sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Nas Trilhas da Chapada Diamantina

 


Morro do Pai Inácio e lago em Igatu, imagem: Jefil


O sonho de conhecer a Chapada Diamantina foi interditado pela pandemia da COVID-19. Mas assim que a vacinação se intensificou começamos a refletir sobre realizar o sonho. Sentimentos opostos tomavam conta do meu ser: tristeza pelos milhares de mortos e sequelas emocionais deixadas em parentes e amigos; alegria pela redução dos casos e o retorno das atividades, ainda que, parcialmente. As reflexões pareciam não ter fim: desemprego, fome, milícias, custo de vida, perda de direitos sociais, os incêndios devorando flora e fauna. Por outro lado o sentimento de querer viver. E a certeza de que a chuva benfazeja chegaria, para fazer brotar a vida, na natureza e nos corações. Fôramos informados de que chovera bastante na Chapada. Hora de pegar a estrada. Tínhamos outro impedimento: faltávamos o conhecimento das trilhas e um veículo, que suportasse o tranco. O problema seria logo solucionado com o convite de Larissa e Ricardo, que conhecem cada palmo da Chapada. Nosso primeiro destino era o Vale do Capão. No caminho, fotos do Morro Pai Inácio e uma parada para conhecer o Poço do Diabo. Lá eu pensei: o mundo não vai acabar pela ação dos malignos. Mergulhamos no poço e nos fartamos de beleza. No Capão fizemos duas trilhas, da Purificação, que tem no percurso a Angélica foi a mais "pesada", com cerca de 6km de rio, pedras e vegetação. Almir elogiou a resistência de Antonia. Sem querer fazer trocadilho, vale a pena conhecer o Vale do Capão. Ao retornarmos, passamos por Lençóis, cidade histórica e charmosa. 

  Não tardou muito para que Larissa e Ricardo nos convidassem a conhecer outra parte da Chapada. Dessa vez, na companhia de Dona Irá e Nelson. Destino: Mucugê. No caminho, uma parada em Igatu, lugarejo ideal para pousar uns dias e saborear silêncio e paz. Mucugê me fez lembrar a minha querida Tiradentes. Ruas calçadas de pedra, com muitas pousadas, comida boa, clima ameno e ao redor, as cachoeiras de águas de cores avermelhadas, limpas. Beleza de encher os olhos. Disse a Antonia, que moraria em Mucugê, de boa! Nesses dias tive pouco tempo para lembrar da desordem que tomou conta do Brasil. Ah, o preço da gasolina...

  Aqui encerro esta breve crônica. As imagens falam por si.


J Estanislau Filho 

Imagens: Jefil










sábado, 23 de outubro de 2021

Das Minhas Lembranças 20

Imagem: Comício na Praça da Estação em BH - 1989


Era como se fôssemos outdoor, rostos e vestes cobertos por adesivos e bottons criativos, anunciando os candidatos de nossas preferências. O material, incluindo camisetas, bolsas, boinas, bonés, bandeiras, em sua maioria de cor vermelha eram adquiridos nas sedes do partido ou nas barraquinha instaladas nas praças e nos locais dos comícios. Circulávamos pelas ruas sem medo de sermos felizes, com essas vestes e com o sonho de democracia com participação popular e inclusão social, ao som de Lula lá, de Hilton Acioli:


Passa o tempo e tanta gente a trabalhar
De repente essa clareza pra votar
Sempre foi sincero de se confiar
Sem medo de ser feliz
Quero ver você chegar
Lula lá, brilha uma estrela
Lula lá, cresce a esperança
Lula lá, o Brasil criança
Na alegria de se abraçar
Lula lá, com sinceridade
Lula lá, com toda a certeza pra você
Seu primeiro voto
Pra fazer brilhar nossa estrela
Lula lá, é a gente junto
Lula lá, valeu a espera
Lula lá, meu primeiro voto
Pra fazer brilhar nossa estrela


A praça da estação ferroviária de BH estava lotada, cem mil pessoas, para ouvir Lula, Brizola e outras lideranças. Lula passara para o segundo turno, na primeira eleição presidencial, depois de mais vinte anos de ditadura militar. Finalmente tínhamos o direito de escolher quem iria nos governar. 1989 consolidava o retorno da democracia no Brasil. Com Brizola não tinha treta, não era de fugir por não ter ido para o segundo turno. Seu discurso foi emocionante. Ao erguer o braço de Lula, indicava que tinha lado.


Imagem: Comício em Salvador - 1989


Ao escrever estas lembranças, não é apenas Lula, Brizola, Bisol, e outras tantas celebridades da política e da cultura que surgem na memória desse carregador de piano. É dos trabalhadores da Belgo que me vem à mente. Surgem, com imagem esmaecida, Seu Raimundo, Faísca, Rui Barbosa, Gonçalves, Berzé, que fizeram acontecer a greve de 1979, acuando os militares. Os trabalhadores da Mannesmann, Eluma, Delpi, enfim toda a categoria metalúrgica e tantas outras, bancários, construção civil, educação, saúde. Ao lado desses aguerridos companheiros e companheiras, fizemos história. Seu Joaquim Oliveira, Sálvio Penna, Efigênia, Antonieta, Suzana, Mauro, Mariza, Márcio Nicolau, Letícia da Penha, Euler Vidigal, José Lopes (Guinho), Geraldo Bernardes, Zé do Carmo (Carneiro), Zailton, Prado, Basílio, Eliana, Ignácio, Ademir, Marcelo Brito, Eliane, Albênzio, Paulo Moura, Paulo Funhgi, Zé Maria...

Collor, o candidato dos endinheirados foi eleito, com o apoio da elite do atraso e da mídia empresarial. A campanha de Lula terminou numa sexta-feira, mas a do Collor se manteve no sábado, com a reapresentação do debate, manipulado pelo Jornal Nacional.


Imagem: Google


No próximo capítulo falo de como se deu a minha candidatura a vereador.  


J Estanislau Filho


domingo, 17 de outubro de 2021

Das Minhas Lembranças 19

Imagem: Google

Imagem gentilmente cedida por Nayara Bernardes


Busco na memória os acontecimentos de 1988. Uma busca no Google certamente me situaria nesse tempo, mas prefiro navegar pelo meu cérebro. É um exercício saudável. Então recordo, que deputados e deputadas constituintes estão elaborando a nova Constituição. Lembro de ter assinado alguns projetos de iniciativa popular. E desse amarrotado de lembranças, as eleições municipais brotam com mais nitidez. Em Contagem o nosso candidato a prefeito é Nilmário Miranda, tendo como vice, o José Antônio. O meu compromisso na construção da Casa do Movimento Popular me levou a apoiar Hamiltom Reis para vereador. Dei a minha contribuição, também, à campanha do companheiro Geraldo Bernardes, pela qual me penitencio por não ter me dedicado mais. Mais que companheiro, Geraldo era um amigo, hoje uma estrela. Lembro de Geraldo vendendo churrasquinho nos comícios, para arrecadar uma grana pra sua campanha. Ademir Lucas (PSDB), não precisava disso. Com a promessa de IPTU e FUNEC de graça, foi eleito. O PT fez a maior bancada de vereadores, cinco: Durval Ângelo, Eustáquio Roberto, Lúcia Helena, Paulo Moura e Rubens Campos, esse último, não me lembro se já era filiado ao PT. 

   Contagem faz divisa com Belo Horizonte, o que resultava numa dupla atuação. Em BH fiz campanha pela eleição do  vereador Rogério Correia e de Virgílio Guimarães, prefeito derrotado.

   A campanha que mexeria profundamente com a militância aconteceria em 1989 e o carregador de piano se engajaria de corpo e alma.  Assunto para o próximo capitulo.  


J Estanislau Filho

Imagem: Google

domingo, 10 de outubro de 2021

Das Minhas Lembranças 18


 Imagem: O Tempo

Assumi a coordenação da Casa do Movimento Popular quando o Seu Joaquim Jerônimo, então coordenador geral, rompeu com o projeto, que fora aprovado pela entidade financiadora, tão logo a construção do prédio iniciara. A parte administrativa se instalara, provisoriamente numa sala do COPRE, uma escola de ensino profissionalizante. Silvia, era a secretária.

   Assim que a captação de recursos foi aprovada, novos personagens incorporavam ao projeto, técnicos e gestores. Quando deixei a direção, Pacheco, funcionário da Magnesita e pastor evangélico, assumiu.
   Durval Ângelo, da diretoria da APC (Associação dos Professores de Contagem), convidou alguns membros da Casa, para fazer a denúncia de uma suposta irregularidade. A reunião aconteceu na sede da APC. A tal irregularidade me pareceu mais uma queda de braço entre Durval e Nilmário. Nessa conversa registrei a minha posição: se há alguma irregularidade, que se instale uma auditoria e os responsáveis punidos, mas se a tal irregularidade não se confirmar, que o denunciante arque com as consequências.
     Dias depois a direção da Casa me convidou para uma reunião nas dependências do COPRE. Presentes, entre outros e outras: Pacheco, Hamilton Reis, Sebastião Milanez, Stael, Antonia Puertes.  Deixaram o último ponto da pauta, para me inquirir. Fui surpreendido pelo dedo em riste de Pacheco, me acusando de difamar a Casa, violando um artigo do estatuto. Expliquei o que ocorrera. Hamilton ainda argumentou se eu estava pedido desculpas. Retruquei, que se alguém tinha que se desculpar, era a diretoria, pela acusação infundada. E demos o assunto por encerrado. Dias depois fiquei sabendo que Donizete fora quem reclamou de minha ida à reunião convocada por Durval.

   
J Estanislau Filho

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Das Minhas Lembranças 17


Em 1987 o recém eleito Deputado Estadual por Minas Gerais, Nilmário Miranda convida a militância para a plenária do mandato.

   À época, afastado da luta política, considerei que o deputado era um polo de atração, assim decidi voltar à participação política. À partir dessa plenária dois grupos de trabalho foram organizados: o que se engajaria na organização dos movimentos populares e o da criação de um jornal. Do movimento popular nasceu o projeto da Casa do Movimento Popular e da comunicação a criação de um jornal impresso, nos moldes do Jornal dos Bairros, com outro nome, o Folha Popular, não me recordo bem se era esse o nome.  Eu me engajei no projeto da casa. Na medida em que o projeto avançava e a disputa política se acirrava, uns desistiam, outros e outras se incorporavam. Do projeto inicial eu me lembro do Peixe, Jorge (Segrac), Durval Ângelo, Antonia Puertes, Çãozinha, Lúcia Helena Hilário,  Joaquim Jerônimo, Hamilton Reis...

   A disputa política mais acirrada foi entre o futuro vereador por Contagem, Durval Ângelo e o deputado Nilmário Miranda. Mantive distante desse embate, sem deixar de ser um observador atento. O fato é que a Casa foi erguida e está lá, na Av. David Sarnoff, próxima do início da Av. João César de Oliveira. O jornal não vingou.

   Sobre as divergências ocorridas nesse processo, falarei no capítulo 18.

 




J Estanislau Filho


sábado, 25 de setembro de 2021

Ladrão de Porco


 Imagem: Google

Todos conhecem o significado de ladrão de galinha. Estes pobres coitados, que vão presos, enquanto os de colarinhos brancos... Deixa pra lá.
Existe o ladrão de porco. Bem diferente do ladrão de galinha, pois roubar porco exige técnica. Porco faz um barulho dos diabos. Porco é o cão chupando manga debaixo d’água. Além de gritar, esperneia, dá coice e morde. Corre da panela como o diabo corre da cruz.
    Mas, para seu Álvaro, tarefa simples, sopa no mel. Seu Álvaro foi um pistoleiro afamado em Jampruca, nos cafundós de Minas, nas décadas de cinquenta e sessenta. Além de porco, roubava boi, cavalo, qualquer coisa.
Seu Álvaro queria comer carne de porco. Aproveitando a ausência de Seu Ernesto, esposo honrado de Dona Maria, foi lá no chiqueiro desse bom homem e pegou um à luz do dia. Um porquinho pequeno, fácil de carregar nos braços, sem necessidade de peia. Porquinho bonito, na verdade um leitão, mas ainda necessitado de engorda. Prendeu o suíno em um pequeno cercado à espera de que ele ganhasse umas gorduras.
    Como em Jampruca só se ouvia dizer, especialmente em se tratando do homem que virava cachorro (breve contarei este caso), o bochicho chegou ao ouvido de Seu Ernesto. Também ao ouvido de Seu Álvaro. A população comentava o caso a boca pequena. Isso incomodou o pistoleiro, que foi à casa de Seu Ernesto e o “convidou” a ir à sua casa, para confirmar se o porco era dele. Seu Ernesto foi, viu o porco. Olhou, apalpou o bichinho, que o reconheceu e não teve dúvidas: “Não, esse não é o meu porco. O meu tinha um focinho branco, uns pêlos loiros. Esse aí tem o focinho e pêlos de outra cor”.
    Seu Álvaro olhou bem no fundo dos olhos de Seu Ernesto, levantou ligeiramente a camisa, deixando à vista o trêsoitão e foi categórico:
    - Pois intonce, Seu Ernesto, o senhor espaia no povoado, que o porco é meu. Tô com os ovido e as zoreias quemano, sinar di qui tão sujano meu nome na praça. Tamu combinado?
    O assunto do desaparecimento do porco, com o perdão da palavra, morreu ali.


J Estanislau Filho

Obs.: Crônica caipira escrita em janeiro de 2016 e publicada no Recanto das Letras.


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Das Minhas Lembranças 16


O registro de minhas lembranças são quase tão somente o que a memória dita. Digo quase, porque às vezes recorro à minha carteira profissional, para me situar no tempo. Pelo menos até agora.

     Nos anos de 1981 a 1985 há uma lacuna em relação a minha participação nos movimentos sociais e na política. Sei que foram anos complicados, do ponto de vista financeiro. Ao examinar a carteira profissional, foram anos em que a mais-valia me pegou pra valer. Para sobreviver, requeri uma autorização da prefeitura de Belo Horizonte, para instalar uma banca de revista, na Av. Afonso Vaz de Melo, no bairro Tirol, região do Barreiro. Fui a alguns comícios, apoiei precariamente a candidatura no Guinho (José Maria Lopes), marquei presença nas manifestações pelas diretas-já. E no processo de eleições diretas (PED), que escolhe os dirigentes do PT, jamais deixei de votar.

     Na pindaíba, a solução foi buscar a solidariedade de parentes e de alguns companheiros de luta. Decepção com uns, alegria com vários. Ainda hoje, ao lembrar de uma noite em que chorei pitangas com o meu amigo e parceiro de lutas, o Berzé, me emociono com a atitude dele, que também enfrentava dificuldades. Ele enfiou a mão no bolso e retirou uma nota, em torno de uns cem reais de hoje (acho que era cruzeiro na época) e dividiu comigo, dizendo: "já que não podemos dividir a riqueza, vamos dividir a miséria".



J Estanislau Filho

 


sábado, 4 de setembro de 2021

MENSAGEM RÁPIDA

 



Imagem: Clube de Autores


Meus caros amigos, minhas caras amigas,

Prova de Vida é uma reunião de minhas melhores crônicas escritas nos últimos seis anos. São textos curtos, como convém nesses tempos corridos, mas de conteúdo, creio, que vai te agradar.

Parir um filho, ou filha de papel não é tarefa simples. Fazê-lo(a) chegar às mãos e aos olhos de leitores de leitoras é um desafio. É também uma forma de resistência, e claro, alegria.

O livro está pronto, graças ao apoio de vocês, mecenas da cultura popular. Para adquiri-lo peço que me enviem seus endereços completo para o e-mail jestanislaufilho@gmail.com ou pelo zap 32-9963-0023, para que eu possa enviar, devidamente autografado.

Quanto ao pagamento, façam pelo meu Pix da Caixa (a chave é 14091151604) ou depósito em minha Conta Poupança da Caixa: Agência 0151 Conta 00039681-1 em nome de José Estanislau Filho.

O valor do livro é de R$40,00 com o frete incluso.

Agora, se você preferir, pode comprar no site da Editora Clube de Autores. No site procure pelo título Prova de Vida. Segue o link: https://clubedeautores.com.br/


LIVRO: UM PRESENTE INTELIGENTE!





Antecipo agradecimentos

J Estanislau Filho


terça-feira, 24 de agosto de 2021

Comunicação 2




A comunicação confere poder. Nela expressamos ideias e desejos. De alguma forma queremos convencer e algumas vezes sermos convencidos. Mas para que isso aconteça, precisamos de bons argumentos. Na medida em que alcançamos determinado número de pessoas, logo vem o desejo de ampliar.  No momento estou tentando convencer leitoras e leitores a adquirir meu próximo livro de crônicas, Prova de Vida. Mas me falta um veículo poderoso: a chamada grande mídia, ou mídia empresarial, como a TV Globo, por exemplo. E se além da tv, tiver rádios, revistas e jornais impressos, aí o bicho pega. Eu me lembro, por exemplo, do extinto Domingão do Faustão, agora do Huck, quando algum músico se apresentava para divulgar o novo CD, hoje quase uma peça de museu, na segunda-feira a procura do lançamento abarrotava as lojas. Sucesso garantido. Como tantas e tantos, navego à margem da indústria cultural.

     O poder que os grandes veículos de comunicação exerce sobre o nosso comportamento é enorme. A internet quebrou um pouco a hegemonia, mas continuam produzindo consensos na política, na economia, enfim, como disse aí atrás, no nosso comportamento.

     Cerca de sete grupos de mídia empresarial controlam a comunicação no Brasil, com TV, rádios, jornais e revistas:


Grupo Globo:  69

Grupo RBS: 57

Grupo Abril: 74

Grupo Band: 47

Grupo Record: 27

Grupo Silvio Santos: 26

Grupo EBC (Gov. Federal): 46


Realmente é muito poder de comunicação nas mãos de poucos.

     



 

J Estanislau Filho


domingo, 22 de agosto de 2021

Comunicação


 Imagem: Google

A comunicação é vital ao ser humano e aos demais seres desde os tempos imemoriais. Necessário à saúde física e mental e a perpetuação das espécies. Sem comunicação não há evolução. De algum modo todas e todos comunicam suas ideias e desejos.  Os povos originários, tempos atrás enviavam suas mensagens pela fumaça. Para não irmos tão longe, em tempos recentes os humanos interagiam por cartas escritas à mão, além, óbvio, das conversas face a face, que permanecem. Os caixeiros viajantes tiveram um papel importante na comunicação, levando notícias de parentes que moravam em comunidades distantes, onde os correios não chegavam e muitos não sabiam ler e escrever.
     Os tempos mudaram. A comunicação também. Com as novas tecnologias as distâncias encurtaram. Hoje podemos falar e ouvir as pessoas pela tela do computador e do celular. Tudo muito rápido. Ou melhor, numa velocidade, que não temos, muitas vezes como acompanhar. A pressa é tanta, a ponto de não termos paciência de ler um romance de, digamos, cem páginas.  Na internet, então, um texto de cem caracteres corre o risco de não ser lido.

J Estanislau Filho


sábado, 14 de agosto de 2021

Das Minhas Lembranças 15

Imagem: Google

Tento lembrar os locais e as datas de alguns eventos, mas a memória nem sempre ajuda. Uma noite no pátio de uma escola na região do Barreiro, em Belo Horizonte, lá pelos idos de 1977/78 aconteceu um evento político em que vários militantes de esquerda se encontravam com o propósito de refletir e fortalecer a luta pela redemocratização do Brasil.  O ambiente era mais de confraternização. De repente começou a circular ao pé dos ouvidos dos presentes, a presença de um infiltrado. O ambiente ficou tenso. Alguém me disse para ficar atento a um cidadão suspeito, trajando uma jaqueta jeans, munido de máquina fotográfica. Alguém denunciou no microfone e o suposto agente desapareceu. Até hoje não sei se o tal infiltrado existiu ou se foi fruto da alguma paranoia. De qualquer forma, precisávamos ficar prevenidos, pois era muito comum os agentes da ditadura mapear os passos da militância de esquerda.

     Não devemos nos esquecer da chamada "direita explosiva", que em 8 de julho de 1979 praticou um atentado ao jornal Em Tempo. Os atentados ocorriam nas madrugadas e os alvos eram as redações e os pontos de venda dos jornais de esquerda e democráticos: Movimento, Tribuna da Luta Operária, Companheiro, Pasquim e outros. Estes atos terroristas da direita explosiva atingiram profundamente as nossas publicações, pois intimidaram os donos de bancas de revistas e livrarias, que se recusavam a expor e vender os nossos veículos de comunicação.


J Estanislau Filho


domingo, 1 de agosto de 2021

Das Minhas Lembranças 14

Imagem: Google


 A Praça da Cemig, em Contagem foi (ainda é) o palco de manifestações populares. O primeiro de maio, que antes acontecia na Praça dos Trabalhadores, migrou para lá, creio, à partir de 1980.
Na Av. Babita Camargos, quase no coração da Praça da Cemig, um grupo de militantes se reunia na sede da Pastoral Operária da Igreja Católica, para fazer a ponte entre a fé e a política. Nesse local, outro grupo, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) também atuava. Dos membros da CPT eu me lembro de Berzé e Durval Ângelo. Berzé, chargista que ilustrava as publicações da pastoral. Durval, tempos depois se elegeria Vereador de Contagem e em seguida Deputado Estadual pelo PT.

O outro grupo, menor, mas muito atuante, também criou seu veículo de comunicação, o boletim Ponte. Assim como o movimento sindical, o movimento popular também contribui muito na criação e sustentação do Partido dos Trabalhadores.

O Padre Carlos Pinto era um dos coordenadores da Pastoral e apoiava fortemente os movimentos populares do campo e da cidade.  Vivíamos um momento de participação popular muito criativo e diversificado.

Do Ponte eu me lembro de Eliana Belo, José Prado, Márcio Nicolau e Maria Lúcia, a Milu. Em homenagem aos lutadores das causas sociais e este que foi e continua sendo palco de resistência contra a ordem opressora, a Praça da Cemig, escrevi, lá pelos idos de 1986, o poema:

A Praça

Há uma praça,
cujo nome é de um empresário bem sucedido.
Praças, avenidas e ruas
recebem nomes de pessoas bem sucedidas
(Bem sucedidas com as implicações decorrentes).
Os vencedores batizam suas conquistas
com o nome de seus heróis, naturalmente.
Há um praça:
A da Cemig
Que o povo teima em não chamá-la por seu nome de oficial:
Dr. Fulano de Tal.
O prefeito mandou modificá-la, colocou placas com letreiros,
mas o povo continua ignorando.
Fala-se em editar um decreto municipal,
ordenando prisão
a quem não chamá-la por seu nome principal...
Apesar do visual
tudo continua como antes:
Crianças pedindo esmolas
vendedores ambulantes
e o povo, para irritação das autoridades
continuam a chamá-la de Praça da Cemig.
Apesar do sanitário público
todos cagam e andam com júbilo,
inclusive os cães,
principalmente uma cadela manca,
que sem nenhum pudor ergue a pata traseira
e faz xixi na paineira.
A Praça da Cemig poderíamos chamá-la:
Praça dos Bancos
ou dos Desvalidos
Praça da EBCT
ou Dos Esquecidos
Praça do INAMPS
ou Dos Doentes
Praça do DNER
ou Dos Acidentes
Praça da Escola SESI
ou Dos Analfabetos
Praça da CI
da CBA
ou Dos Desempregados
Dos Desesperados
Praça das Batidas das RP's procurando armas
nas sacolas dos que vão para o trabalho
e encontrando marmitas...
Tantas siglas,
poucas soluções!
Sabiamente o povo decidiu:
Praça da CEMIG,
LUZ que buscamos para nós e nossos irmãos,
para os meninos que vagueiam batendo nos vidros dos carros
implorando trocados,
recebendo impropérios.
LUZ às missas do primeiro de maio
aos comícios da oposição
aos motoristas de taxi's
travestis
trailer's...
LUZ à Banca Wilma
para que traga notícias boas
LUZ à Praça da CEMIG,
que no futuro receberá outro nome,
dos heróis do povo,
da CPT ali pertinho,
plantando sementes que germinarão no negro asfalto da praça,
arrebentando e fazendo brotar a
LIBERDADE.


J Estanislau Filho


terça-feira, 27 de julho de 2021

Das Minhas Lembranças 13

Imagem: arquivo do autor

O trabalho de formiguinha, que fazíamos me levou, em 1979 ao encontro do professor Euler Vidigal, hoje uma estrela ao lado de Geraldo Bernardes, Guinho, Seu Joaquim Oliveira, entre outros e outras.  Euler tinha um sorriso largo. Lecionava na FUNEC do bairro Amazonas, em Contagem. A noite em que o encontrei pela primeira vez foi numa festa da escola. Foi um papo agradável e Euler aceitou se engajar conosco.  Contribuiu muito na construção do núcleo do PT do bairro Industrial. Foi ideia dele levar o teatro do oprimido de Augusto Boal ao núcleo.  Foi um momento político divertido, pois Euler tinha a leveza, que às vezes faltava em muitos de nós. Eu me lembro bem dele e de sua companheira Bia, no apartamento popular do Bairro Flamengo. 


terça-feira, 20 de julho de 2021

Das Minhas Lembranças 12


O Colégio Pitágoras, no bairro Cidade Jardim, em Belo Horizonte, estava lotado de companheiras e companheiros vindos de vários municípios de Minas Gerais, para o primeiro congresso estadual de fundação do Partido dos Trabalhadores. Um momento que entraria  para a História. Era o ano de 1979.

     Maria Antonieta vinha de um parto recente, por isso tinha a blusa molhada de leite. Ela se movimentava constantemente pelo salão do colégio, conversando com as pessoas de diversas correntes, sintetizando propostas. Ela era uma referência do nosso grupo. Num certo momento ela nos alertou que um membro da mesa estava manobrando.

     O congresso aconteceu num sábado e domingo.  No domingo, indignado com o encaminhamento da direção dos trabalhos, pedi a palavra, peguei o microfone e soltei o verbo sobre um dos pontos da pauta. Muitos me olharam com um misto de deboche e espanto. Nesse momento, ao olhar a plateia, visualizei a Eliana se afundando na cadeira, como se escondesse de vergonha alheia. O ponto da pauta da qual me insurgira era assunto encerrado, pois acontecera no sábado. Percebendo a gafe, saí de fininho. Mas lá pelas tantas, quando todas de todos pareciam terem se esquecidos de minha gafe,  alguém gritou de um ponto do salão: cadê o pessoal do Lindéia? Era o Virgílio Guimarães.


J Estanislau Filho

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Eu Também Vou Reclamar - 3

Imagem: Google
 


 

eu também vou reclamar
de um modo diferente
o mundo será melhor
se cuidarmos do ambiente
dessa nave incandescente


se a consciência ecológica
ecoar dentro de nós
invertendo esta lógica
o horário será anti-horário
com resultado ao contrário


a contrariar prognósticos
de efeitos catastróficos
o meio ambiente ficará inteiro
e viveremos em harmonia
sob o signo da alegria


para uma vida de conforto
o pouco será bastante
casa comida diversão e arte
quem sabe passear em marte
em uma nave flutuante


o planeta terra será água
será terra será floresta
será bicho será festa
peixes e dias nascendo
noites anoitecendo



sem sustos e medos
a hipocrisia arremedo
de um passando distante
o universo será vasto
como o coração dos amantes

J Estanislau Filho



Do meu livro Palavras de Amor - página 39


No prelo: Prova de Vida



 



segunda-feira, 5 de julho de 2021

Das Minhas Lembranças 11


     Ao chegar em casa, pouco antes do anoitecer, vindo do trabalho, aguava uns pés de quiabo que plantara recentemente. Morávamos no Bairro Lindéia,  tendo como bons vizinhos à direita, o Seu Zé Pereira e Dona Iolanda; à esquerda, Sebastião Benevides e Dona Maria. Pagávamos aluguel. A divisa de minha morada com a do Tião era separada por uma cerca de arame farpado, pela qual passávamos para as nossas conversas. Seu Tião dedilhava um violão e a gente costumava entoar umas canções sertanejas de raiz. Era o ano de 1979 e eu estava empenhado na construção do núcleo do que viria a ser, em 1980, o Partido dos Trabalhadores. Seu Tião foi fundamental na construção do núcleo, pois participava ativamente da Igreja Católica e fez a ponte com o pároco, Padre Miguel, que cedeu o espaço para as nossas reuniões de organização. Fizemos alguns debates sobre o partido que queríamos com boa participação. Alguns nomes eu me lembro bem: Rui Barbosa; Simeão; Roberto Lélis; João, o Alemão, o seria o Gaúcho?, diácono da paróquia; Seu Tião Benevides; Eliana Belo; Divino; Zito; Joana Darc. A cartilha PT:  Nossa Vez, Nossa Voz, dava o suporte em nossos debates.  Deste núcleo eu, Eliana e Rui fomos escolhidos delegados ao primeiro congresso estadual  do Partido dos Trabalhadores, que se realizou no Colégio Pitágoras em Belo Horizonte.

      Fui convidado a contribuir na construção do núcleo do Bairro Industrial, que faz divisa com o Lindéia, por José Maria Lopes, o Guinho. Outros companheiros,  Geraldo Bernardes;  Carneiro (José do Carmo); Geraldo Lopes; Zailtom faziam parte do núcleo.

     Os acontecimentos do congresso estadual de fundação do PT, contarei na próxima lembrança.  Teve momentos hilários.


J Estanislau Filho



terça-feira, 29 de junho de 2021

Eu também vou reclamar 2







Meu ouvido virou paiol
de estocar reclamações
não sou luz nem farol
a indicar as direções

reclamam da Previdência
e da falta de providência
que o trânsito é caótico
e as estradas esburacadas
tento mudar o foco
com uma boa risada
e me chamam de debochado
para lá de alienado

as reclamações são tantas
e eu acabo ficando tonto
reclamam do ônibus e do metrô
de motoristas mal educados
e das ruas lotadas de camelôs
até mesmo do pobre coitado:
uma esmola por amor de Deus
reclamam cristãos e ateus

na polícia só tem crápula
a extorquir o rico dinheiro
de pessoas sem máculas
que trabalham o ano inteiro

e assim caem em contradição
pois somos todos canalhas
não há como abrir exceção
a nossa fala é como navalha
que de tão afiada corta
fundo pessoas vivas e mortas

nem mesmo o que morreu
em seu túmulo tem sossego
reclamam de tudo a esmo
ah morreu? antes ele do que eu!

quanto ao tal homem do campo
dizem ser um grande mentiroso
que não trabalha assim tanto
na verdade é um preguiçoso
que se trabalhasse direito
que se suasse no eito
sobre a mesa teria mais alimento
e sobremesa de complemento

reclamam disso e daquilo
de fulano sicrano e coisa e tal
que comida vendida a quilo
não é lá muito legal

mas tem uma reclamação
para levar-se em consideração
ela é mesmo sensacional
quando falam de poluição
e do aquecimento global
e das multinacionais

reclamam de incêndio nas matas
e atiram cigarros acesos em beira de estrada
em casa não separam cascas das latas
latem para o motorista de táxi
reclamam dos moto-boys
de ciclistas e das taxas
falam feito maritacas

xingam policiais e bandidos
reclamam de drogas e dragas
que os humanos são vendidos
e nos sem-tetos jogam pragas

motorista berrando com pedestre
como se fosse extra-terrestre
que só pode andar no passeio
pois o carro perde o freio

então, “ta lá um corpo estendido no chão”
não foi o motorista que perdeu a direção
e tome reclamação
morreu um songamonga andando na contra-mão
porque se tivesse pegado uma ponga
talvez morresse não

as ruas são para os carros
aceleram buzinam tiram sarro
do cara que anda a pé
sai daí ô barnabé!

eu que tenho os pés como meio de locomoção
tomei a minha decisão
vou me juntar aos loucos
e reclamar do muito e do pouco
reclamar também do médio
já que não existe remédio
de curar reclamação

onde já se viu coisa tão vil?
quero já meu rivotril
e para ficar de vez tantã
também vou de lexotan!
e... segura o tchã amarra o tchã!

J Estanislau Filho


Do livro Palavras de Amor - primeira edição 2010 - Editora 24 horas

Onde encontrar:

www.livrariacultura.com.br e www.biblioteca24horas.com




 

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Das Minhas Lembranças 10

Imagem: Google


Parecia uma disputa de egos e Pedro não era afeito a reuniões de cúpula. Queria ação e as reuniões de estudo e planejamento eram demoradas, cansativas.

Quando foi se encontrar pela primeira vez com o Grande, ainda não era Pedro. Sentiu então, que fazia parte de um movimento revolucionário e o Grande era o nosso comandante. A Ó, como diziam, era uma rede de revolucionários de várias partes do país, principalmente nas capitais.

Os encontros com o Grande eram preparados com a máxima segurança, afim de despistar os agentes da repressão. Foi à partir desse primeiro contato, que recebi o codinome Pedro. Numa ocasião, fui informado de que um grupo de sindicalistas de São Bernardo do Campo e região iniciara um debate sobre a criação de um partido dos trabalhadores e que a Ó se engajaria nesta luta.  Iniciávamos um debate interno se o partido seria de massa ou de quadros. Estávamos em 1978 e a ditadura dava sinais de esgotamento.

Pedro compreendeu a necessidade de reuniões preparatórias. Não era disputa de egos, o debate era de ideias.


J Estanislau Filho


Imagem: Google


terça-feira, 22 de junho de 2021

Das Minhas Lembranças 9

Imagem: Google


Em 1987 retornei à categoria metalúrgica. Mas não à militância sindical. Até o dia em que os companheiros Juvenil Francisco e o Cachorrão, distribuindo boletim na portaria da fábrica, me abordaram. Eu não pretendia voltar à militância sindical. Trabalhava no escritório, o sindicato estava em boas mãos. Mas a consciência me cutucava. Em outra ocasião, numa campanha salarial, Juvenil e Cachorrão me convidaram a escrever algo para o Suggata, boletim especial dirigido às trabalhadoras e e aos trabalhadores da Suggar, empresa que me possibilitou retornar à categoria. A diretoria do Sindicato decidira criar um material específico para cada fábrica. Escrevi o poema abaixo, sob o pseudônimo de Bigode, que foi publicado no Suggata:


mulheres na linha de montagem


tão belo tão bom
tão sexy vê-las de mãos ágeis
mãos hábeis
as mulheres na linha de montagem...
lábios e bocas
levezas
plumas belezas
entre alicates
parafusos e parafinas
as mulheres na linha de montagem...
fazendo riquezas
construindo lucros
que sonham um dia ser dividido
repartido.
tecendo as mudanças
balançando as tranças
na linha de montagem.
sonhos e manhas nas manhãs
nas tardes que não tardam
e nas noites do País.
mulheres na linha de montagem
com sorriso doce
com pisar leve
com amor
preparam um amanhã
de luz e cor


Ao contrário da Belgo Mineira em que trabalhavam poucas mulheres, todas no escritório, na Suggar eram várias na linha de montagem. O poema acima foi escrito em homenagem a estas guerreiras.



 J Estanislau Filho




segunda-feira, 21 de junho de 2021

Eu também vou reclamar


não aguento mais ouvir tanta reclamação
prestem bem atenção
reclamam dos impostos
da saúde pública e privada
reclamam da educação
da juventude desviada
reclamam da aposentadoria que veio
da que virá
e da que não veio
reclamam por reclamar
reclamam da coleta de lixo
reclamam da biblioteca
que o salário é uma merreca...
reclamam da fila para pagar
da fila para receber
reclamam de lá e de cá
reclamam de não sei de quê
que frio e calor são irritantes
reclamam dos livros nas estantes
reclamam de quem pede esmolas
e até dos que andam com sacolas
que as pessoas são frívolas...
reclamam do vizinho
do cocô de passarinho
a chuva é um tormento
a seca insuportável
reclamam dos alimentos
reclamam do automóvel
ora do preço ora da qualidade
reclamam da vida na cidade
mas viver na roça
picado por muriçoca
presta não
que é ruim a solidão...
reclamam da cemig
reclamam da copasa
reclamam comigo
e com a dona de casa
reclamam do computador
do televisor de plasma
até mesmo de uma pobre lesma
do telefone fixo e do celular
não param de reclamar
que em minas não tem mar...
até o vento incomoda
são chatos desfiles de moda
o cachorro que não para de latir
o gato o peru e o pavão
para tudo que existir
tem reclamação
e até o que não existe
nem sequer foi inventado
alguém sempre insiste
isso ficará logo estragado
dor de cabeça e nó nas tripas
bem melhor que tulipas
que horror pimba na gorduchinha
ripa na chulipa...
tudo ataca os nervos
o sangue ferve
as pernas doem
os rins corroem
reclamam do prefeito
reclamam dos vendedores
todos têm defeitos
corruptos e corruptores
empresários são sonegadores
reclamam do futebol
das cartas e dos cartolas
que a nossa seleção não decola...
reclamam das cartomantes
das escadarias
dos elevadores
dos fumantes e das tabacarias
dos andaimes
dos andares e andores
reclamam senhoras e senhores
reclamam alunos e professores
reclamam do médico
dos odontólogos e ornitólogos
que somos carentes de ética e de psicólogos...
filhos reclamam dos pais
pais reclamam dos filhos
que a culpa é do País
e das balas que furam vidros
reclamam dos netos e da buchada de bode
reclamam de quem fode
da macaxeira e até da erva-cidreira
como reclama esse povo
que a maconha é uma porqueira...
reclamam da cadeira de balanço
e do balanço das empresas
a fazer dos clientes suas presas
ouço e isso e me canso
o marido não presta
a mulher não trepa
o galo canta na hora errada
o sapo com a mesma toada
o grilo enche o saco
o vaga-lume ilumina o vácuo
o colchão é duro mole
e está mofado
que todo mundo está magoado...
diacho o cachorro fez xixi
reclama-se de tudo por aqui
reclamam da queda na bolsa
reclamam do furo no bolso
dólar subiu o dólar caiu
que o petróleo não é nosso
que hugo chavez é imbecil
onde já se viu?
a grande mídia não gosta do moço
reclama do presidente deputados e senadores
ah são todos impostores
e se fazem de valentes
com os tais vereadores...
a imprensa é mentirosa
só noticia coisas horrorosas
reclamam dos assaltos
reclamam de muros altos
que os sapatos não têm saltos
a previdência é morosa
reclamam do sutiã e das cuecas
reclamam dos carecas
dos cabeludos e sem pelos
que a vida é um novelo
novelas não têm zelos
reclamam da tinta de cabelos
que a vida virou uma novela...
e apelam para a ignorância
reclamam da abstinência
alimentar e sexual
reclamam da inteligência
reclamam da falta dela
tudo muito vulgar e banal
reclamam dos astutos
reclamam de João e Manoela
reclamam dos prostitutos e das prostitutas
que somos todos filhos da fruta...
eu também vou reclamar
faço questão de anotar
registrar em meu diário
estou falando sério
como é injusto o judiciário
de juízes misteriosos
feita as exceções de praxe
sejamos práticos
não proferem sentenças
entrar com ação na justiça não compensa
os juízes são apáticos
o que se espera de suas decisões
são sentenças à luz da constituição
que a justiça seja justa
com a cidadã e o cidadão


J Estanislau Filho



Poema do livro Palavras de Amor - página 12 - primeira edição 2010 - editora Biblioteca 24 horas


quinta-feira, 17 de junho de 2021

Marcela e Crisóstomo

Imagem: Google


Montada em seu cavalo, Marcela galopava pelas planícies do planalto. Era de uma beleza exuberante. Os cabelos longos e perolados esvoaçavam sob a carícia do vento. Era de uma candura, que seduzia a todos. Trazia nos lábios rosados um sorriso esplêndido, deixando à mostra os dentes brancos como leite. Os que a viam perdiam-se de amor e desejo. Marcela declinava os inumeráveis pretendentes, pois queria preservar sua liberdade. Sua beleza ganhou o mundo. De todas as partes vinham homens e mulheres, para ver e se encantar por Marcela.

Eis que um dia o jovem Crisóstomo a intercepta em sua cavalgada nas planícies do planalto central, com a suave melodia vinda de sua flauta. Marcela freia a montaria, para ouvir a canção. Ouve e observa ao redor, até visualizar o jovem, no topo de um morro, sentado sobre o tronco de uma árvore. Crisóstomo continua a melodia, interrompida pelos aplausos de Marcela. Desce o morro com a agilidade que a juventude premia. Marcela desce da montaria e, movidos por uma força interior incontrolável, o jovem casal se abraça. Marcela e Crisóstomo não veem o tempo passar. Sobre a relva, declaram seu amor. Quando a noite chega e as primeiras estrelas jogam luz sobre o amor nascente, testemunhas das juras e promessas de amor eterno. Os encontros se tornam rotina, sempre às escondidas, distante dos olhares da legião de seguidores de Marcela.

Surgem comentários maliciosos. Marcela e Crisóstomo são alvos da inveja. Suas vidas, ameaçadas. Por outro lado, os que apoiam, também se manifestam e fazem um escudo protetor em volta desse amor puro. Os pais aprovam, felizes, o romance e começam os preparativos ao enlace matrimonial. Agora Marcela cavalga pelos páramos em companhia de seu amor.

Aproxima-se o dia de núpcias. Tudo preparado com requinte. O lugarejo está em festa, ruas enfeitadas; os invejosos vigiam pelas frestas das janelas, remoendo de ódio. Crisóstomo aguarda no altar a entrada de Marcela. Os sinos tocam, o maestro aguarda a entrada triunfal da noiva, a mais bela e cobiçada de toda a região do planalto central, para iniciar o repertório musical escolhido pelos jovens noivos.

Marcela está atrasada. Os convidados esperam. Alguns consultam o relógio. O padre mostra-se inquieto. Comenta-se em voz baixa, que as mulheres sempre atrasam, por vaidade ou perfeccionismo. O tempo passa. Os sinos silenciam. Porquê Marcela demora? É o que cada convidado pergunta em seu íntimo.

Um mensageiro entra e conversa ao pé do ouvido do pai da noiva, que em seguida, dirigi-se ao padre. Os convidados cochicham entre si.

Marcela optou pela liberdade, anuncia o vigário, completando: - Voltem para suas casas, mas se preferirem, vamos todos comemorar. Afinal, o banquete e os músicos esperam. Quanto a você, Crisóstomo, que cara é esta?

- Cara de alegria, seu vigário. Se Marcela é feliz assim, porquê prendê-la? Voltarei aos páramos com minha flauta, livre!

Consta que Marcela e Crisóstomo continuam se encontrando nos campos, sob as carícias das águas dos rios, lagos e cachoeiras, longe dos olhares amestrados pelas normas artificiais.


J Estanislau Filho


Inspirado em uma passagem de Dom Quixote.