quarta-feira, 27 de maio de 2015

Solidez


INVERNO NA ALMA!





Desce o inverno na alma,
mesmo num calor de deserto
adentrando a noite sombria
sem nenhuma sombra por perto
A penumbra toma conta de tudo,
deixando as flores murchas na sala
e o vinho esquecido na taça
repousa sozinho, sem cor e sem graça
A brisa noturna balança as cortinas,
abana os medos e os corações solitários
reavivando a memória de sonhos guardados
trancados a sete chaves, como num relicário
A noite avança e o sono não chega,
o silêncio atrevido se instala de vez,
silenciando a alma e seus pensamentos
dos desejos contidos, sufocados outra vez
Os olhos cansados relutam, 
tentando livrar-se da insônia indiscreta
que reina absoluta nas horas da noite,
deixando o coração acelerado e alerta!


Neusa Conti Staut

terça-feira, 26 de maio de 2015

Escolhas




A vida é feita de escolhas. Arre, frase surrada... Porém verdadeira. Só que alguns podem escolher mais e melhor, outros, nem tanto.
     Em uma sociedade, cuja lógica é a do ter sobrepondo o ser, ou ter, para ser, somos conduzidos ao consumismo. É portanto um suporte de sustentação do capitalismo. Trava-se no seio da sociedade uma disputa de posição na pirâmide social. 
     O Natal, por exemplo, é um momento mágico de consumismo. Serve para expor e abafar a luta de classes. É... "O mundo gira, a Lusitana roda!".
    Há quem só pode escolher minimizar sofrimentos. Do corpo e da alma. "Estou vendendo o almoço, para comprar a janta".
   Esta tal alma, entendo-a como essência do ser. O sofrimento dela não distingue posição social, religião, sexo... blá-blá-blá.
     Estou saindo do eixo.
     Quero mesmo é falar do amor. Ele nos escolhe, ou nós o escolhemos?
     Quando aceitamos ser amigo de alguém, está claro que ele nos aceitou também. Por ene motivos: interesses objetivos e subjetivos; afinidades. Estabelece-se um acordo tácito ou factual. O que leva um certo tempo. De duração variada. Pode ser fugaz; pode durar a vida inteira.
      Ou... transformar-se em ódio.
      Que armadilha! O modelo de organização social se fortalece.
    Creio ser unânime a resposta: Em assuntos de amor (em todas as suas vertentes) escolhemos e somos escolhidos.
    Não esquecermos que estamos submetidos à lógica da ideologia burguesa, às suas leis (do mercado, inclusive). Superestruturas. Ah, muitos acreditam que esta concepção é ultrapassada. Será?
     Ultrapassar os limites das leis (que armadilha bem montada pelo sistema) é subverter a ordem. A ordem burguesa. Que está lá, naquela área do cérebro, que se nomeia inconsciente... Coletivo. Ordem e Progresso. Para quem, cara-pálida? Por isso (a mídia empresaria debocha) alguns parlamentares sugerem a inclusão do amor. Ordem, Progresso e Amor. Ruptura com o positivismo. 
     O amor é regulamentado. Cerceado. A ruptura é necessária, para que o amor seja, de fato, uma escolha. Para que esta mudança radical (no sentido de ir às raízes, às causas que engendraram o amor submisso, pilar de sustentação da ideologia dominante) ocorra, muitos nós precisam ser desatados. E depende de todos nós, pois:

                    "Uma andorinha só, não faz verão". 

     Para o bem da nossa casa, esse lugar chamado Terra. Para o bem do corpo e da alma precisamos construir uma sociedade alternativa (ou uma nova hegemonia) em que o amor não seja interditado por agentes internos e externos. Não seja escravo de concupiscências. Sem os grilhões da moral hipócrita.
     Amor que se ama e se deixa amar.
     Que vive e deixa viver em plenitude.
     Que o ter seja igualmente dividido.


J Estanislau Filho
Do livro Crônica do Amor Virtual e Outros Encontros - páginas 59 e 61
   
   


sábado, 23 de maio de 2015

Olhares...




Há muitos olhares
vagando em nuvens
fixos no infinito...

Certo olhar
cristaliza-me
em névoa à distância

Sempre há o encontro
de olhares que buscam
a alma de um corpo

Ah! este olhar
chega, me despe, me desnuda
de mim mesma

Teu olhar 
me transpassa em luz
confunde meu ser

Olho no olho
corpo que se tateia
ânsia do desejo

Seu olhar
... se faz mão
desliza em meu corpo nu
enxerga beleza

Linda! Menina!
Amante em vulcão
Presa em solidão

Alisa meu corpo
maduro, clamando
por vida

se faz boca

me beija em poema
tão meu... tão seu
tão íntimo 

Excitante
bebe de minha água
me faz mulher

Palavras soltas
tal borboleta
me faz amada

Meu olhar
se faz poesia
no encantamento
de novos versos

Palavras escrevo em seu corpo
ainda que sem rima, sem ritmo
mas... palavras

Nos sentidos aflorados
me perco, me acho
pelo seu olhar

Uma viagem de descobertas
na verdade
dos nossos olhares

Na verdade de ti
na verdade de mim
amigos para sempre

"Lynda"

04/03/2015

Olynda Bassan

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Pingo, o menino que não dormia.




Pingo não dormia porque tinha a cabeça cheia de ideias.
Queria construir um balão e atravessar o oceano.
Fazer uma escada, pra  subir e morar no telhado.
Queria escrever uma historia em que lutava com a brussussunga.

Pingo, às vezes ficava pingando de sono,
mas não dormia porque precisava inventar uma geringonça,
que o levasse ao fundo do mar e lá construir uma cabana,
e todos os dias brincar com os peixinhos coloridos e com outros seres das águas.

Pingo sabia que uma hora ia ter de dormir...
Mas com a cabeça cheia de ideias, queria dormir não.
Mãe e pai estavam preocupados e tinha gente dizendo
pra Pingo largar aquelas ideias,
mas ele não dava bolas pra sentenças alheias.

Pingo queria, porque queria descobrir um invento,
que desviasse as crianças da violência.


Foto: Meu neto Raul.

domingo, 17 de maio de 2015

Pelo menos hoje




Hoje eu queria falar dos pássaros em voos livres, como telas no espaço. Queria contemplar a menina com flores nos cabelos, sorrindo para borboletas multicoloridas, no jardim. Meninos num corre-corre desenfreado pela casa, derrubando objetos e mães pacientes, pedindo-lhes calma. Hoje eu queria admirar Maria Luiza nas ruas do Rio de Janeiro, em feiras, conversando com feirantes e ao retornar, contar com leveza, como transcorreu o dia. Queria ainda, pegar um barco e me perder nas profundezas do mar, com um escafandro, visionário em busca de tesouros naufragados. Queria ouvir canções de amor, juras, promessas. Penetrar a floresta amazônica e ir de encontro aos povos originários, aprender com eles como viver em harmonia com a natureza. Queria ver ternura nos olhos das pessoas; gestos fraternos; amantes de mãos dadas, beijando-se. Nuvens em movimento; cata-vento para orientar a melhor direção. Hoje eu queria ver os animais, esses seres frágeis, tratados com respeito. Queria ver os líderes políticos mundiais chegarem ao consenso de que a guerra, além de desnecessária, está destruindo a Terra. Pelo menos hoje ouvir a lucidez de José Claudio, para tranquilizar esse espírito inquieto. Queria ver Alice ensolarada. Queria, ah, como queria um banho de cachoeira, que purificasse esse corpo impregnado de som e fúria.Hoje eu queria ouvir as histórias de Vitinha, debaixo de uma seringueira, que Chico Mendes defendeu. Hoje eu queria um abraço.
     Pelo menos hoje, que me encontro tão só, tão triste.


J Estanislau Filho
Imagem: Google.


Esta crônica (ou prosa poética, como preferir) está em meu livro Crônica do Amor Virtual e Outros Encontros - página 21 - 

sábado, 16 de maio de 2015

Sobre uma cidadezinha qualquer








Por Edna Lopes

Ah, Drummond
a vida até pode ser besta
mas como é lindo esse céu
essas nuvens com tantos desenhos
esse pôr do sol de doer nos olhos
esse perfume trazido pelo vento,
que varre as plantações e acaricia as
fruteiras no quintal!

Ah, Poeta
Como é bom olhar essa imensidão e
saber que essa vidinha foi o sonho
do meu pai e é o sonho
pelo qual tantos lutam e pelo qual
sabem que vale a pena viver!
Tudo é mesmo muito devagar,
eu sei...
Mas, por que a pressa?
Afinal não iremos todos
para o mesmo lugar?



PS. Este lugar nem cidadezinha é... Ainda bem!
Vila São Francisco, Quebrangulo-AL.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Crianças em Alvoroço




o rugido do vento
pela casa adentro
assustou cães e gatos

panelas e pratos
ficaram em prantos
de puro espanto

pulgas pularam
dos pelos dos animais
pois são medrosas demais

as crianças sorriram
das pulgas correndo
com asas batendo

meninos - disse a mãe:
pulga tem mola
não voa, pula

a borboleta atenta
voando lenta
pousou na geladeira

causou barulheira
pois as crianças
na maior confiança

quiseram pegá-la
e ela assustada
fugiu pela janela

o vento rugiu de novo
balançou as cortinas
quando o pinto saiu do ovo

meninos e meninas
ficaram admirados
vendo o pinto molhado...

ele fez piu-piu
todo mundo se distraiu
o vento ficou calado
o pinto piou de novo
olhando a casca do ovo
que virou um ovo de páscoa

foi assim que aconteceu
o vento então se escondeu
ou foi embora enciumado...

"entrou pelo bico do pato
saiu pela perna do pinto
contei uma, vocês contam cinco".



J Estanislau Filho-Palavras de Amor-páginas 23 e 24

Imagem: Teresa Cristina contando história.
Teresacristinaflordecaju escreve no Recanto das Letras.





Como as peras


terça-feira, 12 de maio de 2015

A Mulher e a Flor




Nas ruas do Jardim do Prado, uma mulher caminha, desfiando os cabelos com as pontas dos dedos. Seus olhos parecem ver apenas onde pisam os pés. Vez ou outra sacode os cabelos, para espantar o calor. Passa para o outro lado da rua, a fim de se resguardar do sol da tarde. Caminha devagar. Cambaleia dando a impressão de que vai cair. Mas se apruma e segue com passos leves, sem parar de desfiar os cabelos. Encosta-se na parede de uma casa, respirando fundo, enquanto olha para o alto. O sol avermelhado projeta fios de luz, produzidos pelas folhas das árvores, no rosto da mulher, que esboça um sorriso.
     Nas ruas do Jardim do Prado a mulher caminha. Recolhe uma flor, que decidiu romper as grades de uma casa e se mostrar à passante. Ela prende a flor no cabelo, uma alamanda, talvez um ipê amarelo e prossegue a caminhada em direção a... Em seguida abre os braços, para abraçar a brisa, que acaricia seu rosto, o corpo, a alma. A flor despenca de seus cabelos. Ela tenta recolher, mas uma rajada de vento fustiga a flor para um bueiro.
     A mulher decide fazer o caminho de volta. Caminha com passos rápidos, sem olhar para trás. Tem os olhos cheios de lágrimas.

J Estanislau Filho


Imagem: JEF - Flores do ipê refletida na janela - Tiradentes-MG

Esta crônica integra o livro Crônica do Amor Virtual e Outros Encontros-página 33

sábado, 2 de maio de 2015

merô



merô mora em lavras
lapida palavras
como joias raras.

merô faz apontamentos de viagens
em forma de canções perfumadas...
imagens lúdicas elucidam paisagens.

merô tece geografia
em fátima e alexandria
em frança não se cansa de construir simetrias
incunábulos aurifúlgidos
flavescência de pura essência.

manda cartas às amigas aos amigos e parentes
           (entre parênteses)
explica detalhes sem rebotalhos.

em grécia seus versos escandi
e não escondem atalhos.
madrépora de recife.

em buenos aires
respira ares carioca - quem diria -
mineira chegada da alemanha
de manhãs frias.

merô
brasileira de lavras
cornucópia  espalhando matizes de sua lavra
para o mundo.


J Estanislau Filho






Em 2009 conheci Maria Olímpia Alves de Mello, ou Merô, pessoalmente, na sua fábrica de pães, a Padaria Rocha, em Lavras. Esta homenagem eu a fiz em vida. E está em meu livro Palavras de Amor. Saudades de Merô.