edileuza disse que seria uma cerimônia simples, em casa, feita por um amigo kardecista.
      - Kar o quê? Perguntou a mãe.
   - Mãe, eu agora sou espírita kardecista, já te disse. Allan Kardec foi quem formulou a doutrina espírita. O Tenório também é espírita. Estamos frequentando o Francisco de Assis. 
     - Quer dizer agora, que vocês vão fazer aquelas coisas, receber espíritos, queimar pólvora, fazer despachos, pomba-gira... Vocês estão afastados de Deus! Indignou-se a mãe. 
     - Uai, mãe, tem nada disso! Isso aí é candomblé, macumba, umbanda, sei lá. Também não é pra ter preconceito, faz parte da nossa cultura espiritual. Olha aqui, mãe, em todos os lugares e em todas as religiões tem gente evoluída e gente atrasada.
     - Está bem, filha, afinal Deus escreve certo por linhas tortas, mas dá para esperar um pouco? Não entendo porque a pressa, vocês se conhecem há tão pouco tempo! Além do mais, não está vendo o meu desespero? Você não está nem aí para o seu irmão.
     - Não diga isso, claro que estou, mas o que tiver de ser, será. É carma. De qualquer forma o casamento não vai acontecer amanhã, nem é necessário.
    Edileuza não quis revelar o outro motivo da pressa, com receios de que a mãe ficasse nervosa: estava grávida.
   Tenório era trabalhador, pedreiro muito requisitado pela comunidade. Era um negro musculoso, de pernas longas e grossas, cabelo cortado baixinho, pele hidratada, peito largo e lábios carnudos, tinha um sorriso alegre, que deixava à mostra os dentes alvos. Estava no vigor de seus vinte e quatro anos, um ano mais novo que Edileuza. Tinha fama de mulherengo, para irritação da namorada. Ela intuía ser ele o sujeito que a molestara naquela noite confusa, mas nunca teve a coragem de perguntar. Quando ele começou a frequentar a Igreja do Reino do Amor, e mesmo agora, seu cheiro parecia com o do estranho. Às vezes dizia para si, "é ele, minha intuição não falha e se for, não importa, eu o amo e vamos nos casar. Seremos felizes".     De fato eles pareciam ter nascidos um para o outro, mas quem estava no comando era Edileuza, uma mulher decidida. Resolveram esperar o , retorno de Wallace. Contudo não perderiam tempo: foram para o quarto namorar, aproveitando a saída de Dona Sônia, que fora à delegacia buscar informações. O delegado recebeu-a educadamente, compreendeu o sofrimento dela e consolou-a, porém, até o momento não havia indícios do paradeiro do garoto. 
     - Dona Sônia - disse o delegado -, meus agentes estão fazendo o que podem para encontrar seu filho e prendê-lo. Não vamos pressionar a família, porque sabemos tratar-se de pessoas honestas, sei que não estão escondendo o garoto, que se meteu numa enrascada. Não entendo como os pais não percebem o envolvimento dos filhos com o crime! É preciso estar atento. Todos os dias chega em minha delegacia, denúncias de menores armados dentro das escolas, usando crack, promovendo desordens. Alguns são encaminhados ao Juizado de Infância e de Juventude, porém existem centenas de casos que não são registrados, os pais abafam. A política não dá conta, faltam recursos...
     - Ah seu delegado - respondeu Dona Sônia -, quero meu guri vivo, ele é bom e não fará mais bobagens.
     Retornou para casa em prantos, sem notícias. Ao chegar encontrou Tenório e Edileuza beijando-se em frente da televisão: - Não sei como vocês conseguem ficar se beijando e em abraços, sabendo da desgraça que caiu sobre a nossa casa - disse entrando no quarto.
     - Tenório - disse Edileuza, séria - é melhor você ir embora. Minha mãe está sofrendo.





                                                                  Imagem: Google



12 - Um Corpo no Matagal

Alguns dias depois do desaparecimento de Wallace, veio a trágica notícia: seu corpo fora encontrado em um matagal, nas proximidades da represa de Vargem das Flores, em estado de decomposição, com picadas de urubus. Foram estes mesmos urubus, que ajudaram a polícia a localizar o corpo. Depois de liberado pelo IML Wallace foi enterrado no Cemitério Nossa Senhora da Glória, acompanhado, basicamente pelos familiares e por alguns vizinhos. Marcelo não compareceu, pois condenava a conduta do irmão caçula. Dona Sônia estava inconsolável, queria de todas as formas que os coveiros abrissem o caixão, para a última despedida, mas fora impedida pelas filhas, pois o estado de decomposição do corpo, não permitia. Como foi, voltou do enterro, amparada pelas filhas. Algumas semanas depois, após ser levada por Edileuza ao centro espírita e receber, por meio de um médium a mensagem do filho, com as palavras a seguir, ficou menos inconformada:
     "Minha querida mãezinha, não sofra por minha causa, pois estou em um lugar maravilhoso. Encontrei meu pai e ele tem me orientado com amor e dedicação. Aqui é tudo muito bonito e calmo, tenho amigos bondosos, que se recuperam do uso de drogas. Mãezinha querida, tudo o que nos acontece não é por acaso. Felizmente eu não fiz uso de drogas, mas contribui em sua disseminação. Mãezinha, a morte não existe, apenas passamos para outro estágio, em um processo de evolução. Ainda não sei o que vai acontecer, mas de uma coisa tenho certeza, a vida é preciosa e Deus escreve certo por linhas tortas e a senhora é e sempre será minha mãezinha do coração. Não chore, não me chame, liberte-me. Um beijo carinhoso do seu eterno filho, Wallace".
     Assim Dona Sônia passou a frequentar as reuniões do centro, com o genro e a filha, ansiosa pela chegada do primeiro neto, sem saber que um segundo poderia estar a caminho. Edileuza foi quem a consolou nesses dias difíceis, orientando-a espiritualmente.
     - Sabe de uma coisa, mãe, em primeiro lugar a vida não acaba com a morte do corpo.
     - Compreendo, filha, mas não é justo, meu filho só tinha treze anos. O certo é levar alguém que envelheceu. Deus poderia ter me levado no lugar dele. Assim tão jovem... Acho uma maldade! Preciso ainda de um tempo para entender e aceitar. 
     - Muitas vezes o bem está onde pensamos ver o mal. A senhora não pode avaliar a justiça divina pela sua. Nada acontece por acaso, tudo tem uma razão de ser. A razão divina é da razão regeneradora. É preferível a morte na encarnação de seus treze anos aos seu vergonhoso comportamento, que dilacera os nossos corações, principalmente o seu, mãe. Deus achou melhor ele não permanecer na terra. Não se queixe, mãe, por Deus tê-lo tirado desse vale de misérias.
     - Por enquanto me deixe chorar, mas vai passar.


13 - Não Sou Salvador da Pátria

Os problemas pareciam não acabar nunca. Zenaide procurou Elói e disse claramente o que desejava:
     - Elói, preciso muito da sua ajuda. Faço qualquer coisa, viro garota de programa, vendo drogas, qualquer coisa mesmo, para arrumar uma grana e fazer aborto. Um filho vai estragar a minha vida.
     - Calma Zenaide! Vamos pensar direito, aborto é crime, você sabe.
     - Sei. Sei também que existem clínicas clandestinas caríssimas. Vai ou não me ajudar?
     - Ei! Calma lá. Devagar com o andor que o santo é de barro. Quem pariu Mateus que balance o berço! Respondeu irritado.
     - Puxa vida! Pensei que fosse meu amigo - respondeu, começando a chorar.
     - Sou seu amigo, mas convenhamos, que canoa furada você entrou, hein?
     - É só um aborto, não é você que anda dizendo que tem muita gente no mundo, controle de natalidade...
     - Eu falo de planejamento familiar. Já foi a um ginecologista? Fez exames? Como tem certeza de que esteja grávida?
     - Pelo amor de Deus, Elói, me ajude, sei que estou grávida, uma mulher sempre sabe - respondeu num choro torrencial.
     - Uma mulher!... Olha quem está falando. Ficou louca? Não posso fazer isso. É fria! Ter um filho não é o fim do mundo. Quantas meninas, algumas mais novas que você, tiveram filhos e estão bem! Um aborto vai trazer-lhe consequências para o resto da vida. Além de crime, ninguém sabe o que pode acontecer com a integridade física, deixa sequelas, inclusive emocionais - aconselhou Elói.
     - De um jeito ou de outro, vou tirar esse feto. Está decidido. Com ou sem a sua ajuda - respondeu convicta.
     - Vamos fazer o seguinte: primeiro pensar em outra solução...
     - Não, quanto mais demorar, mais complicado vai ficando, tem de ser já!
     - E se eu te fizer uma proposta?
     - Uai, manda ver!
     - Eu garanto médico, pago os exames e ajudo a criar a criança. Por  falar nisso, quem é o pai?
     - Não sei. Transei com vários quando estava no período fértil, também não quero saber. Fumei uns baseados no dia, viajei! Quero mesmo é tirar!
     - Não é assim não, senhora! Estas pessoas precisam ser responsabilizadas.  Puxa vida, mas você caiu nessa de fumar maconha? Não que eu ache a maconha hum horror, mas puta merda... Vamos pegar estes sujeitos, processá-los, você é menor. 
     - Não quer ver a cara deles, não merecem nada. Foram uns brutos, quero arrancar isso de dentro de mim e pronto. Fiz besteira, tô ligada, mas quero consertar - respondeu, soluçando.
     - Você acha que um aborto conserta...
     Elói estava irritado. Mais consigo, por conta de sentimentos opostos: ciúme e compaixão. Tivera inúmeras oportunidades de fazer sexo seguro com Zenaide, amá-la até, protegê-la. Não o fez por medo. Mas a compaixão sobrepôs. Reformulou a proposta:
     - Zenaide, preste atenção: você terá todos os exames por minha conta, garanto tudo e tem mais uma coisa... Parou, levando as mãos ao rosto dela, acariciando-lhe levemente a face, em seguida encostou a cabeça da garota em seu peito e prosseguiu: eu registro a criança em meu nome, assumo o filho ou a filha. Topa?
     - E se casaria comigo... retrucou com ironia, entre risos e lágrimas.
     - Meu amor, minha linda, isso não seria necessário. Tenho idade para ser seu pai. Depois de ter a criança, poderia voltar aos estudos, ter uma profissão, ser livre, ter autonomia, dona de seu nariz. Prometo ajudar, juro!
     - Você é muito bom, Elói, mas não aceito, não é justo.
     - Caramba, você fez sexo pelo sexo, simplesmente?
     - Não me venha com machismo, por acaso os homens não andam por aí trepando com qualquer uma? Fiz, não nego, mas também fui abusada. Não me venha com lições de moral, logo você, um jornalista? Menos, Elói, menos.
     Por esta ele não esperava. Depois de alguns longos segundos acabou dizendo o que estava engasgado:
     - Você foi de uma falta de responsabilidade tamanha, que tenho vontade de te dar umas palmadas. Como foi capaz de transar com vários sujeitos, que mal conhecia, sem se prevenir? Além da gravidez, já imaginou uma doença! Acaso você se lembrou de que a AIDS é fatal? Terá de fazer exames de HIV. O feto pode estar infectado, também. Ficou maluca, não tem saída. 
     - Mais um motivo para eu fazer o aborto - respondeu decidida.
     - Acho melhor contar à sua mãe, ela precisa saber - orientou Elói.
     - Ninguém lá em casa pode saber. Nem hoje nem nunca. Poxa, Wallace morreu outro dia, este sofrimento a mãe não suportaria.
     - É mesmo, não dá pode contar agora - concordou -, mas Dona Sônia mudou muito, está mais compreensiva e vai aceitar numa boa, na hora certa. Ela agora vive dizendo que nada acontece por acaso, que Deus escreve certo por linhas tortas. Boba, ela vai compreender e quem sabe vai até ficar feliz. Um neto, ou neta, sabe-se lá, vai ajudá-la a esquecer Wallace, pense nisso.
     - A santa Edileuza vai dar-lhe um neto. Eu só quero saber se você vai me ajudar. Faço qualquer coisa pra tirar isso da minha barriga. Agulha de tricô, remédio caseiro... Descobri que tem um remédio que é tiro e queda, citoteque, um nome assim.
     - Você pirou de vez. Continuo achando que o melhor é fazer os exames, confirmar como está a gravidez, e se estiver tudo bem, deixe a criança nascer. Pode até não estar grávida, ser alarme falso. Melhor não correr riscos, pois a sua saúde está em jogo, assim como o seu futuro. Apesar da lambança, você não é a primeira, nem será a última. Também não é o fim do mundo. Eu ajudo nessas condições, topa? Não precisa responder agora, vá para a sua casa e pense. 
     - Está certo, prometo pensar. 
     Quando Zenaide saiu, Elói pegou a garrafa de uísque e foi ouvir Pablo Milanês. Sentia-se desanimado, pensando em voltar a morar no centro da capital. Alugar um apartamento no Maleta e dar adeus à periferia. Cuidar de sua vida, que estava um caos. "Zenaide que se vire, Dona Sônia que se vire, não sou o salvador da pátria", dizia enquanto enchia a cara. E assim aconteceu. Mudou-se e não deu o endereço. Mas antes entregou à garota mais linda do bairro, um cartão  com o endereço de uma clínica, para que ela pudesse fazer, sem ônus, os exames que precisasse. Autorizou-a, ainda, a ligar para a redação do jornal "em caso de extrema necessidade". 


                                                                    Imagem: Eliana


Leia na próxima quarta-feira:

14 - O Tempo Continua Implacável

15 - Para Onde Vai o Governo?