quarta-feira, 26 de abril de 2023

Vem aí um livro-bomba: os relatos de Emílio Odebrecht




No início do mês de maio, chegará às livrarias um petardo, um livro-bomba, que vai explodir na mídia brasileira com o máximo de megatons. A obra traz o relato da trajetória de Emílio Odebrecht, desde seu início, com o pai, Norberto, e de como ele transformou a CNO em uma das três maiores empresas do Brasil, ao lado da Petrobrás e da Vale, e numa das maiores empreiteiras do mundo. E a boa notícia é que, mesmo com todo empenho da Lava Jato e de órgãos da mídia nacional em destruí-la, a empresa brasileira conseguiu se reerguer e acaba de ganhar a concorrência de um bilhão e cem milhões de dólares, para construir uma ferrovia em Angola.

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Agora, a notícia melhor ainda diz respeito ao livro. O dr. Emílio Odebrecht vai contar como todas as delações premiadas da Lava Jato eram forjadas e foram obtidas através de intimidação e chantagem. Dará detalhes, nome, endereço, celular e raio X dos dentes


Por Hildegard Angel



Jornalista, ex-atriz, filha da estilista Zuzu Angel e irmã do militante político Stuart Angel Jones


Com licença poética




Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado

sexta-feira, 21 de abril de 2023

O Brics e o futuro do Sul global

 Por Fernando Marcelino


Centro produtivo mundial desloca-se e o bloco busca expansão em alianças com organizações de integração regional. Expansão é gradual, mas propõe outros paradigmas de desenvolvimento, não-ocidentais e baseados em justiça social e ambiental




O cenário internacional agora é de desordem, confrontos e conflitos. Há um fosso cada vez maior entre os países do Norte e do Sul Global. Para o Sul Global, o capitalismo dominante imposto pelo Norte aumenta a exclusão, concentra renda e riqueza, mas não é mais a única alternativa eficaz em grande escala disponível na atual ordem global.


Mesmo com as fragilidades econômicas enfrentadas por boa parte dos países do Sul Global na década de 1980 e a hegemonia unipolar estadunidense da década de 1990, fortalecendo a subordinação plena dos países às instituições, às normas, ao mercado e à ordem liberais, o Sul Global também ganhou maior espaço no século XXI, sobretudo pelo maior protagonismo de potências emergentes.


As mudanças e realinhamentos na geopolítica mundial criaram espaço para que potências emergentes como China, Índia e Brasil expandissem suas áreas de influência e de cooperação para outros países não industrializados, ao lado da re-emergência da Rússia, ressurgimento da África, países com desenvolvimento nacional na África e América Latina. Além disso, ao longo das décadas, surgiram também diversas iniciativas e organismos regionais ou temáticos com o intuito de reunir países do Sul Global, a fim de facilitar a cooperação e de coordenar posicionamentos, como é o caso do G-77, da Liga dos Estados Árabes, da União Africana, da Celac, da Unasul, do Fórum IBAS, da Opep, entre tantos outros. Também se destacam mudanças nos padrões comerciais e de investimento, havendo expansão de acordos e realização de programas de investimentos entre países da América Latina, da África e da Ásia.


O Brics é um fórum multilateral transcontinental único que reúne cinco grandes países — dois da Ásia (China e Índia), um da Eurásia (Rússia), um da África (África do Sul) e um da América Latina (Brasil). Responde por quase 42% da população mundial, 26% da superfície terrestre e 25% do PIB.


O que o distingue de outros fóruns multilaterais é que (a) serve como um contra-ataque aos países ocidentais liderados pelos Estados Unidos que têm dominado a economia, a política e o desenvolvimento globais até agora; e (b) fornece uma plataforma para expressar as preocupações e aspirações dos países do Sul Global, que superam o Ocidente em termos de população, recursos e, cada vez mais, em sua contribuição para o desenvolvimento global. Assim, o Brics, juntamente com outros fóruns, como a Organização de Cooperação de Xangai (SCO), é um esforço inovador para democratizar a ordem global no século XXI.


O desempenho do mecanismo Brics até agora, desde sua criação em 2006, tem sido um tanto instável. Do lado positivo, proporcionou um fórum para os líderes dos cinco países membros se encontrarem regularmente e trocarem pontos de vista de interesse comum para eles próprios e para o mundo em geral. Do lado negativo, não tem havido cooperação intra-Brics tangível e orientada para resultados, seja no campo econômico ou político. Isso se deve principalmente às relações bilaterais fracas ou tensas entre os países membros – especialmente entre a Índia e a China. Além disso, alguns países (Índia e Brasil) têm laços estreitos com os EUA, que seguem uma política agressiva anti-China e anti-Rússia. Como resultado, o Brics permaneceu um tanto amorfo. Diversas ações prejudicaram os Brics – o golpe no Brasil, a guerra da Otan contra a Rússia, a decisão da Índia de ingressar no Quadrilátero de quatro nações liderado pelos Estados Unidos, juntamente com o Japão e a Austrália para “conter a China”, podendo se desdobrar para uma “Otan asiática”, afetando a paz, a estabilidade e a cooperação na Ásia.


Porém, existem alternativas para fortalecer os Brics. Desde 2013, em todas as Cúpulas anuais do Brics, o país que ocupa a presidência convida alguns países não pertencentes para participar da cúpula como observadores ou dialogar com os membros. Em 2017, durante a Cúpula do Brics em Xiamen, província de Fujian, a China delineou o quadro “Brics Plus”, com o objetivo de promover a cooperação entre os membros do Brics e outros importantes mercados emergentes e economias em desenvolvimento. A estrutura “Brics Plus” incentiva os países convidados a conhecer as regras e o espírito da cooperação do Brics. A proposta da China de expandir o BRICS é do interesse de todos os países em desenvolvimento e visa ajudar a melhorar a governança global, por meio do aprimoramento da cooperação Sul-Sul1. Em suma, o Brics+ é uma nova estratégia de alinhamento Sul-Sul envolvendo países em busca de sinergia e complementaridades.


Uma das singularidades dos Brics é que cada membro também é uma economia líder em seu continente ou sub-região dentro de um acordo de integração regional: Rússia na União Econômica da Eurásia (UEE), Brasil no Mercosul, África do Sul no a Comunidade de Desenvolvimento da África do Sul (SADC), a Índia na Associação de Cooperação Regional do Sul da Ásia (SAARC) e a China na Organização de Cooperação de Xangai (SCO), na Área de Livre Comércio China-ASEAN e na futura Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP). Todos os países que são parceiros dos Brics nesses acordos de integração regional podem formar o que pode ser denominado como o “círculo Brics+” que se torna aberto a modos flexíveis e múltiplos de cooperação (não exclusivamente via liberalização comercial) em bases bilaterais ou regionais.


Uma cúpula do Brics+ que alcance os participantes diretos da cúpula, mas também seus numerosos parceiros regionais, deve produzir um “efeito multiplicador regional”, visando o fortalecimento dos vínculos entre o Brics e seus parceiros do Sul Global.


Algumas nações que a China apoiou a adesão ao Brics+ incluem Argentina, Egito, Indonésia, Cazaquistão, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Nigéria, Senegal e Tailândia, Turquia, Irã, Bangladesh, Nigéria, México, Argentina. Incluí-los no mecanismo Brics+ tornará a plataforma mais representativa tanto regional quanto globalmente. Já a Rússia afirmou que Argélia, Argentina e Irã se candidataram, mas já se sabe que Arábia Saudita, Turquia, Egito e Afeganistão estão interessados, além da Indonésia. Outros prováveis ​​candidatos à adesão incluem Cazaquistão, Nicarágua, Nigéria, Senegal, Tailândia e Emirados Árabes Unidos.


É complexo encontrar os melhores critérios para adesões, pois envolvem interesses geopolíticos regionais de cada membro. Mas a iniciativa Brics+ pode criar uma nova plataforma para forjar alianças regionais e bilaterais entre os continentes, reunir os blocos de integração regional, nos quais as economias do Brics desempenham um papel de liderança. Assim, os principais blocos de integração regional que poderiam formar a plataforma Brics+ incluem o Mercosul, a União Aduaneira Sul-Africana (SACU), a UEE, a SAARC, bem como o FTA China-ASEAN. Ao todo, nesse cenário, 35 países formam o círculo BRICS+:


SACU: Botsuana, Lesoto, Namíbia, África do Sul, Suazilândia;

SAARC (membros da SAFTA) : Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão, Sri Lanka;

FTA China-ASEAN: China, Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia, Brunei, Vietnã, Laos, Mianmar, Camboja;

UE: Rússia, Cazaquistão, Bielorrússia, Armênia, Quirguistão;

Mercosul (membros centrais e membros aderentes): Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Venezuela.

Hoje, os recursos financeiros estão fortemente concentrados nos EUA e em alguns países da Europa Ocidental, enquanto o centro de gravidade das forças que impulsionam a economia produtiva mundial (agricultura, manufatura, serviços, trabalho humano e até tecnologia) está se deslocando rapidamente para a Ásia, África e América Latina. A expansão dos Brics é necessária para impulsionar um novo paradigma não-ocidental de desenvolvimento global, que seja equitativo, ambientalmente sustentável e atenda às necessidades socioeconômicas da maioria da população mundial, especialmente dos pobres. 


Os Brics podem promover ideias sobre futuras moedas comerciais baseadas em commodities, à medida que o dólar se torna mais armado por meio de sanções contra a Rússia. A expansão dos Brics parece lenta mas seguramente se aproxima de uma realidade. As sanções dos EUA contra a Rússia levaram alguns países a confiar mais em suas moedas nacionais no comércio exterior. Também se fala cada vez mais em esforços para integrar sistemas de pagamento e criar uma alternativa à plataforma de mensagens de pagamento SWIFT. Os bancos centrais dos países do Brics concordaram em conduzir o quinto teste de um mecanismo bancário que poderia permitir reservas conjuntas de “moeda alternativa” para proteger suas economias de choques externos. 


A nova presidente do Banco dos Brics, Dilma Rousseff, afirmou que a criação banco “foi uma demonstração da importância de estabelecer uma estratégia e uma parceria, compartilhando as necessidades desses países do Sul, do Sul Global, ou seja, o Sul que é esse Sul que quer emergir e que conta com países do Norte”. Avançar neste sentido é o grande desafio dos próximos tempos.


Fonte: https://outraspalavras.net/

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Precisamos falar de futebol


Imagem: Google - Arena do Galo

Gosto de esportes, menos o de corrida de carros.  Box também não.  Além de não gostar, sou contra a prática da caça esportiva e de clubes de tiro.  Os jogos olímpicos me enchem os olhos.  Inclusive de lágrimas. Curto o futebol desde criança. Batia uma "pelada" no terreiro de "Seu" Carlos, lá em Jampruca, com bolas feitas de meias ou bexigas de porco e de boi.  Dei meus chutes no gramado de Jamppruca e de Engenheiro Caldas. Momentos inesquecíveis. Em seguida fui titular na zaga do time do Ginásio Agrícola de Colatina. Também me diverti no volei e no futebol de salão. Mas o futebol de campo era o que me atraia mais. Fui um zagueiro razoável, não dava chutões pro alto. Sempre tratei a "pelota" com carinho. Matava no peito e dava uns chapéus e dribles vez em quando.  Tipo Luisinho, zagueiro do Atlético nos anos oitenta. Os atacantes não tinham muitas chances comigo, nas bolas aéreas.  Tive de parar cedo, por conta de problemas de coluna. Acabei virando um torcedor apenas, que não vai mais aos estádios, nem  para ver o glorioso Clube Atlético Mineiro.  Não se trata de decepção com o futebol.  Continuo gostando, mas atento ao que acontece dentro e fora dos gramados, onde a corrupção campeia, sem querer fazer trocadilho.  Explico a seguir. 

     Sempre mantive atento aos fatos em todas áreas humanas.  Para que não me fizessem de tolo. Ouvimos falar diariamente sobre a corrupção na política. Em outras áreas, fala-se pouco. Em alguns casos é como se não existisse. Mas ela está lá, também nas religiões, no sistema de justiça, no meio empresarial, no sistema financeiro, no agro é pop, etc. E obviamente, no futebol.


J Estanislau Filho 


    Confira na lista abaixo os dez maiores escândalos em que foram denunciados ou condenados dirigentes da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF):


Imagem: Google - Ricardo Teixeira

1. Fraude nas eleições de 1998

A eleição do suíço Joseph Blatter para a presidência da Fifa, em 1998, foi marcada por uma série de polêmicas. Blatter era considerado o candidato da situação, e tinha o respaldo do então presidente João Havelange, brasileiro que comandou a entidade por 24 anos.

O principal nome da oposição era o sueco Lennart Johansson, que prometia reforçar os mecanismos de transparência na Fifa.

Quatro anos depois, o jornal britânico Daily Mirror revelou o pagamento de 50 mil dólares a delegados africanos para eleger Blatter. A eleição terminou com o placar de 111 votos a 80, e os representantes da África foram o fiel da balança.

2. Receita Federal de olho

Desde 2002, a Receita Federal brasileira investiga casos de fraude e sonegação no futebol, a maior parte deles relacionado à gestão da Fifa e da CBF. Na soma das três operações, foram mais de 100 pessoas físicas e jurídicas investigadas.

Os esquemas preveem pagamentos de até R$ 5 bilhões, em forma de tributos, multas e juros. Os nomes dos investigados são mantidos em sigilo até hoje.

3. Caso ISL

Em 2010, a rede britânica BBC denunciou que João Havelange e seu genro, Ricardo Teixeira, embolsaram R$ 45 milhões da agência de marketing esportivo suíça ISL. A ideia era que a agência tivesse exclusividade nos contratos de venda e direitos de mídia com a Fifa nos Mundiais de 2018 e 2022.

A Justiça da Suíça abriu investigações sobre o caso e teve acesso a documentos que comprovaram as acusações. Como se não bastasse o pagamento de propina, a ISL havia declarado falência em 2001, o que causou um rombo sem precedentes na Fifa.

4. O suborno que não foi adiante

A escolha das sedes da Copa do Mundo quase sempre suscita denúncias de compra de votos e pagamentos de propina. Em 2012, o então presidente da Federação Inglesa de Futebol, David Triesman, acusou Ricardo Teixeira e outros três dirigentes da entidade de pedir suborno para votar no Reino Unido como sede da Copa 2018.

Com o suborno recusado, o Mundial caiu no colo da Rússia.

5. Escolha do Catar

Oito anos atrás, a escolha do Catar como país-sede da Copa 2022 é considerada uma das mais polêmicas da história da Fifa. O executivo asiático Bin Hammam foi banido da entidade após a comprovação de fraudes, mas o Catar foi mantido como sede após uma investigação do comitê de ética da entidade, segundo a qual a corrupção não foi determinante para a decisão.

Hammam foi acusado de investir mais de R$ 11 milhões em subornos para que os delegados votassem no Catar como sede, em detrimento da Austrália. Em janeiro de 2013, a revista France Football afirmou que Ricardo Teixeira e o então presidente da Associação Argentina de Futebol, Julio Grondona, também teriam recebido propina para votar no Catar como sede da Copa de 2022.

O país que disputava voto a voto a realização daquela Copa também se envolveu em polêmicas. Jack Warner, então vice-presidente da Fifa, é acusado de receber 375 mil euros da federação australiana.

6. Compra de votos em 2011


Imagem: Google - Blatter

Mohammed Bin Hammam, ex-presidente das federações asiática e do Catar, também foi acusado de comprar votos na disputa contra Joseph Blatter, nas eleições para presidência da Fifa em 2011.

O delator foi o então secretário da Confederação Norte-Americana de Futebol, Chuck Blazer.

Representantes das federações acusadas de receber suborno, como a da Jamaica, foram à imprensa para negar as acusações. Pouco antes do pleito, Hammam retirou a candidatura – atitude que foi interpretada mundialmente como uma confissão.

7. Presos em Zurique

O Ministério Público Federal dos Estados Unidos divulgou em 2015 que a Fifa estava no epicentro de mais um escândalo de corrupção.

Quatorze pessoas entraram na mira do FBI por fraude, extorsão e lavagem de dinheiro em acordos com agências de comunicação e marketing esportivo. O tema das investigações era a venda de contratos de mídia e direitos de marketing em competições como as Eliminatórias da Copa e a Copa América.

Sete agentes da Fifa foram presos em um hotel de Zurique, em 27 de maio de 2015, enquanto se preparavam para a eleição presidencial da entidade.

No balanço mais recente divulgado pela operação, 18 pessoas haviam sido indiciadas, das quais nove eram funcionários da Fifa e cinco eram mega-empresários.

8. A organização criminosa de Marin

O ex-presidente da CBF, José Maria Marin, foi considerado culpado em seis das sete acusações a que respondia nos Estados Unidos em 2017. No epicentro das denúncias, estava o recebimento de subornos em dinheiro em troca da concessão de direitos de marketing e mídia de jogos de futebol no Brasil.

Segundo o texto da condenação, Marin cometeu os crimes de fraude financeira, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Marin foi o presidente do comitê organizador local da Copa do Mundo de 2014, estava entre sete dirigentes da Fifa presos em Zurique em maio de 2015. Ele cumpria prisão domiciliar desde então em Nova York.

Ironicamente, no mesmo ano, camisas com o distintivo da CBF eram usadas em manifestações "contra a corrupção" no Brasil.

9. O banimento de Marco Polo

O ex-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, tornou-se alvo do FBI por suposto envolvimento em esquemas de corrupção em 2015. No rol de acusações, havia sete crimes: três de fraude, três de lavagem de dinheiro e um por organização criminosa.

As investigações do Comitê de Ética da Fifa só avançaram após a condenação de Marin, em 2017. O nome de Del Nero apareceu em inúmeros depoimentos, documentos e gravações telefônicas. A Justiça concluiu que ele recebeu mais de 6 milhões de dólares para favorecer empresas de marketing esportivo no Brasil.

Após a comprovação das denúncias, em abril deste ano, a Fifa anunciou que Del Nero estava banido para sempre do futebol. Além do afastamento definitivo, o brasileiro terá que pagar o equivalente a R$ 4 milhões em multas.

10. Esquema Rosell-Teixeira

Em maio do ano passado, o ex-presidente do Barcelona e executivo da Nike no Brasil, Sandro Rosell, foi preso na Catalunha. As acusações que pesam sobre ele repercutem também sobre o brasileiro Ricardo Teixeira.

Ambos são acusados de lavagem de dinheiro na venda de direitos de transmissão de amistosos da Seleção brasileira, por meio de contas nos Estados Unidos e em paraísos fiscais.

O valor desviado pela dupla, segundo as acusações, extrapola os R$ 60 milhões.

Cidadão honorário de dezenas de estados e cidades do Brasil, Ricardo Teixeira renunciou à presidência da CBF em 2012.


Fonte: Juca Guimarães - Brasil de Fato




 

quinta-feira, 13 de abril de 2023

todas as flores




a flor que aflora
no meio da flora
não se desespera
nem se despetala
antes da hora


entre árvores
não se desarvora
pois a flor é flora

no meio da mata
a dor ignora

J Estanislau Filho

domingo, 9 de abril de 2023

aclimação

Imagem: acervo do autor



adapto-me a vários climas
inclusive a rimas raras
atento às coisas simples
como quem repara
que viver é sempre 
melhor aqui e agora


o calor não me amofina
sendo que o tempo não para
o frio chega em boa hora
coloco minha boina
e visto meu blusão
se necessário um par de luvas
e numa festa junina
saborear um quentão


mas tem uma situação
da qual não compactuo
não abro mão
: conviver num clima
de racismo e escravidão


J Estanislau Filho


Imagem: Google

Cruz das Almas, abril 2023



quarta-feira, 5 de abril de 2023

Um Especialista* - um conto de Lima Barreto


Imagem: Google


A Bastos Tigre


Era hábito dos dois, todas as tardes, após o jantar, jogar uma partida de bilhar em cinquenta pontos, finda a qual iam, em pequenos passos, até ao Largo da Carioca tomar café e licores, e, na mesa do botequim, trocando confidências, ficarem esperando a hora dos teatros, enquanto que, dos charutos, fumaças azuladas espiralavam preguiçosamente pelo ar.

Em geral, eram as conquistas amorosas o tema da palestra; mas, às vezes;

incidentemente, tratavam dos negócios, do estado da praça e da cotação das apólices.

Amor e dinheiro, eles juntavam bem e sabiamente.

O comendador era português, tinha seus cinquenta anos, e viera para o Rio aos vinte e quatro, tendo estado antes seis no Recife. O seu amigo, o coronel Carvalho, também era português, viera, porém, aos sete para o Brasil, havendo sido no interior, logo ao chegar, caixeiro de venda, feitor e administrador de fazenda, influência política; e, por fim, por ocasião da bolsa, especulara com propriedades, ficando daí em diante senhor de uma boa fortuna e da patente de coronel da Guarda Nacional. Era um plácido burguês, gordo, ventrudo, cheio de brilhantes, empregando a sua mole atividade na gerência de uma fábrica de fósforos. Viúvo, sem filhos, levava a vida de moço rico. Frequentava cocottes; conhecia as escusas casas de rendez-vous, onde era assíduo e considerado; o outro, o comendador, que era casado, deixando, porém, a mulher só no vasto casarão do Engenho Velho a se interessar pelos namoricos das filhas, tinha a mesma vida solta do seu amigo e compadre.

Gostava das mulheres de cor e as procurava com o afinco e ardor de um amador de raridades.

À noite, pelas praças mal iluminadas, andava catando-as, joeirando-as com olhos chispantes de lubricidade e, por vezes mesmo, se atrevia a seguir qualquer mais airosa pelas ruas de baixa prostituição.

– A mulata, dizia ele, é a canela, é o cravo, é a pimenta; é, enfim, a especiaria de requeime acre e capitoso que nós, os portugueses, desde Vasco da Gama, andamos a buscar, a procurar.

O coronel era justamente o contrário: só queria às estrangeiras; as francesas e italianas, bailarinas, cantoras ou simplesmente meretrizes, era o seu fraco.

Entretanto havia já quinze dias, que não se encontravam no lugar aprazado e a faltar era o comendador, a quem o coronel sabia bem por informações do seu guarda-livros.

Ao acabar a segunda semana dessa ausência imprevista, o coronel, maçado e saudoso, foi procurar o amigo na sua loja à Rua dos Pescadores. Lá o encontrou amável e de boa saúde. Explicaram-se; e entre eles ficou assentado que se veriam naquele dia, à tarde, na hora e lugar habituais.

Como sempre, jantaram fartamente e regiamente regaram o repasto com bons vinhos portugueses. Jogaram a partida de bilhar e depois, como encarrilhados, seguiram para o café de costume no Largo da Carioca.

No princípio, conversaram sobre a questão das minas de Itaoca, vindo então à baila a inépcia e a desonestidade do governo; mas logo depois, o Coronel que "tinha a pulga atrás da orelha", indagou do companheiro o motivo de tão longa ausência.

– Oh! Não te conto! Foi um "achado", a coisa, disse o comendador, depois de chupar fortemente o charuto e soltar uma volumosa baforada; um petisco que encontrei... Uma mulata deliciosa, Chico! Só vendo o que é, disse a rematar, estalando os beiços.

– Como foi isso? inquiriu o coronel pressuroso. Como foi? Conta lá!

– Assim. A última vez que estivemos juntos, não te disse que no dia seguinte iria a bordo de um paquete buscar um amigo que chegava do Norte?

– Disseste-me. E daí?

– Ouve. Espera. Cos diabos isto não vai a matar! Pois bem, fui a bordo. O amigo não veio... Não era bem meu amigo... Relações comerciais... Em troca...

Por essa ocasião rolou um carro no calçamento. Travou em frente ao café e por ele adentro entrou uma gorda mulher, cheia de plumas e sedas, e para vê-la virou-se o comendador, que estava de costas, interrompendo a narração. Olhou-a e continuou depois:

– Como te dizia: não veio o homem, mas enquanto tomava cerveja com o comissário, vi atravessar a sala uma esplêndida mulata; e tu sabes que eu...

Deixou de fumar e com olhares canalhas sublinhou a frase magnificamente.

– De indagação em indagação, soube que viera com um alferes do Exército; e murmuravam a bordo que a Alice (era seu nome, soube também) aproveitara a companhia, somente para melhor mercar aqui os seus encantos. Fazer a vida... Propositalmente, me pareceu, eu me achava ali e não perdia vaza, como tu vais ver.

Dizendo isto, endireitou o corpo, alçou um tanto a cabeça, e seguiu narrando:

– Saltamos juntos, pois viemos juntos na mesma lancha – a que eu alugara. Compreendes? E, quando embarcamos num carro, no Largo do Paço, para a pensão, já éramos conhecimentos velhos; assim pois...

– E o alferes?

– Que alferes?

– O alferes que vinha com a tua diva, filho? Já te esqueceste?

– Ah! Sim! Esse saltou na lancha do Ministério da Guerra e nunca mais o vi.

– Está direito. Continua lá a coisa.

– E... e... Onde é que estava? Hein?

– Ficaste: quando ao saltar, foram para a pensão.

– É isto! Fomos para a Pensão Baldut, no Catete; e foi, pois, assim que me apossei de um lindo primor – uma maravilha, filho, que tem feito os meus encantos nestes quinze dias – com os raros intervalos em que me aborreço em casa, ou na loja, já se vê bem.

Repousou um pouco e, retomando logo após a palavra, assim foi dizendo:

– É uma cousa extraordinária! Uma maravilha! Nunca vi mulata igual. Como esta, filho, nem a que conheci em Pernambuco há uns vinte e sete anos! Qual! Nem de longe! Calcula que ela é alta, esguia, de bom corpo; cabelos negros corridos, bem corridos: olhos pardos. É bem fornida de carnes, roliça; nariz não muito afilado, mas bom! E que boca, Chico! Uma boca breve, pequena, com uns lábios roxos, bem quentes... Só vendo mesmo! Só! Não se descreve.

O comendador falara com um ardor desusado nele; acalorara-se e se entusiasmara deveras, a ponto de haver na sua fisionomia estranhas mutações. Por todo ele havia aspecto de um suíno, cheio de lascívia, inebriado de gozo. Os olhos arredondaram-se e diminuíram; os lábios se haviam apertado fortemente e impelidos pra diante se juntavam ao jeito de um focinho; o rosto destilava gordura; e, ajudado isto pelo seu físico, tudo nele era de um colossal suíno.

– O que pretendes fazer dela? Dize lá.

– É boa... Que pergunta! Prová-la, enfeitá-la, enfeitá-la e "lançá-la". E é pouco?

– Não! Acho até que te excedes. Vê lá, tu!

– Hein? Oh! Não! Tenho gasto pouco. Um conto e pouco... Uma miséria!

Acendeu o charuto e disse subitamente, ao olhar o relógio:

– Vou buscá-la de carro, porquanto vamos ao cassino, e tu me esperas lá, pois tenho um camarote.

– Até já.

Saindo o seu amigo, o coronel considerou um pouco, mandou vir água Apolináris, bebeu e saiu também.

Eram oito horas da noite.

Defronte ao café, o casarão de uma ordem terceira ensombrava a praça parcamente iluminada pelos combustores de gás e por um foco elétrico ao centro.

Das ruas que nela terminavam, delgados filetes de gente saíam e entravam constantemente. A praça era como um tanque a se encher e a se esvaziar equitativamente. Os bondes da Jardim semeavam pelos lados a branca luz de seus focos e, de onde em onde, um carro, um tílburi, a atravessava célere.

O coronel esteve algum tempo olhando o largo, preparou um novo charuto, acendeu-o, foi até à porta, mirou um e outro transeunte, olhou o céu recamado de estrelas, e, finalmente, devagar, partiu em direção à Lapa.

Quando entrou no cassino, ainda o espetáculo não havia começado.

Sentou-se a um banco no jardim, serviu-se de cerveja e entrou a pensar.

Aos poucos, vinham chegando os espectadores. Naquele instante entrava um. Via-se pelo acanhamento, que era um estranho às usanças da casa. Esmerado no vestir, no calçar, não tinha em troca o desembaraço com que se anuncia o habitué. Moço, moreno, seria elegante se não fosse a estreiteza de seus movimentos. Era um visitante ocasional, recém-chegado, talvez, do interior, que procurava ali uma curiosidade, um prazer da cidade.

Em seguida, entrou um senhor barbado, de maçãs salientes, rosto redondo, acobreado. Trazia cartola, e pelo ar solene, pelo olhar desdenhoso que atirava em volta, descobria-se nele um legislador da Cadeia Velha, deputado, representante de algum estado do Norte, que, com certeza, há duas legislaturas influía poderosamente nos destinos do país com o seu resignado apoio. E assim, um a um, depois aos magotes, foram entrando os espectadores. Ao fim, na cauda, retardados, vieram os frequentadores assíduos – pessoas variegadas de profissão e moral que com frequência blasonavam saber os nomes das cocottes, a proveniência delas e as suas excentricidades libertinas. Entre os que entravam naquele momento, entrara também o comendador e o “achado”.

A primeira parte do espetáculo correra quase friamente.

Todos, homens e mulheres, guardavam as maneiras convencionadas de se estar em público. Era cedo ainda.

Em meio, porém, da segunda, as atitudes mudaram. Na cena, uma delgadinha senhora (chanteuse à diction – no cartaz) berrava uma cançoneta francesa. Os espectadores, com batidos das bengalas nas mesas, no assoalho, e com a voz mais ou menos comprometida, estribilhavam-na doidamente. O espetáculo ia no auge. Da sala aos camarotes subia um estranho cheiro – um odor azedo de orgia.

Centenas de charutos e cigarros a fumegar enevoavam todo ambiente.

Desprendimentos do tabaco, emanações alcoólicas, e, a mais, uma fortíssima exalação de sensualidade e lubricidade, davam à sala o aspecto repugnante de uma vasta bodega.

Mais ou menos embriagado, cada um dos espectadores tinha para com a mulher com quem bebia, gestos livres de alcova. Francesas, italianas, húngaras, espanholas, essas mulheres, de dentro das rendas, surgiam espectrais, apagadas, lívidas como moribundas. Entretanto, ou fosse o álcool ou o prestígio de peregrinas, tinham sobre aqueles homens um misterioso ascendente. A esquerda, na platéia, o majestoso deputado da entrada coçava despudoradamente a nuca da Dermalet, uma francesa; em frente o doutor Castrioto, lente de uma escola superior, babava-se todo a olhar as pernas da cantora em cena, enquanto em um camarote defronte, o Juiz Siqueira apertava-se à Mercedes, uma bailarina espanhola, com o fogo de um recém-casado à noiva.

Um sopro de deboche percorria homem a homem.

Dessa forma o espetáculo desenvolvia-se no mais fervoroso entusiasmo e o coronel, no camarote, de soslaio, pusera-se a observar a mulata. Era bonita de fato e elegante também. Viera com um vestido creme de pintas pretas, que lhe assentava magnificamente.

O seu rosto harmonioso, enquadrado num magnífico chapéu de palha preta, saía firme do pescoço roliço que a blusa decotada deixava ver. Seus olhos curiosos, inquietos, voavam de um lado a outro e a tez de bronze novo cintilava à luz dos focos. Através do vestido se lhe adivinhavam as formas; e, por vezes, ao arfar, ela toda trepidava de volúpia...

O comendador pachorrentamente assistia ao espetáculo e, fora do costume, pouco conversou. O amigo, pudicamente não insistiu no exame.

Quando saíram de permeio à multidão, acumulada no corredor da entrada, o coronel teve ocasião de verificar o efeito que fizera a companheira do amigo.

Ficando mais atrás, pôde ir recolhendo os ditos e as observações que a passagem deles ia sugerindo a cada um.

Um rapazola dissera:

– Que "mulatão"!

Um outro refletiu:

– Esses portugueses são os demônios para descobrir boas mulatas. É faro.

Ao passarem os dois, alguém, a quem ele não viu, maliciosamente observou:

– Parecem pai e filha.

E essa reflexão de pequeno alcance na boca que a proferiu, calou fundo no ânimo do coronel.

Os queixos eram iguais, as sobrancelhas, arqueadas, também; o ar, um não sei quê de ambos assemelhavam-se... Vagas semelhanças, concluiu o coronel ao sair à rua, quando uma baforada de brisa marinha lhe acariciou o rosto afogueado.

Já o carro rolava rápido pela rua quieta – quietude agora perturbada pelas vozes esquentadas dos espectadores saídos e pelas falsas risadas de suas companheiras – quando o comendador, levantando-se no estrado da carruagem, ordenou ao cocheiro que parasse no hotel, antes de tocar para a pensão. A sala sombria e pobre do hotel tinha sempre por aquela hora uma aparência brilhante. A agitação que ia nela; as sedas roçagantes e os chapéus vistosos das mulheres; a profusão de luzes, o irisado das plumas, os perfumes requintados que voavam pelo ambiente; transmudavam-na de sua habitual fisionomia pacata e remediada. As pequenas mesas, pejadas de pratos e garrafas, estavam todas elas ocupadas. Em cada, uma ou duas mulheres sentavam-se, seguidas de um ou dous cavalheiros.

Sílabas breves do francês, sons guturais do espanhol, dulçorosas terminações italianas, chocavam-se, brigavam.

Do português nada se ouvia, parecia que se escondera de vergonha.

Alice, o comendador e o coronel, sentaram-se a uma mesa redonda em frente à entrada. A ceia foi lauta e abundante. A sobremesa, os três convivas repentinamente animados, puseram-se a conversar com calor. A mulata não gostara do Rio; preferia o Recife. Lá sim! O céu era outro; as comidas tinham outro sabor, melhor e mais quente. Quem não se recordaria sempre de uma frigideira de camarões com maturins ou de um bom feijão com leite de coco?

Depois, mesmo a cidade era mais bonita; as pontes, os rios, o teatro, as igrejas.

E os bairros então? A Madalena, Olinda... No Rio, ela concordava, havia mais povo, mais dinheiro; mas Recife era outra coisa, era tudo...

– Você tem razão, disse o comendador; Recife é bonito, e muito mais.

– O senhor, já esteve lá?

– Seis anos; filha, seis anos; e levantou a mão esquerda à altura dos olhos, correu-a pela testa, contornou com ela a cabeça, descansou-a afinal na perna e acrescentou: comecei lá minha carreira comercial e tenho muitas saudades. Onde você morava?

– Ultimamente à Rua da Penha, mas nasci na de João de Barro, perto do Hospital de Santa Águeda...

– Morei lá também, disse ele distraído.

– Criei-me pelas bandas de Olinda, continuou Alice, e por morte de minha mãe vim para a casa do doutor Hildebrando, colocada pelo juiz...

– Há muito que tua mãe morreu? indagou o coronel.

– Há oito anos quase, respondeu ela.

– Há muito tempo, refletiu o coronel; e logo perguntou: que idade tens?

– Vinte e seis anos, fez ela. Fiquei órfã aos dezoito. Durante esses oito anos tenho rolado por esse mundo de Cristo e comido o pão que o diabo amassou. Passando de mão em mão, ora nesta, ora naquela, a minha vida tem sido um tormento. Até hoje só tenho conhecido três homens que me dessem alguma coisa; os outros Deus me livre deles! – só querem meu corpo e o meu trabalho. Nada me davam, espancavam-me, maltratavam-me. Uma vez, quando vivia com um sargento do Regimento de Polícia, ele chegou em casa embriagado, tendo jogado e perdido tudo, queria obrigar-me a lhe dar trinta mil-réis, fosse como fosse.

Quando lhe disse que não tinha e o dinheiro das roupas que eu lavava, só chegava naquele mês para pagar a casa, ele fez um escarcéu. Descompôs-me. Ofendeu-me. Por fim, cheio de fúria agarrou-me pelo pescoço, esbofeteou-me, deitou-me em terra, deixando-me sem fala e a tratar-me no hospital. Um outro – um malvado em cujas mãos não sei como fui cair – certa vez, altercamos, e deu-me uma facada do lado esquerdo, da qual ainda tenho sinal!

Ah! Tem sido um tormento... Bem me dizia minha mãe: toma cuidado, minha filha, toma cuidado. Esses homens só querem nosso corpo por segundos, depois vão-se e nos deixam um filho nos quartos, quando não nos roubam como fez teu pai comigo...

– Como?... Como foi isso? interrogou admirado o coronel.

– Não sei bem como foi, retrucou ela. Minha mãe me contava que ela era honesta; que vivia na cidade do Cabo com seus pais, de cuja companhia fora seduzida por um caixeiro português que lá aparecera e com quem veio para o Recife. Nasci deles e dois meses ou mais depois do meu nascimento, meu pai foi ao Cabo liquidar a herança (um sítio, uma vaca, um cavalo) que coubera à minha mãe por morte de seus pais.

Vindo de receber a herança, partiu dias depois para aqui e nunca mais ela soube notícias dele, nem do dinheiro, que, vendido o herdado, lhe ficara dos meus avós.

– Como se chamava teu pai? indagou o comendador com estranho entono.

– Não me lembra bem; era Mota ou Costa... Não sei... Mas o que é isso? disse ela de repente, olhando o comendador. Que tem o senhor?

– Nada... Nada... retrucou o comendador experimentando um sorriso. Você não se lembra das feições desse homem? interrogou ele.

– Não me lembra, não. Que interesse! Quem sabe que o senhor não é meu pai? gracejou ela.

– O gracejo caiu de chofre naqueles dois espíritos tensos, como uma ducha frigidíssima. O coronel olhava o comendador que tinha as faces em brasa; este, àquele; por fim depois de alguns segundos o coronel querendo dar uma saída à situação, simulou rir-se e perguntou:

– Você nunca mais soube alguma coisa... qualquer coisa ? Hein?

– Nada... Que me lembre, nada... Ah! Espere... Foi... É. Sim! Seis meses antes da morte de minha mãe, ouvi dizer em casa, não sei por quem, que ele estava no Rio implicado num caso de moeda falsa. É o que me lembra, disse ela.

– O que? Quando foi isso? indagou pressuroso o comendador.

A mulata, que ainda não se havia bem apercebido do estado do comendador, respondeu ingenuamente: – Mamãe morreu em setembro de l893, por ocasião da revolta... Ouvi contar essa história em fevereiro. É isso.

O comendador não perdera uma sílaba; e, com a boca meio aberta, parecia querê-las engolir uma e uma; com as faces congestionadas e os olhos esbugalhados, a sua fisionomia estava horrível.

O coronel e a mulata, extáticos, estuporados, entreolhavam-se.

Durante um segundo nada se lhes antolhava fazer. Ficaram como idiotas; em breve, porém, o comendador, num supremo esforço, disse com voz sumida:

– Meu Deus! É minha filha!



(Contos completos de Lima Barreto, p. 89-97)


domingo, 2 de abril de 2023

Pensamentos Mortais - quarta temporada

Hospitais - 40

Imagem: Google

Hospitais nos remetem a mortes.  Divino tem pavor, enquanto João Batista, que acredita na vida, diz que não devemos temer os hospitais, desde que, bem administrados, com profissionais competentes, humanos, salvam vidas e acrescenta: isso vale para a saúde pública e privada. 


Cemitério - 41

Igreja de Jampruca. Meu pai foi o mestre de obra


O cemitério lá de Jampruca me intrigava.  Mas eu era criança.  Ouvia histórias de alma penada. Por outro lado, tinha um fascínio. A morte é uma incógnita.  Não sabemos o que acontece depois.  Adulto, passei a visitar os mortos em seus túmulos. Em São João del Rei, visitei todos.  Até escrevi o poema abaixo:

os mortos do carmo
jazigos adornados
lápides revelam
história adormecida
sono eterno
sob concretos
estrutura óssea
os mortos do carmo
cinzas encaixotadas
silêncio que não se rompe

Cemitério do Carmo-São João del Rei/MG


Capitalismo - 42

A disputa por bens escassos é mortífera. Se a comida é pouca, meu pirão primeiro! No capitalismo então, em que os preços são controlados pela lei de oferta e procura, a fome é uma ameaça constante. 

Imagem: Google

Imortais - 43

Não morrem em nossas lembranças, pelo legado artístico e humanos, escritores, poetas, cientistas e todas e todos, que derramaram sangue pela liberdade. Os desumanos vão para o lixo da história. 

Imagem: Google

Sonhos - 44


Quando morrem os sonhos, morremos juntos. 

Imagem: acervo do autor

Não tenho medo da morte - 45

Imagem: Google

Não tenho medo da morte
Mas medo de morrer, sim
A morte é depois de mim
Mas quem vai morrer sou eu... 
(Gilberto Gil)

A vida é absurda. Imaginá-la depois da morte, continua sendo absurda. 


Quem mandou matar Marielle Franco? - 46

Imagem: Google


Por incompetência dos responsáveis pelas investigações, ou conluio, não se sabe até o momento, quem mandou matar Marielle e Anderson. 


Mortos invisíveis - 47

Imagem: Google

Centenas de gente pobre, maioria preta, são assassinadas todos os dias sem que o sistema de justiça cumpra a sua função. São os mortos invisíveis. 


De onde viemos, para onde vamos? - 48

Imagem: Google

Eis uma pergunta, cujas  as respostas, científicas, inclusive,  não satisfazem. 


Paradoxo - 49

Imagem: acervo do autor

Meus pensamentos, meu refúgio,
fujo da realidade para entendê-la. 
Tenho  na palma da mão
uma estrela!


Ópio - 50

Imagem: Google


Toda pessoa tem seu ópio, pra fugir da realidade. Uns cheiram e fumam. Outros e outras fofocam. Muitas e muitos rezam, Quanto a mim, escrevo.


Excluídos - 51

Imagem: Google

Trapos de gente nos semáforos, pedindo esmolas pra matar a fome. Farrapos humanos sob marquises e nas calçadas.  


Caridade e solidariedade - 52

imagem: Google

"A caridade é vertical. a solidariedade é horizontal" (Eduardo Galeano)

Subscrevo


Por J Estanislau Filho

Com Antonia Castro em Tiradentes