sexta-feira, 26 de maio de 2023

Perplexidade/Pirata


Imagem: Google



Perplexidade



árvores desarvoradas se desenterram
folhas mortas de cansaço
do fundo da terra brotam larvas floridas
ervas daninhas se alimentam do caos
o leão de pedra devora o escultor
a plebe ignara ignora boa conduta
assassinos elegantes se indignam
pássaro de lata rompe as nuvens
pássaros de penas voam sem olhar as asas
tiranos fazem planos
todos querem seu quinhão
o ribombar do canhão ecoa
conspiração!


Imagem: Google


Pirata



Pirata, rebelde aventureiro,
desfraldando velas, singrando mares.
Transgressor da ordem estabelecida,
desvia a rota dos navios conformados
com bússolas podres,
singra os mares com o apoio de tubarões,
golfinhos, baleias, arraias...
Cordas e cordões de ouro
o mar não diferencia, corrói.
E o pirata desafia,
pois não tem alma conformada.


J Estanislau Filho


Poemas que integram o meu livro Estrelas - edição do autor 2015



quinta-feira, 25 de maio de 2023

Eu não era assim

Imagem: Google

Acordei diferente hoje, depois de uma noite mal dormida. Coisas estranhas roeram-me as entranhas. Enquanto preparava o café matinal, eu ouvia "quando entrar setembro e a boa nova se espalhar nos campos", na voz rouca de Beto Guedes, refletindo sobre as criaturas extraordinárias que me fizeram perder o sono. Acredito mesmo que os sonhos tenham significados em nossas vidas. Pode dar medo, mas é como um dedo em riste a nos admoestar , a desvendar segredos íntimos. Mesmo os mais suaves. Assim que terminei de coar o café, meus olhos encheram-se de lágrimas ao concluir o quanto eu tenho sido egoísta . Era isso que as imagens dos meus sonhos revelavam. 

     Tem gente que se ocupa trocando fraldas de idosos em asilos; doando parte de seu tempo para descascar batatas no Lar Maria Clara*; outros desperdiçam o precioso tempo distribuindo sopas aos moradores de rua; há quem doe tempo para tentar trazer de volta ao convívio social, pessoas submetidas aos grilhões das drogas, e até existem pessoas defendendo os desamparados cães e gatos; alguns querem proteger a fauna e a flora. E sem ganhar trinta moedas!!!

     Enquanto isso eu fico aqui em meu mundinho. Minha casa, meu carro, meu celular, minha internet, meus discos. Durmo e acordo quando bem quero. De repente um demônio vem perturbar meu sossego, dizendo que lá, não sei aonde, há uma guerra e as pessoas estão explodindo e se fragmentando. Eu com isso?

     Subitamente percebi que, nos últimos anos, tenho ouvidos moucos. E não enxergo. Houve um tempo eu não era assim.


J Estanislau Filho

32-99963-0023





A narrativa acima integra o meu livro de contos A Moça do Violoncelo. 


* Asilo em Contagem


quarta-feira, 24 de maio de 2023

Amor Sem Prazo de Validade


Imagem: Google



Era um homem de sentimentos contraditórios. De um lado, a felicidade por compartilhar os prazeres do sexo com uma mulher jovem e bela. Por outro lado, insegurança, por causa da diferença de idade, grande, para os parâmetros vigentes. Fazia uma analogia do amor de Delgadina com o personagem do romance de Gabriel Garcia Marquez, Memórias de Minhas Putas Tristes.

     Maria Cândida se derretia de amor a Jorge Fernando. Nua e sem pudores, expunha a maciez de seu corpo jovem aos olhares e toques do seu amor, meu homem, como gostava de dizer. Quando faziam sexo, ela preferia fazer amor, urrava de prazer, urros escutados nos ambientes contíguos.

     A beleza de Maria Cândida não residia apenas em sua juventude. No delineamento de suas curvas. Em seus seios duros e empinados. Nas coxas esplendidamente torneadas. Era carinhosa e estava sempre disposta ao amor, ao grande amor de minha vida, dizia, abraçando Jorge Fernando. 

     Por seu turno, Jorge, trinta anos mais velho, permanecia em sua ambivalência. Embora encantado com a beleza de Maria Cândida, sofria, sem saber a exata razão. O primeiro baque sentiu ao ir ao cinema. As pessoas reparavam. Fez questão de beijar a boca de Maria, mais com o intuito de avisar às pessoas que ela não era sua filha, do que uma manifestação de amor. Em sua pureza, a garota não percebia o desconforto de Jorge.  Abraçava-o e o beijava publicamente. Às vezes ele a afastava, com irritação. 

     Certo dia Maria Cândida manifestou o desejo de ir a uma casa noturna, para dançar. Jorge tentou demovê-la da ideia. Maria fez caras e bocas. Jorge cedeu, com a condição de que voltariam cedo. Nada de virar a noite.  A casa estava lotada. A pista tomada por jovens, que pulavam e dançavam ao som de dance music. Maria puxou Jorge pelo braço e... O som era muito pesado para os seus sensíveis tímpanos. que gostavam clássicos. Mas não queria decepcionar Maria. Por fim, exausto, foi sentar-se, deixando a pequena curtir a balada.

     Às duas da madrugada, Jorge quis ir embora. Maria pediu adiamento, prometendo que, às três sem falta, iriam. Jorge cedeu, a contragosto. Três horas, novo pedido de adiamento. Às cinco o casal saiu da discoteca, abraçados, felizes. 

     Jorge Fernando e Maria Cândida continuam se amando. Até quando, o tempo dirá. 





J Estanislau Filho

O conto acima integra o meu livro A Moça do Violoncelo - edição do autor - 2015

sexta-feira, 19 de maio de 2023

O sistema comeu Dallagnol e vai comer todo mané metido a coroné

Por Moisés Mendes 


Olavo de Carvalho passaria um pito no grupo que se reuniu em torno de Deltan Dallagnol, no salão verde da Câmara, um dia depois da cassação do mandato do lavajatista.
Faz falta um Olavo de Carvalho para dizer ao pessoal da extrema direita o que precisam ouvir de um deles em voz alta. O grupo até era surpreendente em número e subdiversidade.

Mas os cartazes de protesto contra a cassação do sujeito eram fracos e padronizados demais. Eram cartazes assépticos, demasiado nutelas, quase tucanos, paradoxalmente carregados por uma turma da pesada

As mulheres, respeitosamente à frente, colocavam os cartazes abaixo da linha da cintura. Os homens não mantiveram os cartazes erguidos para aparecer na TV e nas fotos.
Havia um apoio protocolar, que Olavo de Carvalho iria ver como encenação provisória. Não havia ânimo na indignação. Faltava vigor à inconformidade.

Dallagnol sabia que aquilo era apenas mais um teatro antilulista e antipetista. Não havia nada ali de antissistema ou contra o Supremo e o TSE.
 
Todos são do sistema e quase todos eles em algum momento terão problemas no STF e no TSE. Era uma cena armada, com um grupo apenas emprestado para a ocasião.

Montaram um cenário para tentar conectar a decisão do TSE com a ‘vingança’ de Lula, como os jornalistas de extrema direita repetem sem parar.

Estava ali Eduardo Bolsonaro, mesmo sabendo que os três ministros do TSE afinados com a família votaram pela cassação.

Estavam uma deputada que correu armada atrás de um jornalista negro, outra que votou contra a equiparação de salários de homens e mulheres e uma senadora que viu Jesus na goiabeira.
Entre os homens, apareceram os que odeiam a universidade pública e não têm simpatia por indígenas, negros e gays.

O cassado cercou-se de uma fanfarra meia-boca. Todos fingem fazer alvoroço, mas nenhum deles enfrentará os ministros do STF e do TSE.

Um sujeito que construiu em Curitiba sua imagem como antissistema, e que batia nas falcatruas da política, cercou-se com o que há de mais sistema, gente que usa e abusa do que a política oferece aos que desfrutam dos seus subterrâneos, enquanto fingem que a condenam.

E aí surgem as dúvidas que já deveriam ser tratadas como certezas. Dallagnol queria ser político quando deixou o Ministério Público para se candidatar a deputado? Não.

Sergio Moro queria fazer carreira política, quando deixou a magistratura para ser empregado de Bolsonaro, logo depois de mandar prender Lula? Também não.

Dallagnol e Moro queriam escapar do pântano que criaram em Curitiba. O procurador buscou uma candidatura para fugir da inelegibilidade representada pela ameaça de 15 pedidos de inquéritos no Conselho Nacional do Ministério Público.

Foi o relator da ação no TSE, ministro Benedito Gonçalves, quem afirmou que o agora cassado fraudou o registro da sua candidatura para se antecipar às investigações. O relator definiu tal gesto como fraude e foi seguido pela unanimidade.

Antes de ser político com mandato, Dallagnol queria ficar ultrafamoso e ganhar muito dinheiro com palestras para multidões, como mostram suas conversas na Vaza-Jato.

Nas horas vagas, planejava ser o dono de uma fundação com R$ 2,5 bilhões da Petrobras.
Nunca ninguém no Brasil teve uma fundação que surge com R$ 2,5 bilhões. Nem Amador Aguiar.
Enquanto isso, Moro considerava duas possiblidades, nessa ordem: ser ministro do supremo, por serviços prestados à direita na Lava-Jato e ao fascismo no governo de Bolsonaro, ou ser candidato a presidente, se gostasse da lida e surgisse uma brecha nessa direção.

Os dois ganharam mandatos como consolação, indo parar onde sempre condenaram, no Congresso da política suja, conforme a imagem construída pelo lavajatismo.

Dallagnol e Moro enfiaram-se dentro do sistema, porque nenhum deles iria sobreviver como servidor do outro sistema que eles depreciaram, o sistema de Justiça.

Durou cinco meses a experiência de Dallagnol dentro do sistema de Brasília. A experiência de Moro também pode durar pouco.

No dia seguinte à cassação, ele e Moro se reuniram para tentar uma saída. Na Lava-Jato, eles tramavam sem escrúpulos para criar armadilhas para os inimigos e chegar até Lula.

Agora na política, tentam usar as mesmas artimanhas que condenavam no sistema e deliram com a possiblidade da maracutaia de uma anistia a Dallagnol e por antecipação ao próprio Moro.

São dois caras antissistema esperneando no sistema que não dominam. Ambos são amadores e simplórios demais para entender o sistema que vai comê-los. Comeu um e vai comer o outro.

Não é apenas o sistema de Justiça que está se livrando deles, é o sistema todo, o político e o de Justiça, em seu mais amplo sentido e alcance, o mesmo que se livrou de Demóstenes Torres, Delcídio do Amaral e Eduardo Cunha e não precisou se livrar de Aécio.

O sistema de Justiça só teve a chance que esperava e fez o serviço. O sistema, qualquer sistema, expele o mané que se mete a coroné.


Fonte: https://www.blogdomoisesmendes.com.br/o-sistema-comeu-dallagnol-e-vai-comer-todo-mane-metido-a-corone/

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Contando Estrelas

 

J Estanislau Filho




SUMÁRIO


O AMOR EM VÁRIOS TONS


Oferta
Abraço
A Mais Bonita
Promessa
Amar de Todas as Maneiras
O Amor em Vários Tons
Amor Amor Amor
O Chaveiro
Aclimação
Bondade
É Preciso Amar
Cumplicidade
Naturalmente
Sonho 2
Descaminhos
Kaira 
Reconhecimento
Luz de Vela
Sonho 3
Para Antonia
Boa Noite
Ver
Sonho 4
Ciúme
Enquanto não Vens
Ervas Daninhas
A Saudade
Sonho 5
Exercícios ao Amanhecer

CONTEMPLAÇÃO

Assim Que a Chuva Cair
Um Jardim
Diálogo com um Pássaro
Uma Causa Animal
Sete Lagoas
Itapema
Filho da Natureza
Bichos
Uma Rede de Luz
Comportamento
Obras-primas
Divertimento 
Vida em Movimento
Pássaro Pousado
Das Belezas da Vida
Poema sem Graça
Poema Medroso
Poema Debaixo de Chuva
O Amor Voltou
Casinha Feliz
Contando Estrelas
No Caminho da Lua
Meu Canto
Sonho 6
Sou Poeta
O Dia do Escritor
Neblina
Eu Vi Gente Feliz
Dias Curtos
Poema ao Meio-dia
Os Mortos do Carmo
Luto
O Som das Árvores
Passarada
Natal do Humildes
Poema de Início de ano


3

 SENSUALIDADE

Arrepios
Se me Permitires
Calor
Vermelha
Atrevida
Se
Querida
Soneto de Arvers
Poema
Chama
Você é...
Tesão
Cama
Lua Negra
Mulher de Óculos
Ela 2
Esfinge
Cinema
Amante
Afrodisíaco
Como Plantar Melão


PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES


Rosa Menina
Rosa do Deserto
Bromélia
Crisântemo
Coroa Imperial
Cacto
Como Flor do Cerrado
Magnólia
Begônia
Flor Miúda
Cravina
Hortênsia
Azaleia
Poesia em Decomposição
Minha Flor
Lembranças do Futuro
Todas as Flores


SOCIEDADE


Reflexão
Meninas do Facebook
Tenho  Comigo
Verônica e o Vaso de Lágrimas
Busca
Mulheres Mulheres
Falo de Vidas
Liberdade
Poesia Rima com Democracia
Brasil do Pau-Brasil
Maria 2
Poema Pop
Poema de Fim de Ano
Sob Nuvens o Sol se Escondeu
Ao Som de Ah, lé lec lec
Café, Amigos, Bolos
Anônima
Pele Negra
Consciência Negra
Margarida
Vai a Vaia
Vermelho
Soneto da Liberdade
Resistência
Poesia à Prova de Balas
Anjo das Trevas
Globalização
Futebol
Palavras Singelas
Marisa
Falando Nisso
Felicidade
Felicidade 2
Tristeza
Tese Epistomológica Mitopoética 
Véio, eu?
Enigmático
Espelho
Os Pobres


COISAS DO BRASIL


Coisas do Brasil
Prece do Perdão
Aos Pais e ao País
Acordar o Dia
Poema à Meia-noite
Segundo Manifesto
Temer Poeteiro
Ponte Para o Futuro
Soneto
Fluxograma
Vale de Lama
Finitude
Rumo
Como Conquistar Leitores
Exit
O Último Poema


O AMOR EM VÁRIOS TONS

oferta

ofereço a ti amor
o meu olhar sonhador
que enxerga luz na escuridão

ofereço as paisagens
de minhas retinas
as maravilhosas nuvens
que desanuviam o teu coração

ofereço-te a minha poesia
meu afeto e a alegria da partilha
de um menino inquieto
que se desatina com a injustiça
e atiça tuas fantasias

ofereço-te meu coração
e meu ouvido atentos
para enxergar e ouvir teus sonhos
ofereço a ti amor
na alegria e na tristeza
palavras e gestos de alento...


abraço

abraço é um laço
um lance de carinho entre seres
que se querem bem
a hera abraça o muro
e entre plantas enlaça-se segura
em perfeita simbiose
pois que o abraço é troca
dádiva que cura
são galhos que se encontram na mata escura
caneta que abraça o papel
pincel que beija a tela
estrelas abraçando o céu
o abraço conforta
aquece a alma
e traz a sorte
semente que brota
o abraço é uma obra de arte.


A mais bonita

Ela é tão bonita
que o sol do meio-dia para as horas.
Seu sorriso branco espalha aroma de flor do campo.
A mais bonita se desarruma no espelho e se torna mais bonita.
Colhe esperanças e delas faz broches de enfeitar as vestes.
Ela é tão bonita e morre de medo de ser descoberta.
 

promessa

meu cheiro de grama molhada
abraçou o lençol e me olhou
com seu jeito de flor.

abriu um sorriso bonito
rolou de um lado ao outro
e sussurrou em meus ouvidos
palavras de ternos sentidos

disse que me daria uma estrela
que a depositaria em minhas mãos

levantou-se vestida de sol,
era mar era lua esplêndida
era estrela prometida


amar de todas as maneiras

amo o amor que fica
amo o amor que parte
o amor que edifica
amor que reparte
pão e poesia
amor que se identifica
com a magia da arte
e em tudo se aplica
na vida ou na morte
na tristeza e n'alegria
amo o pássaro no ninho
cuidando com carinho
do filho que vai nascer
amo a terna companheira
que zela pelo bem-querer
amor que não discrimina
prepara o amanhã
de paz e gotas de chuva
de sol que se assanha
por uma lua tamanha


o amor em vários tons

amor não se esgota
clichês que se renovam
flor roxa sempre brota
dor de cotovelo
o mesmo novelo
a mesma novela
que se desenrola
em finas pérolas...

amor
serei sempre
um coração trouxa
grato por amor
por deus por nós
clamarei no deserto
com olhos baços
e em suas sendas me embaraço

misturo alhos com bugalhos
e espalho fagulhas
para incendiar vulcões
piquenique no jardim
em meio a multidões
em seus lábios carmim
pousarei os meus e
sob abajur e luz de velas
nossos gemidos
estremecerão a terra

sol de primavera
amor quimera
amor de toques
nos olhos sensíveis
fotografando colinas
viagem fantástica
de meninos e meninas
velhinhos velhinhas
princesas rainhas
amor incandescente
uma senhorinha
perto daqui
ou bem distante...


Amor amor amor

Amo o amor que sonha,
clama, chora e pede perdão.
Amo o amor das manhãs,
dos dias de chuva e de sol a pino.
Amo o amor que nasce das entranhas


o chaveiro

o chaveiro guarda as chaves
de que preciso para
abrir e fechar portas
bom seria não ser necessário chaves
bom seria portas e janelas abertas
o chaveiro é mais belo sem chaves
coração destrancado


aclimação

adapto-me a vários climas
inclusive a rimas raras
atento às coisas simples
como quem repara
que viver é sempre 
melhor aqui e agora

o calor não me amofina
sendo que o tempo não para
o frio chega em boa hora
coloco minha boina
e visto meu blusão
se necessário um par de luvas
e numa festa junina
saborear um quentão

mas tem uma situação
da qual não compactuo
não abro mão
: conviver num clima
de racismo e escravidão


Bondade

A bondade praticada sinceramente, espalha-se
e não se queima como palha, evolui naturalmente.
Uma pessoa bondosa não necessita de vanglória,
pois a bondade em si, fica na memória
e nos corações agradecidos.
Abarca num amplexo a humanidade.
Dessa forma a bondade cumpre o seu sentido.
Se a bondade se cala diante da maldade,
não a busque na poltrona da sala,
pois sua morada é o coração,
nem tente enclausurá-la numa cela,
pois que a bondade romperá as grades
ou será libertada por sementes de bondades
brotadas, sem vingar-se das maldades,
para que se tornem bondades.
Porém a maldade também espalha sementes,
que brotam nervosas nos corações e mentes
desumanas, mas não com a mesma intensidade,
embora ela tenha mais visibilidade.
Há que se ter perseverança,
manter acesa chama da esperança
de que mais dias menos dias viveremos tão somente
sob o signo da bondade.


É preciso amar

amo esta tarde de sol forte
amo o norte
o nordeste
 
tantas coisas belas
tonto ao percebê-las
incidindo luz em meus tamancos
e sobre o banco em que me deito...
 
anuncias o teu querer-me
ave que dorme
aninhada em meu peito...
 
nem sabes quem sou
serei fruto da tua imaginação
que desassossegou meu coração
 
meus dias seguiam plenos
sol luz ondas do mar
não sou ave de arribação
ser agarrado à terra respiro este ar...
ser endêmico
cheio de calor
de versos diversos 
ora prolixos ora econômicos
movido por amor...


Cumplicidade

Quando a folha caiu, o pássaro convidou a companheira e, juntos beijaram o solo úmido na manhã tépida.
Recolheram folhas mortas e construíram o ninho onde passariam o inverno.
Foi assim.
Lá, onde seus descendentes continuam a espécie.


Naturalmente...

o que me compele
sentir o perfume da flor
que se abre e se fecha e se abre
ao toque suave da brisa
são suas cores que atraem beija-flores
e me faz crer que sobre sua pele amada
há o perfume e a sua flor
se abre e se fecha e se abre
quando te beijo


Sonho 2

sonhou a noite inteira
em sonho riscou o piso
do quarto e da banheira
um desenho irreconhecível
com riscos de carvão
e o desenho movimentou-se
e tornou-se tangível
olhou as suas entranhas
e ela permanecia imóvel
enquanto este ser carvão
navegava em suas veias
rumo ao seu coração


Descaminhos

no ir e vir dos descaminhos
[fostes o meu contraponto]
ao teu lado estava sozinho
[e fora eu teu desencanto]

do ferro-gusa fui ourives
[a tristeza fora tua alegria]
eu escalando declives
[fostes minha antipoesia]

pasárgada antimonárquica
[meu reino não é deste mundo]
enquanto tu te defines anárquica
[eu poeta de versos infecundos]

viver é morrer a cada minuto
[os descaminhos se encontram]
tu és silêncio enquanto eu aflito
[convergências se embaraçam]

nestes tortos descaminhos nos encontramos
e não sabemos para onde ir
e só há um caminho a seguir


Kaira*

o ventre germinou o fruto
fruta macia
não se preocupa com a algaravia
ao redor
alheia não se alia
à desordem de emoções pré-fixadas

houve choro e risada
e silêncio...

não veio do bico da cegonha
veio das entranhas
da mais pura inocência
para perpetuar a espécie
espalhar e gene de seus ancestrais...

chegou para ficar
amar e ser amada.
é assim que a vida segue
na chegada
do fruto do ventre
na ágora de agora
...que mistérios tem kaira

*Dedicado a Kaira, neta de Junya Paula, amiga e parceira de letras.


Reconhecimento

reconheço a sua luz
brilho de ouro puro
sorriso conciso
segurar o choro
cabelos jogados
sobre os olhos acesos
um diálogo análogo
estabelecido em conluio
reconheço o kimono
convite a um passeio
em um jardim de fato
fotos expostas
demorada resposta
posto que a pressa inimiga da perfeição
reconheço seu esforço
sua força de vontade
reconheço sua fina educação
a distância que nos separa
construída a ponte
no tanger das horas
reconheço que o amor
é que nos une


Luz de vela

Uma luz de vela lumia seus olhos.
Há no seu olhar um cintilar que confunde emoções
e a terra gira ao redor do sol
como se o sol fosse uma imensa vela.
Sob o céu que nos protege uma criança brinca
de ajudar formiga carregar sua carga de folhas.
A luz do mundo brilha e um transeunte
cumprimenta o vendedor de algodão doce.
Ele passa a mão na cabeça da criança
e de seus dedos saem chamas como se fossem velas acesas.
A formiga vence obstáculos sem a ajuda da criança
e lança olhos de gratidão
e já não há mais crianças abandonadas
na ilusão do poeta


Sonho 3

todas as noites sonhas
todas as noites tua essência
navega sobre oceanos
viestes das profundezas do mar
e a ele retornarás
para te purgares
da fúria dos templos catedrais
onde fostes buscar o sentido de tua vida
depois da longa jornada fora de tua morada
ao retornares lembrarás
dos sonhos sonhados a vida inteira


Antonia

Sua pele sua
sua voz ecoa
em meus ouvidos

Tento me concentrar
em seu sorriso largo
em suas pernas longas

Sua voz voa sem pausa
até o pouso nos lábios


Boa noite

boa noite
assim macio
suave
de sono tranquilo
coração sereno

boa noite
assim poema
brisa
de esquecimento
e renascimento


Te ver

ao te ver pela primeira vez
a emoção embargou minha voz
de incontida alegria

ao tocar a tua tez
foi como plantar a luz
para brotar poesia

e ao sentir a tua paz
houve comunhão entre nós
e o amor se fez verdadeiro

no horizonte o arco-íris
para além do gris
num arco inteiro


Sonho 4

sonho
sonho sim
dormindo e acordado
atiro pérolas e pétalas
sobre teu corpo nu
em meus sonhos profano tua genitália
mordo tuas artérias
enquanto tu dormes
esparjo essências de especiarias
da índia no ambiente
para quando acordares lembrares
que naveguei em teus mares


Ciúme

Chegou de leve
entrou pela casa
em volta da mesa
num gesto suave
          bebeu o café

Foi para a sala
olhou o ambiente
sem sequer uma fala
bem simplesmente
           sentou-se no sofá

Alterou o semblante
ao ver na estante
um buquê de rosas
imaginou mil coisas
           o que será?

Seguiu para o quarto
viu mancha na cama
ouviu-se um grito
de enorme drama
           o pior ainda virá!

Abriu a gaveta
com estilete na mão
rompeu a aorta
o corpo no chão
           num gesto final


Enquanto não vens

virás bem sei trazendo no olhar alegria e o fogo da paixão
enquanto não vens vejo aves migratórias enfeitando o céu
o balançar das cortinas
o silêncio do quarto
o sol nascendo e se pondo para dar lugar às estrelas
enquanto não vens eu me perco no devaneio das horas
marco o tempo no desgaste dos utensílios domésticos
com rios e afluentes inundando meu rosto
e a pele que amacia na flacidez da memória
enquanto não vens retirei o relógio da parede
e o coloquei no fundo do baú debaixo de grossos cobertores


Ervas daninhas

arranquei as ervas daninhas
que cresciam em meu jardim
e o meu coração sentiu-se aliviado
pois a cada erva arrancada
outra morria dentro de mim

com calma atirei-as
todas para fora
embora seja da natureza das ervas
assassinar jardins
não permitirei que brotem

nesse exato momento o céu anuncia
que vai chover
e que as ervas se alastrarão de novo
para eu não esquecer
que a limpeza precisa ser diária


A saudade

A saudade é a ânsia
de atravessar a ponte
do rio de nossa infância,
beber a água da fonte,
saciar a sede da adolescência

A saudade é chama gigante
que arde o coração da gente,
a vontade de rever
com os olhos de agora
o que a memória traz de volta

A saudade chega marota,
trazendo alegria d'outrora,
para nos lembrar que vida
passa num piscar de olhos


Sonho 5

gatos assustados
felinos feridos
uma mulher dual observa
dividida entre o macho e a fêmea
romper ou submeter-se
à comodidade do conforto do quarto
este conforto desconfortável
guiar uma carroça
ou guiar um automóvel
mover-se na imobilidade
enquanto sob seus pés o chão derrete
a beleza é passageira
e o cavalo arreado à sua espera
agora ela recorda tudo que sonhara
o inconsciente desperta
e a consciência desespera

Exercícios ao amanhecer

ao acordar olhe com calma ao redor
respire fundo o ar da manhã
cheire o lençol travesseiro e o cobertor
lá fora um pássaro se assanha
sinta o seu próprio odor
cheire seu amor mas se estiver só
converse consigo abra as cortinas
devagarinho para entrar o sol
se há chuva forte ou fina
nada disso importa
chuva faz bem ao chão
aproveite e abra as portas
principalmente as do coração
não se esqueça de se ver no espelho
hum que cara hem!
mas não fique aí de molho
é sinal de quem dormiu bem
vamos lá se ajeite se arrume
faça um bom lanche também
tome tento e se aprume



CONTEMPLAÇÃO


Assim que a chuva cair

assim que a chuva cair
a alma florir
o amor invadir os corações
serão novas as estações

o sol vai acordar a noite
fazer brotar um novo dia
e se a noite for de breu
a natureza a quis assim
manto de nuvens no céu
embalando as estrelas

dias e noites de festa
com pão e circo... e poesia
colheita farta

assim que a chuva cair...


Um jardim

Sobre o tapete de grama a rosa do deserto se abre
diante do olhar de um casal de garças de asas sempre abertas.
Um pássaro miúdo constrói o ninho num pé de limão,
sob a proteção de três palmeiras em fileira,
que ofertam seus troncos para a morada de uma penca de bromélias,
samambaias.
Um jardim de vasos decorados por pitangas
amoras
figos
sapotis
cajaranas
jabuticabas
Um jardim de lagartixas e joaninhas
formigas e passarinhos
e insetos piscando luzes à noite


Diálogo com um pássaro

Sinto que a falta de assunto
me assusta tanto,
a falta de criatividade me deixa tonto.
Então eu me sento no banco do jardim
e ouço o pássaro que fala comigo assim:
não seja pessimista, sua criação está estancada
por conta dos crimes ambientais,
com as terríveis queimadas
e a morte dos animais.
Eu respondo:
Por tudo isso meu bom pássaro,
mas também pela morte de índios e seringais,
pelos recursos hídricos e populações ribeirinhas!
Como ser otimista,
quando quem nos governa é gente mesquinha?
No que o pássaro admite:
Verdade, também estou triste,
vendo tanta vilania,
mas minha natureza é cantar
e a sua é fazer poesia...


Uma causa animal

Defender os miudinhos:
cães, gatos e miquinhos,
arapongas, morcegos e sabiás;
maritacas, corujas e preás...

Proteger os animais!

Defender também os grandões:
bovinos, hipopótamos e muares;
elefantes, onças e leões,
baleias, orcas e arraias nos mares...

Defender os animais!

Vida longa às ovelhas,
não incomodar as abelhas,
tampouco os jabutis,
javalis, sanhaços e colibris...

Enfim, todos os animais!


Sete Lagoas

Setenta vezes nove o que me comove:
Esperança de ver sorrisos abraços chegando sem avisos
Ternura distribuída  às pencas como folhas de avencas
Em grutas e fendas penetrar sendas desbravar...

Lagoas e lagos banharão meu corpo logo logo
A vida sugere banhos de belezas
Gozar as maravilhas da natureza
Ouvir sons em todos os tons
Amar flora e fauna e as pessoas
Senti-las no mundo e em Sete Lagoas


Itapema

O corpo ainda dorme,
fogo-apagou em alarme,
miquinhos com fome

Os pés tocam a lama
do mangue de Itapema,
para acordar a alma

Crianças catam mariscos,
maré baixa oferta petiscos,
que dizem excitantes

O mar está pra peixe
com a maré alta,
pescador espreita

Amendoeira de galhos
na calçada de Dona Celeste,
brisa balança as folhas


Filho da natureza

sou filho da mãe
e do pai
filho da terra
e do sal
sou filho da água
e do sol
sou vento e calmaria

filho da rocha e da borracha
do vermelho da acha
sou filho da lua
e da luz
filho do fogo
e do ar
sou filho do lago
e do mar
sou rio em agonia
sou a gota d’água que da folha cai
grão de areia na praia
a poeira do deserto
ovelha e orvalho
sou o silêncio do mar morto
o som das cachoeiras
filho da natureza


Bichos

Para o meu neto Raul

Aranha assanha
Formiga amiga
Cupim no capim
Carrapato no pasto
Grudado em mim..

Escorpião espião de baratas
Coisa chata
Besouro benzadeus
Louva-deus adeus
Canarinhos fazem ninhos
Maritacas algazarras nas estacas...

Mariposa que coisa
Percevejo não vejo
Pulgões fujões
Gafanhoto bicho maroto
Joaninhas que gracinhas!
O elefante um gigante
O Boi? Já se foi...

Pardais nos fios desafiam
Andorinhas de déu em déu
Urubus voam no céu
Bem-te-vi não te viu
Beija-flor não veio...

Raul se distraiu com o relâmpago
E dormiu quando a chuva começou


Uma rede de luz

acordas num tapete de sonhos

o sol nascente banha teu corpo
e reverbera luz ao redor

flores desabrocham
 
formigas voadoras se atropelam no ar
aleluias aleluias aleluias

a lua cheia surge altaneira

brilho em teu olhar
a noite é de céu estrelado

para que durmas feliz

rede de estrelas se estende
num balanço iluminado

Comportamento

se deixássemos os peixes
livres nas águas
as aves nos ares
nos galhos das árvores
seríamos melhores

se deixássemos os povos originários
quietos em seus lugares
fôssemos mais solidários
com todos os seres
viveríamos melhores

fôssemos mais selva
e menos concreto
fôssemos mais relva
seríamos melhores de fato
e a terra estaria salva

Obras-primas

formigas carregam pétalas de rosas
abelhas sugam o néctar de flores
joões-de-barro constroem casas
beleza nos galhos das árvores

um beija-flor a beijar

e os rios seguem seus cursos
um quixote investe contra moinhos de vento
macaco-prego leva um filhote sobre o dorso
pombos se acasalam ao relento

nudez nas ondas do mar

a relva brota sem raiva
crianças na horta
lagarta devora a seiva
nasce uma borboleta

viver é navegar

estrelas abraçam a lua
tecem telas escrevem enigmas
delícias de guloseimas
a cachoeira deságua

gente pela vida a vagar

a chama crepita na fornalha
incendeia corações humanos
um corpo envolto na mortalha
seguirá para outro plano?

divertimento

contemplo o tempo lá fora
da vidraça do meu templo
vejo gente de toda raça
como não via lá na roça
vejo motos e motociclistas
de capacetes nas cabeças
vejo pedestres e motoristas
uns lentos outros às pressas
vagando pelas ruas e praças

do meu templo contemplo
bons e maus exemplos
meu templo é minha choça
onde moro com uma moça
senhora de bons sentimentos
que me sugere lavar a louça
como se fosse divertimento
lavar enxaguar depois guardar
nos compartimentos


Vida em movimento

a chuva chegou de mansinho
com meigos trovões
e relâmpagos contentes

poeiras nos porões assustados
silenciaram-se
as plantações alvoroçaram-se
vida em movimento.

Pássaro pousado

Pássaro pousado
em arame farpado
em arame liso
é um aviso:
faltam árvores!
não se apavore
pássaro cativo
encontrará abrigo
em algum galho
de quintal amigo


Das belezas da vida

Plantei árvores, muitas.
Escrevi livros, tive filhos.
Por onde passei cultivei jardins.
Aprecio a variedade de cores,
Das flores e das folhas.
Continuo cuidando da natureza e de mim.
Sou também natureza.
O manacá da serra está uma lindeza!
Debaixo da minha janela


Poema sem graça

poema sem graça
nasce sem a força
da emoção

poema sem graça
faz troça
conspira contra o coração

por mais que se esforça
enforca as palavras
estrangula as rimas

poema sem graça
sem crença
sem a graça de deus

que o amor convença
corações ateus
escrever poemas com graça

que o poema entre altaneiro
n'alma dos crentes
que só pensam em dinheiro


Poema medroso

coração imóvel
jamais comove
nem locomove
amor viável

amor não salva
alma derretida
sem ressalva
por toda a vida

enfim o perdão
vem do coração
e não se resolve

tudo se dissolve
nas bordas frias
do tempo


Poema debaixo de chuva

A chuva caiu sobre meu corpo
fez goteiras em meu interior
ressequido de amor

Irrigou meu coração
em sintonia com os teus
fez brotar compaixão
A chuva é Deus


O amor voltou

Demorou mas veio
devagarinho e meiga
trazendo nos dedos
carícias e nos lábios beijos
para espantar nossos medos

No começo mansa
mas aos poucos avança
com suas unhas relâmpagos
arranha meu corpo
entre beijos e trovões

Me entreguei a esse amor
que aplacou o calor
do meu corpo e da terra
chuva benfazeja
a natureza não erra

Casinha feliz

Casa simples
Sem varanda
Onde sempre
Brotam alamandas

O muro é de pedras
Amontoadas ao léu
Pelas mãos de Pedro
De Maria José e Dirceu

A casa é pequena
Mas sobra lugar
Para rosas açucenas
Para Maria há mar


Contando estrelas

Noite passada contei estrelas.
Verrugas não nasceram.
Minha mãe, Dona Bela
Teria me iludido?
Agora, depois de velho, ancião,
Descubro o que me fora escondido,
Tinha uma intensão,
Um objetivo:
Não importunar a Criação!

Eis que me vem a lembrança
Uma outra situação:
Minha mãe dizia que lá na lua,
A figura que eu via
Era São Jorge num cavalo,
Lutando com um dragão.

Hoje sei que são crateras,
Como as que ficaram em mim
Quando minha mãe partiu pra outra esfera


No caminho da lua

no caminho da lua
o mar se fez chama
a terra inteira tremeu
no caminho do caminho estrelas se infiltraram
era tudo luz do sol
era tudo premissa
fora promessa
a vida como ela é
luz do sol
luz do céu
luz do som
luz do breu
bom caminho do mato
luz do sapo
iluminando o tato
no caminho da lua
encontra-se a vida


Meu canto

quando canto
desperta em mim
todos os sonhos
por isso canto sim
os sonhos bons
e os medonhos
porque sonhar
é dar asas à imaginação
é voar nas nuvens
e ao rés do chão
canto o amor que vem
o amor que vai
além do coração

Sonho 6

duas regatas no varal
uma verde outra marrom
sentiu a textura da marrom
quanto custa senhor?
vinte reais
muito cara encontrara por três
regina desaparecera
passou sob o varal
do outro lado um açougue
com balas em um recipiente
tinha gosto de gordura e sal

Sou poeta

Sou poeta,
E porque sou poeta
Posso caminhar sobre as águas,
Voar até as nuvens ao lado da mulher que amarei.

Sou poeta,
E porque sou poeta faço um pedaço de pão
Alimentar multidão,
Posso construir tetos aos sem tetos,
Dar fim à especulação imobiliária.

Sou poeta,
E porque sou poeta
Posso unir palestinos e israelenses,
Despoluir o meio ambiente,
Posso escrever versos contra o preconceito,
Sem me preocupar com ódios.

Sou poeta,
E porque sou poeta posso silenciar os canhões da OTAN,
Desativar ogivas nucleares
Construir a felicidade em todos os lugares.

Sou poeta,
E porque sou poeta
Posso viajar num rabo de cometa,
Fazer do sonho realidade.

Sou poeta,
E porque sou poeta saberei ouvir
Os que têm sede de amor e desejam, como eu,
Paz e harmonia,
Um mundo de poesias

O dia do escritor*

por ser o dia do escritor
tirei folga
não escreverei sobre nada
tenho ideia vaga
de que cavalo não desce escada

* 25 de julho


Neblina

não queria sair da cama
naquela manhã
contudo o piar da jaçanã
ecoou distante
nesse exato instante
desabraçou-se do cobertor
para respirar o ar lá fora
e abraçar a sua dor.
Quis chorar
quis gritar
as lágrimas não o socorreram
e o grito
ah o grito foi de satisfação
o sol vazou a neblina e derramou
a luz em seu coração.

Eu vi gente feliz

Eu vi gente feliz.
Andavam nas ruas de mãos dadas.
Subiam e desciam ladeiras.
Tinha mulheres de várias faixas etárias.
Homens também.
Crianças também brincavam.
A balconista me sorriu.
Um cachorro me abraçou.
Vi cachoeiras.
Pedreiras.
Vi o vale das borboletas.
Em São Tomé das Letras
E tem gente perdendo tempo em odiar

Dias curtos

dias curtos horas velozes
e assim vão-se os meses
a cama convida para ficar um pouco mais
mas é hora do café e música que embala
embola o tempo
irrigar o jardim plantas medicinais
falta faz uma horta
o beija-flor beija suga o néctar
parado no ar
e quando se vê já é hora do almoço
dias curtos horas velozes
canário canta em alvoroço
uma duas três vezes
as azaleias floriram
cravinas begônias
lá da casa da vizinha uma música
adorna o jardim
horas velozes
voou para longe o canarinho
o céu da boca da noite bem que podia chegar devagarinho
mas não
os pássaros se acomodam em seus galhos
outros bichos têm nas moitas seus tetos
ou as marquises dos prédios da metrópole
na escuridão late um cão ou uma cadela
dias curtos noites curtas
horas velozes
o tempo escorrendo em minhas  mãos

Poema ao meio-dia

Ao meio-dia, nos trópicos, se sol houver,
transeuntes pedem nuvens e guarda-sóis.
Os animais se protegem sob as sombras de árvores.
Ao meio-dia em ponto o sino da matriz não dobra.
O alto-falante chia.
Os moradores silenciam.
O locutor vai comunicar um fato novo.
Pelas primeiras palavras, todos sabem
tratar-se de um anúncio fúnebre.
O vendedor de algodão doce não buzina.
Os talheres se agitam na cozinha ao lado.
O homem do meio-dia, dionisíaco,
além do bem e do mal, perdeu o senso cognitivo
após embriagar-se de vinho.
A razão obrigou-o ao término numa dose de cianureto.

Os mortos do carmo*

jazigos adornados
lápides revelam
história adormecida

sono eterno
sob concretos
estrutura óssea

os mortos do carmo
cinzas encaixotadas
silêncio que não se rompe.

(*) Cemitério de São João Del Rei - MG

Luto

para luara

cega
de repente tudo breu
fuga
onde o sol se escondeu?
amiga
perdeu encanto pela vida
e se despediu
partiu
o coração de quem ficou
luto


O som das árvores

Ouço o choro das árvores nos cortes
Ouço seus risos nas carícias do vento
Ouço a canção de ninar no pouso das aves  em suas copas e galhos
Quando os frutos são colhidos
Em suas dádivas de semear sombras
Seus galhos são braços abertos aos abraços
Choram e gritam como crianças ao ruído das motosserras
Florestas em chamas ecoam tristes melodias
E quando a chuva cai ouço canções de alerta
Elas renascerão das cinzas
Para nos dar uma nova chance de vida


Passarada

arara
no pé de araçá
coisa rara
de se vê

bico-de-lacre
no pé de capim
um sorriso
para mim

urubu
fazendo graça
sobre uma
carcaça

bem-te-vi
pena amarela
está sempre
de sentinela

canário
de galho em galho
que maravilha
de cenário

beija-flor
batendo asas
à procura
de sua casa


papagaio
no arame do varal
um trapezista
sem igual

andorinhas
fazendo verão
na soleira
do casarão

tuiuiú
do Pantanal
num voo
sensacional

aves
procuram árvores
suas casas
seus lares



Natal dos humildes

no embalo dessa festa
embrulhamos nossos sonhos
em estampas coloridas.

nossos desejos mais secretos
expostos em vitrines
refletem nossos afetos.

para a filha uma boneca
para o filho um carrinho
para a família muita luz
pão e vinho
uma prece pra Jesus

Poema de início de ano

Um novo ano se inicia
anuncia o calendário.
Dos seus planos renunciaria
algum, para ser solidário
com alguém que nem sonhar pode?
Abriria mão de seu ipod,
do turismo na Europa
ou da tevê de led?
Será que você topa?

Das coisas materiais
a gente até se desapega
com um grau de altruísmo,
mas romper com o falso moralismo
e com o preconceito internalizado,
eis o desafio, o fio da meada.

Manifestar seu desagravo,
construirmos um mundo novo,
sem escravos!



SENSUALIDADE

Arrepios

teus pelos arrepiam
quando sussurro em teus ouvidos
palavras mágicas de desejo
e ao tocar teus seios perco os sentidos...

liberta dos grilhões do medo
mulher com a libido agitada
montas sobre meu corpo
sedenta de prazer...

Se me permitires

se abrires a guarda e permitires que eu adentre teu íntimo...
se deixares uma fresta, um orifício em teu coração,
ocuparei os espaços, para construir um abrigo
e em comunhão contigo alçaremos voos...
ah, se me permitires tocar tua pele,
se me permitires ver a menina dos teus olhos,
verás a minha em dimensão tridimensional...
se revelares os teus sonhos,
os teus segredos,
a ti será permitido amar sem medo...
se me permitires!

Afrodisíaco

Coalho
é pra queijo.

Malho
é pra bigorna.

Bom pra sexo
é ovo de codorna

Calor

O calor acende fogo
Afago seu corpo ao toque das mãos
Amor maduro que ascende
Não esconde em falsa aparência
Pois brota do fundo do coração
Canção de pura essência...


Vermelha

vestiste a cor do amor
do desejo
camisola vermelha
vieste saciar a sede
na fonte dos lençóis
cor de sangue
vermelha e sensual
o encontro de yin yang


Atrevida
 
sem peias nem meias palavras
foi um furacão
um cometa de luz
trovoada feminina
mulher!...
cianeto estricnina
uma atrevida
chapa quente
coisa boa
indecente!

Se

se diante de uma mulher seu coração acelerar
se as pernas tremerem
se bater um medo repentino
e esse homem tornar-se menino
são sinais de que o amor pode acontecer

se a mulher olhar de soslaio
se sorrir com suavidade
se balançar os cabelos
e se esta mulher eriçar os pelos
são sinais de desejo mútuo.

Querida

A hora se aproxima
Seu perfume se espalha no ar
Faz tranças enquanto se tranca no medo
Querida
O amor é uma mistura de medo e desejo
Que nem reza brava segura
Flor em busca de luz
Raio que risca o céu
A hora se aproxima porque assim a libido exige
Porque fomos criados para amar
E romper aldravas

Soneto de Arvers *

Meu segredo guardado a sete chaves
Dilacera este coração sensível
Voando sobre nuvens tal qual ave
Por causa de um amor inconcebível

Oh doce musa de meus devaneios
Que jamais percebe a minha presença
Busco com obsessão todos os meios
De lhe chamar a atenção e a sua anuência

Enquanto passa, segura de si
Aqui na tela do computador
Num desfile suavemente sensual

Sem ao menos respirar para mim
Sem se preocupar com a minha dor
Ah, quem será esta mulher virtual?

* Este meu soneto foi Inspirado no soneto de Arvers: Alexis-Félix Arvers (Paris, 23 de julho de 1806 – Cézy, 7 de novembro de 1850) foi um poeta e dramaturgo francês, que ficou mundialmente conhecido por um soneto, o "Soneto de Arvers", o qual inspirou diversas traduções, peças e livros dedicados inteiramente ao seu desvendamento.


Poema

construir frases banais
como pedir beijos
sem uis e ais
sem cortes no coração...

imensurável desejo
seus beijos sempre mais
álibi ou ensejo
de ancorar em seu cais...

seu nome nada sobre o amor
sobre o mar deságua
em inclinações desertas
e não desperta...

não se perca em tristeza
de horas tortas
encontre-se na certeza
de que viver é navegar em pântanos
nunca antes pranteados

Chama

a chama aquece a pele
aquece a alma sem remorso
no remanso de seu corpo
o rio segue seu curso
[desejo não declina]
sob vestes transparentes
descoberta fantasias


Palavras singelas

Mulher desejada
Pela sua beleza
Com alma lavada
No lago da gentileza
Será sempre um poema.

Você é...

você é lenha
é brasa
então venha
e arrasa
esquenta-me com seu fogo
mas venha, venha logo!

Tesão

foi muito tesão
a caneta penetrar o papel
e rolarem no chão


Cama

nela me deito
nela me deixo à vontade
sou o que tenho direito:
olhar o teto e mais nada
sem você posso até silenciar
dormir quando quiser
ouvir a cortina balançar
sem você na cama
posso dormir e acordar
o coração


Lua negra

ela mexe a mecha dos cabelos
como se fosse novelos
de linhas negras.
os dedos são agulhas
que mergulham íntegras
nos fios do novelo
interagindo com minhas retinas presas
sobre seu corpo sem regras
numa imagem surpresa.

lua negra sobre a cama
numa noite quente
dá vexame a quem não ama


Mulher de óculos

olhei minhas mãos
vi sinais senis
enquanto me distraia na yara's
é a vida, oras!

foi quando ela entrou
linda loira
e sentou-se com rosa
colocou o óculos
desobstruindo obstáculos
oh ela cora!

guardou num invólucro
o óculos
num gesto simbólico
e ficou mais bela
nesta noite na yara's
que horas?


Ela - 2

Ela é única,  ela é a mulher
que me faz dar a volta ao mundo em trinta segundos
e mergulhar mil léguas submarinas.
Vencer a leal luta em muralhas da china
Com as mãos
olhos e coração percorrer seu corpo na cumplicidade
de até que a morte separe


Esfinge

desvendado o enigma
o clima se desfaz.
esfinge se desespera
e da rocha se atira.
imagina... imagina...
Édipo mata o pai
Jocasta expõe vagina
o amor se vai
de encontro ao chão.
desvendado o doce mistério
amor antes tão sério
fica sem visão!


Cinema

um filme passa
pela minha cabeça
e antes que memória me traia
vou à pia lavar a louça
levando caneta e papel
onde anoto depressa
: maria schneider lambuzada de manteiga
marlon brando se deliciando numa cena
em o último tango em paris
[será coisa só de cinema?]
enquanto enxáguo pratos e pires
outro filme me vem a mente
:zé wilker no papel de vadinho
sônia braga entre dois maridos
o que deixou muitos crentes
de queixos caídos...
ainda se faz bons filmes como os de antigamente?


Amante

amante das árvores
    das flores
das cores do mundo
  amante das aves
do céu e dos galhos
  de folhas verdes
    secas e caídas
    naturalmente
  amante da vida


como plantar melão


se a semente não morre
                              não germina
o plantio não prospera
há vida depois da morte
                                  acredite
necessário molhar 
com precioso líquido

a delicadeza do tato
fruto saudável
futuro promissor
feito com amor




PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES

Rosa menina

a rosa de novo?
porquê a rosa?
rosa uma ova!
agora é a uva
a vulva
ou a saúva
que devora a rosa
para despetalar a poesia
erigir a prosa...


Rosa do deserto

a rosa do deserto
é tão bela tanto
quanto as de outras espécies

são belezas diferentes
algumas suaves
outras desaforadas
pesadas e leves

a nos lembrar porém
que toda flor tem
o seu deserto

peso e leveza
se sustentam
na diversidade
que a natureza oferta


Bromélia

Não sou Emília
de verdade sou
jamais Amélia
sou d'outra família
abraço troncos com tentáculos
num espetáculo natural
sou bromélia
nas pétalas
devoro predadores
e nas espátulas
espalho odores
sou bromélia
meu fogo não é de palha


Crisântemo

abriu crisântemo
há vida e beleza
alegria e certeza...
o medo não temo.
teimo em amar
arrepio e tremo
por amores plenos...
Abriu-se para a vida
Com seu brilho diáfano
Realizar os sonhos
Sugere-me o crisântemo
Sem correr contra o tempo


Coroa imperial

No império dos sentidos
a visão leva um choque,
o cérebro num toque
apura os ouvidos.

Rendida afaga as pétalas,
aroma insólito
anunciando conflito
entre a sede e a fome.


Cacto

"Mandacaru quando fulôra na seca
É o sinal que a chuva chega no sertão..."
Luiz Gonzaga em O Xote das Meninas

resistente espinhosa
defende-se como pode
do chão tórrido seca brava
pacientemente espera
e viceja quando chove
[flor se abre esplendorosa]
espinhos afiados melhor ter cuidado
brota no cerrado
alimenta e mata a sede
não teme maus presságios
e se ergue lenta e perseverante para o céu
flor da caatinga
que fulôra na seca como a cantiga
do cancioneiro popular


Como flor do cerrado

Quero te emocionar,
levar-te às lágrimas,
para que cometas loucuras de amor...
Que percas o juízo
e como ondas de mar agitado,
erodas os barrancos que interditam a passagem de teus desejos.
Sejas como ave migratória em busca de nova estação.
Como flor do cerrado, que resplandece sob as intempéries
e se transforma em frutos de sabor alvoroçado.
A noite seja uma algaravia sobre a rede armada em troncos frondosos
e os dias de sol doire tua pele e aqueça o teu coração,
ou ainda, quando a chuva chegar, fazer o amor se renovar como as sementes espalhadas pela brisa outonal e pelas aves de arribação, transformando a paisagem em dádivas da Criação.
Assim, como flor do cerrado, que não se deixa arrancar por mãos predatórias, teu coração permaneça firme na direção do amor


Magnólia

ao vê-la pela primeira vez foi uma síndrome
eu não sabia o seu nome
juro meu amor
que me senti menor
bem mais velho
carta fora do baralho
mas uma flor não desdenha
nem se acanha
e se fez atrevida
deu-me boas-vindas
espargiu perfume no ar
bela e sedutora magnólia
quando me olha
leva-me aos píncaros
sou pássaro
num voo de Ícaro
filho de Dédalo
feliz de ser seu vassalo


Begônia

esquecer teu nome
ai que vergonha
mil perdões begônia
tua beleza envolveu-me
em devaneios eróticos
ao abrir as pétalas
de aroma exótico
levei um baque
um choque
esqueci o mundo
misturei o nome das coisas
tudo ficou num avesso fecundo
precisei fazer uma pausa
para recordar os nomes
confundi cravina com crisântemo
antúrios chamei-os de hortênsias
orquídeas eram jasmins
esqueci a que família pertencias
agora pobre de mim
tu me fizeste acreditar que me amarias
mas não resististe ao flerte de   amarílis
disse-me alfazema que chamei de dália
em conluio com magnólia e flor de lis
bem sei que não és amélia
mulher servil
chamei rosa de camélia
perdoe-me begônia
não sou um ser vil. 


Flor miúda 

flor miúda surpreendente
beleza que a vida engendra
em uma tarde ardente
florzinha no muro de pedra...


Cravina

a beleza das cores
e da cravina que plantei
pode ser vista pelos eleitores
de vários matizes:
esquerda centro e direita
progressistas e conservadores.
um bálsamo para os infelizes...
beleza que a vida enfeita.
a cravina diz a que veio:
ofertar beleza em meu passeio.


Hortênsia

sabe hortênsia
não me ensinaram
amar flores na infância.

só se falavam dos frutos
e de seus sabores
por isso os meus saberes
foram orientados para o pão nosso de cada dia.

mas como não perceber a beleza
que a natureza oferta?
ao vê-la esplendorosa
meu coração entrou e festa.

mas bem antes amara rosas
cravinas begônias azaleias
e para se ter uma ideia
amara amarílis buganvílias
e tantas outras maravilhas

tu eu enxergara mais tarde
quando viestes com tuas vestes
que me prenderam a respiração.


Azaleia

como te amo flor
que irradia luz
e me faz pessoa melhor

cuido de ti com zelo
por me ofertar beleza
sem cobrança ou apelo

te beijo tu me beijas
te desejo em dobro
tudo que me desejas

amor tão transparente
gera mútuo crescimento
que nos faz bons amantes


poesia em decomposição

minha última poesia
escreverei no meio da floresta
ao som de águas diáfanas
com a natureza em festa

os versos brotarão livres
como as sementes
que brotam do útero da terra

minha última poesia vai se decompor
fertilizar o solo
para o desabrochar a flor


 minha flor

Sussurro em teus ouvidos 
Palavras de amor verdadeiras 
Sem a intenção de violar teus sentidos 
Para mantê-los plenos, inteiros

Minha flor 
Minha menina 
Meu amor

Minha, metaforicamente 
Pois não sou teu dono 
Minha, poeticamente 
Sem te causar dano

Meu amor 
Minha menina 
Minha flor 

Por toda vida contigo quero estar 
Nem a morte há de nos separar
Mas, se o contrário for, querida 
Saberemos ou não depois da partida
 
Minha menina 
Minha flor 
Meu amor 


Lembranças do futuro

e das promessas de zoeira
amplexos silenciarão as horas
destarte sedas esparramadas
e um cheiro de dama-da-noite
um tremor interno desnorteando os sentidos...

chegará sob a tecitura urdida em seda pura
diáfana como a luz da lua cheia na hora
em que o sol divide o dia ao meio
e em meio à desordem da casa
não derrubarás os vasos de flores espalhados...

com a suavidade das folhas outonais
pousará sedenta sobre o leito macio
enquanto lá fora a brisa cúmplice
romperá as frestas da casa em conluio
com o som das águas nos ouvidos!
enfim chegou o futuro prometido...


Todas as flores

a flor que aflora
no meio da flora
não se desespera
nem se despetala
antes da hora

entre árvores
não se desarvora
pois a flor é flora

no meio da mata
a dor ignora



SOCIEDADE

Reflexão

percepção aguçada
numa tarde quente
reflexão distorcida
sobre pedras centenárias
a nuvem na janela
tão pouco percebida
por vasta indumentária
a beleza que se farta
oferta a olhos baços


Meninas do facebook

em seus sonhos, meninas
fotografam paisagens,
captadas pelas retinas
em que suas imagens
estão em primeiro plano.

anjo pousado em nuvem
derrama gotas de ternura,
na terra os pés movem
ao que a libido procura,
meninas do face book.

de si mesma tiram fotos
em todos os ângulos possíveis
pernas, seios, curvas e rostos,
para que os sonhos sejam viáveis
esconde-se o que expõe a face?


Tenho  comigo

que todas as flores
são belas
que todas as dores
deixam sequelas

que todos os amores
são esplêndidos
tem sabores
incêndios

tenho cá comigo
que o amor é viável
que o amor é móvel

Tenho cá comigo
que o amor será hegemônico


Verônica e o vaso de lágrimas

verônica vai ao rio
levar tristeza
lavar a alma

vai Verônica refugiar-se no mar
e chorar seu pranto
varrer o frio

lágrimas de mistério...

verônica se debruça
verônica soluça
abraça o climatério!


Busca

numa rua qualquer
esquina execrável
busca consideração
alma lesionada.


Mulheres mulheres

Quisera dizer palavras definitivas às mulheres,
que as fizessem felizes hoje e para sempre.
Mulheres aos milhares, milhões, todas no mesmo barco do amor.
Às que se foram, que derramaram pranto e sangue pudessem retornar
e usufruir as conquistas do século vinte um, o século da igualdade de gênero.
Quisera dizer que "de todo amor não terminado
fomos pagos
em inumeráveis noites de estrelas". *
Ah, como eu queria dizer nesse dia internacional das mulheres, que este dia tornou-se desnecessário, pois "que o amor não é mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários". *
As que derramaram sangue pelas conquistas, retornaram e compartilham os dias sem preconceitos e discriminações,
que finalmente, homens e mulheres convivem em perfeita harmonia.
Que os grilhões se romperam e a liberdade bateu suas asas sobre a humanidade.
Quisera escrever uma poesia de encantamento, bela como a mãe que amamenta a filha, o filho.
Mas o poema não veio, a realidade não permitiu, "a família ser
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra". *

a poesia ainda sangra

* Fragmentos do poema O Amor de Maicoviski. Em itálico e em negrito, numa adaptação livre


Falo de vidas

falo de vidas
de idas e vindas
de vendas nos olhos falo
na subida da Serra São José
falo de libélulas e cebolas
na Trilha da Cava Amarela
para ver jequitibá
falo de futebol
de política e religião
e de uma legião de anjos
elfos e duendes
ah falo de fadas e fados
da relva que se espalha
de fogo de palha
e de toalhas que enxugam a pele
falo demais de água
cachoeiras mares e rios de lágrimas
falo de cores e livros
dos escritos em suas páginas
falo de quem a terra lavra
falo de #LulaLivre
falo de palavras silenciadas
de presos e presas
de  campos de trigo
de quem constrói abrigos
e de quem destrói as matas
lógico que falo do falo
de bichos e gentes
falo de greves e grávidas
falo ludicamente de vidas...
falo de tudo
vez em quando falo
nada...


Liberdade

Liberdade é uma conquista
de  quem luta por uma causa justa.
Pássaro que nasceu pro voo rompe a grade.
Espécie que não se deixa aprisionar busca o paraíso
Traz em seu dna o aviso:
Liberdade de ir e vir em todas as direções
De livres manifestações
Com democracia e farta distribuição de alegria
Recheada de pão e poesia.


Poesia rima com democracia

cidadão ou cidadã
seja você quem for
numa noite ou manhã
responda-me por favor
se elas forem frias
é mais útil um cobertor
ou mil poesias?

bom mesmo seria
todas as coisas juntas
com essa tal democracia
lutarmos contra quem afronta
com a cara da hipocrisia
unidos cobrarmos a conta
e termos comida e poesia


Brasil do pau-brasil

maxakali
krenak aranã macuxi
xavante caiagangue guaraná
nossa língua era tupi-guarani
lendas negrinho do pastoreio saci
mula sem cabeça lobisomem boi tatá
atabaque bumba-meu-boi munguzá
pau-brasil arreio a mula e pico fumo no terreiro
macumba quizumba
carnaval cachaça homem cordial
sincretismo na ponta da língua
tapioca umbu umbanda
na ponta da lâmina
oxum abaluaê oxóssi xamã
"batuque na cozinha sinhá não quer"
áfrica nos pés águas nos pés do navio negreiro
cunhabebe aimberê
canibal estrategista unem povos originários:
confederação dos tamoios!
ouro diamante pau-brasil nos porões das embarcações
assim começou o saque
escravocratas de norte a sul
resistência do arroio ao chui
balaiada e chibata
maria felipa itaparica
maria quitéria joana angélica
antonio conselheiro lampião
ZUMBI!
o país inteiro sob a santa inquisição
padim ciço romão batista
nossa senhora aparecida procissão
romaria todos os dias
quarto de despejo e balaiada
estouro de boiada
minha flor meu cafezal
quim negro clementina
gente que não desafina
patativa carolina
inconformados inconfidentes
sabinada nas ladeiras
castro alves ave de arribação euclides nos sertões
saravá menina de gantois
dos púlpitos os sermões
oswald de andrade
antropofagia
incompleta democracia
"a leopoldina virou trem
são pedro é uma estação também" *
samba do crioulo doido
doído moído no tronco
o saque continua
não
isto não é poesia!
é um grito de liberdade...


Maria 2

falei com maria que não iria mais
escalar a serra do retiro
a maria a que me refiro
não é a que vai com as outras
maria de sorriso leve de olhos caídos
não se espanta com as vicissitudes
maria mostra suas virtudes
transpor obstáculos escalar montanhas
exercícios de todas as manhãs
maria sem carantonha
lava passa cozinha
vai ao mato buscar lenha
maria caminha na linha
maria nos mares da vida
zela por sua prole e não engole desaforos
maria tem as mãos calejadas
a pele queimada de sol
maria não verga nem se envergonha
de ser como é:
pobre e corajosa mulher
na luta desde criança
por isso mudei de ideia
mudei a sentença
e por maria  cheia de bondade
subi com ela a serra
e do alto avistamos a cidade...


Poema pop

ela acordou confusa
em vez da cadeira
sentou-se sobre a mesa
se casada ou solteira
não tinha tanta certeza

pensou em ir à feira
porém a sua natureza
era silenciar-se na soleira
esboçou um sorriso de tristeza
com os olhos na cumeeira

de repente tornou-se faceira
e ergueu-se com destreza
foi até a geladeira
e comeu toda a sobremesa
lambuzando-se inteira

colocou essência na banheira
vestiu-se como uma princesa
ao seu gosto e à sua maneira
construiu a sua fortaleza
para  dormir numa esteira


Poema de fim de ano

O ano termina nos olhos da menina
dos olhos que se revelam luminosos.
Garotos dançam ao som de smartpones
com os fones nos ouvidos...
Na praça passeiam idosas e idosos
sob o sol da manhã
e há quem procure romã
para que ano novo seja de amor e sorte...
Ou a melhor cor de roupa para se vestir
e investir seu capital.
Um ano termina e outro se inicia...
Mas o que muda, afinal?


Sob nuvens o sol se escondeu 

nuvens cobriram o sol que iluminava meus dias.
dormiam pessoas sob a marquise de um empreendimento comercial, quando o fogo tomou conta do imóvel.
as nuvens que cobriam a luz, fizeram chover em boa hora.
apagaram-se as chamas, salvando o imóvel,
enquanto as pessoas permaneciam imóveis.
entre o fogo e a chuva preferiram se aquecer.

Ao som de ah, lé lec lec lec!

vi nos olhos da moça olhos de felicidades.
ela varria a calçada e gingava
ao som de ah, lé lec lec lec!

e o poeta a pé pelas ruas da cidade...

noutra rua crianças me sorriram
com olhos de felicidades
de novo o som ah, lé lec lec lec!

contagiando as ruas da cidade...

desamarrei a cara que se dane o Mec
e me juntei aos olhos de felicidades
e dancei ah, lé lec lec lec!

disse Fernando Brant e Milton Nascimento
que “todo artista tem de ir aonde o povo está”
o poeta tornou-se um moleque
ao som de ah, lé lec lec lec!


Café,  amigos e bolos

Este café fiz com gosto,
pois o tempo que se gasta
com os amigos é saboroso,
estes amigos que a gente gosta,
ser atencioso,
oferecer-lhes café com bolos,
contar causos, falar do que se posta...
Recebê-los com zelos
[sem vassoura atrás da porta]
Estes amigos belos,
merecem café cheiroso,
acompanhado de bolos


Anônima

Teu  nome se esconde em instantes nas letras de minha poesia.
Zelo para  te proteger da vilania.
Ninfa que lava passa sem zanga.
Encontra tempo quando sangra,
Para satisfazer andores e amores diversos:
Família, amizades, meus versos...
Ela traz enfeites ao sol


Pele negra

quem tem a pele negra
verdade seja dita:
sofre de preconceito de nascença
esta é a regra
no emprego o branco tem preferência

quem tem a pele negra
sejamos francos:
o negro se desespera
na disputa com o branco

a mulher sendo negra
sejamos sinceros:
sofre mais discriminação
inclusive dos parceiros
lógico, com exceção

sendo negra a criança
há quem duvide disso?
sofre bulyng sem perdão
perde a esperança
de tornar-se pleno cidadão

quem tem a pele negra
sabe bem da sua dor
e onde mais sangra:
a maldade do opressor
a porta que se fecha
o machuca como flecha

quem nasce com a pele preta
com um sorriso branco na boca
não se curva nem se aboleta
nem se esconde dentro da toca
levanta a cabeça e vai à luta

quem tem a pele negra
tem a ginga e a manha
aprendida à duras penas
nas tardes noites e manhãs
segue lutando pelo seu ideal
pelos direitos humanos
e pela igualdade racial.


Consciência negra

A consciência humana se manifesta
Em defesa da consciência negra
Todas as consciências fazem a festa
Os direitos humanos agora são regra

Regar as consciências humanas
Com gotas de amor e de tolerância
Irmanados em maravilhas diáfanas
Num coral de pássaros e crianças

A consciência negra que mora em mim
Há de habitar em todos os corações
Há de se espalhar no universo sem fim

Celebremos a igualdade racial
Na solidariedade dos mutirões
Em sociedade com a paz social


Margarida *

ela nunca quis ser Hebe Camargo.
margarida não queria amor amargo.
só queria crer no amor sem dor.
talvez seja o destino desta flor!
margarida não sonhava com príncipe encantado...

ela nunca quis ser Anita ou Rita Lee
ora aqui ora ali bunda de fora.
ou Marília de Dirceu ou Elis.
margarida queria ser feliz!

margarida só queria os direitos respeitados...

* Dedicado a lutadora Margarida Maria Alves (1943 - 1983) Assassinada a tiros a mando de usineiros em frente à sua casa e ao lado do filho.


Vai a vaia

e veio a vaia
vaia que veio
voltará para a plateia
e verá que é feio
com palavrões no meio

não sei se a vaia
veio da veia
do coração
que bombeia
e oxigena o cérebro
a vaia veio
pelo meio
dos célebres
bolas murchas
que bolas cheias
o coração incendeia

vai a vaia
vem a vida
sem dúvida


Vermelho

a brisa assopra a brasa
vermelha é a tinta da casa
o forro do assento é rubro
vermelha a toalha da mesa
cor de rosa em outubro
e em todos os meses do ano
o vermelho da fruta
como as penas do tucano
vermelho nas paredes da gruta
tirar o brasil do vermelho
mire-se no espelho
usurpador irracional
o vermelho está em toda parte
na camisa do internacional
e nas galerias de arte
no arco-íris cabe todas as cores
vermelho é o sangue
o vermelho das flores
cor que não se extingue...


Soneto da liberdade

Claro como água cristalina
De se ver o fundo do poço
Não precisa esticar pescoço

Não encontra esta mina
Aqueles que estão cegos
Ou para isso foram pagos

Os de mentes entorpecidas
Aprisionados em suas cavernas
E pelas desordens estabelecidas
Ou impedidos pelas próprias pernas

Suas mentes foram pervertidas
Pelos senhores dos castelos
Mas as senzalas precavidas
Rompem as correntes com martelos.


Resistência

ir e vir do arroio ao chui
expressar e manifestar
em todo e qualquer lugar
com respeito ao contraditório
e a diversidade
resistir é necessário
no campo e na cidade
contra o avanço fascista
a favor da liberdade
com o amor humanista
e revolucionária paciência
com a força da alegria
manter acesa a chama da resistência
nas mãos a bandeira da paz
coragem na defesa da democracia
ditadura nunca mais...


Poesia à prova de balas

Não usarei colete à prova de balas,
pois a poesia é o meu escudo,
rifles, espingardas, pistolas,
e revólveres não resolvem, nem revolvem
o amor que a poesia dissemina,
não espantam quem tem
as palavras lúcidas,
de afetos e lúdicas.
Não fugirei de medo, pois a poesia
é coragem, defesa de quem preza a vida.
Metralhadoras, submetralhadoras, tanques
não estancam poemas, dádivas da criação.
Já vivemos tempos ásperos n'outros tempos,
que retornam camuflados em sorrisos,
mas, ato falho revelam ódios, escárnios.
Nossa força, encarnada em versos mágicos
desvia balas, que ricocheteiam
em direção aos paraísos fiscais.
A poesia não é mercadoria, moeda de troca, jamais.
O poema não é neoliberal
Poesia é vida no sentido literal


Anjo das trevas

Eu sou aquele
que em noite de lua cheia
vira mula-sem-cabeça...
Que em noite escura vagueia
como um cão danado.
Anjo das trevas
sugando suas reservas.
Nos escombros te assombro
com minha língua de fogo.
Chupo artérias
Quebro dentes
Sou o monstro
Que não tira férias


Globalização

Os roedores de papéis
apontam seus mísseis
e seus missais
aos povos que não se submetem
aos seus ditames.

Onde tem minério
onde tem petróleo
tem cemitério

Onde tem florestas
e água farta
querem globalizar
mas em terra deserta
o capital não está


palavras singelas 2

Não seja ingênuo!...
Nem os militares,
Com plenos poderes
Acabaram com corrupção...
Jogaram-na sob o tapetão!...
 

Futebol

gosto de futebol
do drible e do passe
com a bola em posse
na hora do gol

na grama macia
bola de pé em pé
a massa com alegria
faz hola grita olé

a matada no peito
o chapéu e o lençol
o chute perfeito
beleza de gol

o voo do goleiro
- espetáculo à parte
um colibri altaneiro
exibindo sua arte

tática e estratégia
faz parte do jogo
a vitória seja régia
para ganhar afago

sem chutar canela
sem ganhar no grito
pois a vitória mais bela
não se ganha no apito.

se o juiz for ladrão
não se faça de otário
vermelho seja o cartão
controle externo do judiciário

a melhor seleção
joga com transparência
o verdadeiro campeão
tem a ética como essência.

esse é o conto de fadas
tem outro lado a questão
jogos de cartas marcadas
onde o tráfico é campeão


Palavras singelas 3

A vida é feita de escolhas
Então não se amedronte
Tampouco não se encolha
Siga sempre adiante...

A caminhada é longa
E pode ser espinhosa
Peça a outrem uma ponga
E colha a mais bela rosa.


Marisa *

uma loja de lógica nefasta
faz propaganda indefensável
com Marisa morta.
consumidor consciente se afasta...
marisa ganância avisa não ter culpa.
marisa mulher marisa mãe
em outra esfera espera
que o amor vença o ódio
marisa letícia chora...

* Dedicado à Marisa Letícia Lula da Silva


Falando nisso...

a política tá no sangue
tá na veia
que ninguém se zangue
apenas leia
informe-se

tem política na igreja
tem na cama
também na casa egrégia
política em coma

política com a bola
tem na mesa
política com bala
como pesa

política na bíblia
 na voz
política na família
 em nós


Felicidade

a felicidade é estômago
é gastronômica
a felicidade pode ser de momentos
a felicidade nem sempre é feliz
a tristeza pode ser de momentos
o que vale pra um vale pro outro
amar uns aos outros
ser feliz sozinho é egoísmo
dar de comer a quem tem fome
a felicidade é gastronômica
vai além de viajar de avião
aviar receitas de culinária
a felicidade é uma construção
precisa de liga
da atenção do colega
a felicidade está na barriga
onde o prazer prospera
a felicidade não tem rótulo
ela é uma coisa estranha
a felicidade é um livro aberto
de histórias de vidas
e de mortes
mas isto não é a felicidade
é a vida
feliz em sua complexidade


Felicidade 2

uma roça
uma casa
uma moça
fartura na mesa...

Tristeza

Nesta curta estrada da vida
como a metáfora da rosa
            e dos espinhos
        ferimos pessoas

Por elas somos feridos
e nos impregnamos de perfumes
e de ciúmes
até a ruptura.
É quando a tristeza toma conta.


Tese epistemológica mitopoética

vem de longe muito longe a poesia que habita em nós
vem do rastro dos cometas vem de nossos ancestrais
dos papiros das cavernas de antigos carnavais
a poesia que se ouve em áudios e embarga a voz
vem de longe muito longe o que parece inédito
ganhou rima ganhou métrica variadas formas
e o poeta pós-moderno reclama o crédito
para a sua poesia cognitiva triste e enferma.


Veio, eu?

meu corpo bambeia
zoeira nas oreias
chego a dar uns tremeliques
será que tô ficando veio?
arrebentô alguma veia?
vou até o alambique
tomá uma talagada
enquanto rompe a madrugada.

nóis inverga mas não quebra
duro que nem pedra
e na hora da onça bebê água
montá no lombo da égua
nóis num somo besta quadrada
pra morrê na hora errada
trem bão é vivê, uai
tocando meu berrante...
meu osso quebrô ai ai ai
tô memo é ficano crocante!


Enigmático

olhei para o alto:
não era avião nem pássaro
não era um disco-voador
ave de rapina
tinha asas pequeninas
no espaço sideral...

fazia malabarismos
não era arraia
que arraia despenca em qualquer local.
voava este objeto enigmático
desgarrado da esquadrilha da fumaça.
não soltava chamas da fuça
e no ar escrevia o indecifrável
este estranho ser alado


Espelho

ao me ver no espelho
espalho sorriso

não me sinto velho
valho o meu tanto

respeitem meus cabelos brancos
embora a idade não tenha me tornado santo

não me sento em qualquer banco
nem entro ou me deito em qualquer cama

falando francamente
honestamente
sou o mesmo visionário de antes

e ao me ver no espelho
percebo num lampejo
o meu coração vermelho
fundando um lugarejo...

uma comunidade não tão distante
dos sonhos que almejo


Os pobres

"Quanto aos pobres, vós sempre o tereis, mas a mim nem sempre tereis". (João 12:8)

De tão pobre não tinha onde cair
morto estava desde que nascera
de um útero que jamais pedira
num ambiente que não escolhera

Em meio a pobreza nasceu
alimentando nos primeiros meses
de tetas murchas  que às vezes
um tênue fio de leite jorrava

Nesse ambiente de escassez
onde a morte é uma constante
brotava nos olhos do infante
sede e fome de uma vida farta

Mordia os seios com avidez
na ânsia de saciar a fome
enquanto a mãe chorava
a dor que a consumia

Aos oito era um adulto
pernas finas e cambotas
fez o seu primeiro furto
na mercearia mais próxima

A mãe preparou a refeição
ovo frito arroz e feijão
comeram e se fartaram
sentados no meio-fio

E no meio-fio tombou
ao som duma bala milícia
"bandido bom é bandido morto"
foi a manchete de triste notícia


COISAS DO BRASIL


Coisas do Brasil

Belezas por toda parte
de encher os olhos
natureza farta e arte
em todos os lugares
alegria e festa nos lares

Tristezas por todo lado
de ferir os olhos
e deixar o coração calado
ante a fúria da desigualdade
no campo e na cidade


Prece do perdão 

Oh Deus, suplico seu perdão
pelo suplício que causei
às pessoas, aos animais,
ao meu país e aos demais

Peço perdão pelas feridas
que provoquei em meus filhos,
as mágoas que causei às mães
e aos pais

Peço perdão por ter sido omisso
no momento em que as chamas
consumiam a biodiversidade
da Amazônia, do Pantanal

Por minha culpa
minha máxima culpa
peço desculpas
aos povos originários
pelo meu silêncio genocida

Peço perdão pela falta de empatia
com os que têm fome e sede
sem uma cama ou uma rede de descanso

Peço perdão aos negros e negras,
por mim e por todos os brancos
e brancas fartos de preconceito

Peço perdão pelo meu egoísmo
ao não doar o carinho do abraço
ao irmão e irmã carentes

Peço perdão aos milhares
de mortos pela Covid
e aos seus parentes e amigos,
por ter sido covarde
no momento que mais precisavam

Peço perdão pelos que se aliaram
ao vírus mortal em aglomerações,
pela indiferença com os infectados
e com os profissionais de saúde

Oh Deus, conceda-me o perdão
pela falta de consideração aos garis,
que correm riscos às suas saúde,
mantendo as ruas limpas;
pelos trabalhadores de aplicativos,
que nos fornecem o alimento e outros serviços

Peço alívio e conforto aos que sofrem
a perda de entes e amigos queridos,
pela crueldade da autoridade máxima,
que não fez sequer o mínimo
para salvar vidas


Aos pais e ao país

"Que o pai seja pelo menos o Universo e a mãe seja, no mínimo a Terra" (Maiakoviski)

Desejo aos pais o amor dos filhos e do país.
aos filhos, futuros pais,
que o amor habite seus corações.
aos pais, outrora ou ainda filhos,
que mantenham o brilho
nos olhos e a utopia,
para que o país,
lar e pátria viva em paz


Acordar o dia

silêncio
o dia dorme
o trem passa sobre os dormentes
lá vai o trem lá vai o trem lá vai o trem
carregado de minério
sem a contrapartida de royalties
lá vai o trem lá vai o trem lá vai o trem
apita como para acordar o dia
uma luz se mantém acessa
anunciando que nem todos dormem
é o despertar de um povo saqueado


Poema à meia-noite

meia noite
ouço vozes
do além

vêm me tirar o sono
atormentar minh'alma
que há tempos não dorme

vem alguém de uniforme breu
rosa vermelha na boca
numa mão uma faca
n'outra uma corrente
no pescoço uma serpente.


Segundo manifesto

O novo se apresenta
Traz no bornal ideias velhas
Pneu recauchutado
Ovelhas se deixam tosar
O velho rebelde olha de viés
O novo é o velho mandatário das companhias hereditárias
Vem com seu sorriso falso em mensagens virtuais
Sofista com tecnologia moderna
O mesmo profeta do apocalipse em 4g
Sofisticado e sedutor
A corromper cérebros
O novo velhaco se apresenta
Não traz espelhos
Vem com smartphones
Fibra óptica
Playstation 4
Porque tv ninguém mais aguenta
O velho rebelde não se deixa enganar
Olha de viés e lhe mete os pés na bunda.

Temer poeteiro

nemo stult tacere potest *

sou temer poeteiro
poetar é minha sina
meu verso é inteiro
se recheado de propina
que o diga marcela
minha doce menina
agarrada na costela
como se fosse donzela
primeira dama fina
esta mulher tão bela
desse ser decorativo
agora nas passarelas
para seu amante passivo
sou seu presidente minha passista
combalido mas altivo
sou seu vigarista
sê-lo-ei por toda vida
ilegítimo e golpista...

* os tolos não se calam.


Ponte para o futuro

ponte para o futuro
bom para quem fatura
nas costas dos trabalhadores...

não quero esta ponte
pois ela vem da fonte
de ladrões e traidores...

na ponta desta ponte
só há quem apronte
efeitos devastadores...

esta ponte de armadilhas
atravessam as quadrilhas
e a turba de impostores...

nesta ponte não atravesso
pois sempre fui avesso
a corruptos e corruptores...


Soneto

Ódio não ódio não
Amor sim amor sim
Ódio não ódio não
Amor sim amor sim

Amor sim amor sim
Ódio não ódio não
Amor sim amor sim
Ódio não ele não

Ódio não ódio não
Amor sim amor sim
Ele não ódio não

Amor sim amor sim
Ódio não ódio não
Ele não amor sim


Fluxograma

diagrama de fluxo
deixou-me perplexo
um sentimento de culpa
por não ver um nexo
um amplexo
uma rima
para algo esdrúxulo

O PRÉ-SAL É NOSSO...?


Vale de lama

a distância geográfica
afasta coreografia
poesia é o que resta
das águas do rio doce
geografia degradada
itinerário controverso


Finitude

vejo a beleza que se finda
nas retinas
na derme que se afunda
em rugas e cicatrizes
vejo a beleza que se move
em todas as diretrizes...

Rumo

não é falta de rumo
nem falta de assunto ou cansaço
é preguiça mesmo de falar pras paredes
nas redes que de sociais apenas o nome
mais consome energia
algoritmo semântico
da luta de classes

não é falta de rumo
em resumo é o barco à deriva
com fanáticos verde-oliva no timão
e as mentiras deslavadas
de quem não lava nada
é o fim do mundo não
pois o mundo dá voltas
ora em coma
ora em festa
em terra plana
plena de seu retorno

há que se ter nervos de aço
de assumir compromisso
com a verdade dos fatos
não é falta de rumo
é para onde vamos
[alguns poucos não]
com os corpos mutilados
num abraço de afogados

ah mas o mundo dá voltas
e tudo pode voltar ao que era antes...
o eterno retorno


Como conquistar leitores...

Pediram-me que só escrevesse poemas,
histórias de amor e saudasse a natureza.
Sugeriram que me abstivesse de alguns temas,
que não falasse de política.
Agindo  assim seria considerado.
Abandonando minha crítica
eu seria mais acessado...
Contudo não posso me omitir
nestes tempos sorrateiros,
vendo um presidente ilegítimo trair
um país inteiro...


Exit

O monstro mostra a face.
É hora de partir sem fugir da raia.
Há vida fora desse mar de martírios.
O que move e comove não existe aqui.
Saio dessa rede que tem sede de sangue.
A fome consome desvalidos.
Nessa ágora de agora cegos em seus egos
regulam a ração dos párias da pátria.
Constroem tapumes com seus estrumes farpados.
Urge sair ante o mugir do monstro.
Vida se abriga fora dessa rede de intrigas.
Saio dessa cerca antes que eu perca a visão
E não possa tirar o cisco do olho do irmão.


O último poema

No caminhar das coisas,
no tanger das horas,
um rastro de inocência esmaece na poeira do tempo.
A algaravia de outrora silencia ante
a estupidez das coisas vigentes.
Os sinos não dobram mais,
pois os sineiros abandonaram o posto.
A cruz na curva do asfalto não recebe o afago das flores,
resiste às intempéries e a voracidade dos cupins,
como a implorar em orações ao céu plúmbeo,
que a salve desse silêncio sepulcral.
O amor caminha com passos trôpegos
e a paixão corre afoita.
As coisas continuam coisas desumanizadas.
As folhas caem no outono e dão seus lugares a roupas novas.
Enquanto isso o novo homem nasce coberto de rugas e rusgas,
sob velhas regras.
Ninguém parece se importar mais com o andar das coisas.
As ondas do mar parecem cansadas de beijar as areias, erodir barreiras e o gado segue obedecendo o aboio do vaqueiro indolente.
Não se ouve barulho na lagoa.
Tudo está num silêncio de sangrar,
silêncios e estrondos de aviões riscando o céu,
de preces na terra e gemidos no mar.
Refinarias não refinam o ouro negro.
A plataforma 136 submergiu com onze operários.
A base militar de Alcântara explodiu
 e fragmentou no ar vinte uma pessoas.
O último poema entalado na garganta se despede em silêncio.
Amém.