sábado, 17 de dezembro de 2016

Confissão do Itabirense





Alguns anos vivi em Itabirinha.
Principalmente quase morri em Itabirinha.
Uma tora de madeira me seguia, enquanto eu rolava morro abaixo.
Fui salvo pela Pedra da Boneca,
Que se ergue bela, imponente.
Foi ela quem retardou a velocidade do tronco.
Por isso sou de pedra.
Coração mole.
Eu a vi pela primeira vez da carroceria do caminhão, quando mudávamos para Itabirinha.
Foi um baque.
A gratidão que tenho pela vida vem da Pedra.
Com ela aprendi que as dúvidas não serão dissipadas.
É a dúvida que me impulsiona.
A Pedra da Boneca me ensinou, que nem sempre a menor distância de um ponto a outro é uma reta.
Ainda hoje é ela quem me faz lembrar a nudez macia de Auxiliadora e de seus seios juvenis, duros como a Pedra.
Dos nossos desarvorados beijos nas tardes quentes de Itabirinha.
Hoje sou letra solta no alfabeto.
Itabirinha não é apenas uma fotografia na parede.
Como a Pedra da Boneca, cravada em meu coração.
Mas não dói!






Foi durante a releitura de algumas poesias de Carlos de Drummond de Andrade, especialmente Confidência do Itabirano, que me veio a ideia de escrever sobre meus dias em Itabirinha. Uma coincidência: Itabirinha, diminutivo de Itabira. Drummond o poeta maior, eu o poeta menor.








Confissão do Itabirense fecha o livro Estrelas (poesias), que tem ainda A Moça do Violoncelo (contos de mistérios). São dois livros em um, com duas capas e orelhas em papel laminado. 176 páginas. A publicação não tem fins lucrativos. Saiba como receber o seu exemplar, entrando em contato com o autor, pelo e-mail: jestanislaufilho@gmail.com ou pelo zap 32 - 9 99630023


quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Fazenda onde se ‘brinca’ de ter escravos reproduz o sonho dos batedores de panelas. Por Sacramento



Revelada pela reportagem do The Intercept, a Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, oferece aos visitantes a oportunidade de viajar no tempo. Por valores que cabem no orçamento de quem bate panela no conforto da varanda gourmet, pode-se pular da democracia moribunda dos tempos atuais para o cotidiano da elite escravocrata do século XIX.

Segundo a matéria, a atual proprietária e descendente dos antigos donos da fazenda recebe os turistas em trajes de tempos em que os acepipes do café da tarde vinham do cruel e doloroso trabalho escravo.

Pelo visto o sofrimento negro não deixou amargor nos quitutes nem peso na consciência dos anfitriões e dos visitantes que pagam entre R$ 45 e R$ 65 para serem servidos por mulheres fantasiadas de escravas.

Em um vídeo em que apresenta a fazenda, a proprietária e herdeira Elizabeth Dolson veste-se de sinhá e indica sem o mínimo sinal de consternação as ruínas da senzala. Minutos depois, no interior da casa grande, apresenta um instrumento de tortura exposto sobre a mobília.

“Viramundo. É para castigar os escravos. As mãos vinham aqui, os pés e trancavam com isso”, explica Dolson com a mesma naturalidade com que mostra os móveis centenários feitos em madeira de lei.

No final do vídeo, em uma suntuosa sala de jantar, a herdeira comenta vida de riquezas e gastos nababescos dos seus antepassados. “Viver numa fazenda a 14 horas do Rio de Janeiro, é … ‘vamos fazer festa, vamos gastar dinheiro, nós temos!’ Então, para mim, eu faria o mesmo, faria exatamente a mesma coisa”.

É aquele Brasil imortalizado nas instalações da Fazenda Santa Eufrásia que os militantes em camisas amarelo-canário-CBF querem de volta. Um país onde o trabalho árduo de muitos sustenta a opulência de poucos.

Para eles não interessam os 150 mil estudantes negros que o sistema de cotas inseriu no ensino superior entre os anos de 2013 e 2015. Muito menos a redução de 73% no índice de mortalidade infantil entre os anos de 1990 e 2015.

Na realidade, esses revoltados querem apenas a manutenção dos seus privilégios e viver como os barões e sinhás do passado. Talvez seus desejos se realizem. Com a bagunça institucional que se instala no país, é possível que os indicadores sociais voltem a índices do Brasil Império.

Só não devem se iludir. É improvável que na mesa de jacarandá da Casa Grande tenha espaço para todos eles.

Marcos Sacramento


SOBRE O AUTOR

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/fazenda-onde-se-brinca-de-ter-escravos-reproduz-o-sonho-dos-batedores-de-panelas-por-sacramento/