quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O Eletricista












Ele era eletricista no TRT (Tribunal Regional do Trabalho). Quando o conheci, morava numa casa de um conjunto habitacional popular. Xico, com xis, como ele assinava as mensagens que me enviava por "emeio", faz  parte do meu pequeno rol de amigos. Xico partiu, imagino, numa noite de céu  estrelado.  Se a noite não estava salpicada de estrelas ao redor da lua cheia eu as coloco lá.
     José Francisco de Assis faz uma falta danada aqui. Trocávamos impressões sobre muitos assuntos, principalmente sobre política, economia e eletricidade. Ele era elétrico, no sentido da indignação com os rumos da política nacional. Um cidadão tranquilo, consciente. E bom de prosa. Não ficávamos presos a um único tema. Com ele o diálogo fluia. Xico sabia dar e receber conselhos. 
     Meu amigo eletricista aposentou-se, mas teve pouco tempo para usufruir da aposentadoria razoalvelmente confortável aos parâmetros brasileiro.  Mas preciso voltar no tempo: eu o conheci em meio a uma turbulência de seu primeiro relacionamento.  E entre uma confidência e outra, regada por algumas cervejas e algumas vezes um churrasco,  nossa amizade se fortaleceu. Nunca fez conchavo para conseguir promoção. Em vez de direito, mais comum nessa instituição jurídica, preferiu estudar economia. E se formou. E continuou trocando lâmpadas e fiação queimada. Ah do que algumas pessoas são capazes de fazer, para conseguir uma promoção! Até que um dia, pelas circunstâncias da vida, nos afastamos. Eu fui morar numa cidade do interior enquanto o meu amigo continuava no tribunal. Mas continuávamos conversando, via "emeio" e algumas vezes por telefone, quando um dia ele me liga, dizendo que viria me visitar. Estava feliz com a aposentadoria. Chegou em minha casa num pajero tr4, "meu sonho de consumo", disse-me. E fomos tomar umas duchas nas cachoeiras de Carrancas. Foi um reencontro alvissareiro. Colocamos a prosa em dia. Xico estava feliz ao lado de sua nova companheira, fazia projetos, principalmente o de viver intensamente o que a aposentadoria lhe proporcionava.  Despediu-se de mim. Ainda me lembro de suas últimas palavras: - Voltarei com a Rosi, para irmos a Carrancas. E trarei minhas ferramentas, para fazer um conserto na rede elétrica de sua casa. Detectei alguns problemas...
    Então veio a triste notícia: Rose me liga para dizer que Xico falecera enquanto dormia. No mais completo silêncio de uma noite de céu de lua cheia, salpicada de estrelas.



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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Dialética do subdesenvolvimento









Paulo Nogueira Batista Jr - via Tijolaço

Hoje queria escrever um pouco sobre um dos meus assuntos prediletos e obrigatórios – o Brasil e, em especial, a política externa do país. No ano passado, animei-me a publicar um livro com o título “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”. Não cabe mesmo, leitor. Mas o pessoal se esforça – e como!


Considere, por exemplo, a política externa do governo atual. O vexame é completo, quase inacreditável. Se fosse o caso de resumi-la em uma frase apenas, diria que se trata de uma tentativa canhestra, mais do que canhestra: grotesca, de enquadrar o país no quintal do grande irmão do Norte. Não há nenhuma razão aparente para empreender tal tentativa. Nada nos obriga à submissão, a abdicar da nossa autonomia e até do mínimo de dignidade que deve reger o comportamento de qualquer governo, particularmente em países de porte continental como o Brasil. Tudo se passa, entretanto, como se tivéssemos perdido uma guerra e o país estivesse agora entregue a prepostos de forças estrangeiras – prepostos medíocres e subservientes.


Nunca foi tão verdadeira a observação de que o brasileiro não está à altura do Brasil. Os americanos não queriam, é certo, um Brasil independente, com voz própria. Mas não imaginavam que pudessem obter sem grande esforço uma rendição tão completa e vergonhosa. A verdade é que esse imenso país sul-americano está sendo entregue de mão beijada.


E o mais estranho é que tudo se passa ao som de patriotadas ridículas, com a conspurcação dos símbolos e das cores nacionais, sob o signo de um “novo nacionalismo”, um nacionalismo simiesco, que imita de maneira constrangedora o nacionalismo de Donald Trump e, em momentos de alucinação, até mesmo de Adolf Hitler.


E, no entanto, mesmo na pior das desgraças é sempre possível encontrar motivo para certo orgulho e satisfação. Afinal, pergunto, que outro país conseguiria a proeza de inventar o nacionalismo entreguista, sofisticação dialética difícil de igualar? O Brasil não é para principiantes, dizia Tom Jobim. Lendo recentemente uma biografia de Dom Pedro II, escrita pelo historiador José Murilo de Carvalho, descobri espantado que o imperador era republicano. E o Marechal Deodoro da Fonseca, monarquista. Portanto, tudo é possível no Brasil. Temos agora o incomparável nacionalista vira-lata, que clama a sua devoção pelo país ao mesmo tempo em que bate continência para a bandeira dos Estados Unidos e faz juras de amor ao presidente daquele país.


No resto do mundo, reina a mais completa perplexidade sobre a decadência do Brasil. Ninguém acreditaria que sofreríamos tal colapso e desceríamos a níveis tão baixos. Há não muito tempo o nosso país era referência, não só na América Latina, mas no mundo inteiro. Não estou exagerando, leitor. Tive o privilégio de representar o Brasil no FMI, no G20 e nos BRICS numa época em que o nosso país se comportava como o grande país que é. Tínhamos, claro, nossas limitações, nossas dificuldades. Mas éramos respeitados como voz autônoma, capaz de expressar com criatividade e competência os anseios de paz, progresso e reforma da governança internacional. Todo esse capital de respeito, simpatia e soft power está sendo jogado pela janela.


Somos subdesenvolvidos, reconheço. Nossos quadros nem sempre são os melhores, admito. E, mesmo nos nossos momentos mais felizes, demos as nossas pisadas de bola. Mas, convenhamos, era preciso escalar esse time de pernas-de-pau?


Vamos imaginar, por um instante, que por obra do insondável destino Jair Messias Bolsonaro fosse conduzido, digamos, à presidência da Micronésia. Os micronesianos contemplariam, perplexos, o seu novo supremo mandatário, fariam uma rápida reunião e correriam com ele sem demora. E se Paulo Guedes ou Ernesto Araújo aparecessem de repente em algum ministério da Economia ou das Relações Exteriores, qualquer um, em qualquer lugar do mundo? Ora, seriam encaminhados imediatamente, sem hesitações, ao almoxarifado mais próximo.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Seleção do Autor: 11 poesias sobre a VIDA






bicho do mato


salvo da selva
de pedra a relva
que se eleva
sobre troncos
sobe barrancos
tece redes verdes
cresce e floresce
alimentando a sede
a fome de milhões de seres

salva da selva de pedra
é o verso que me tece
e me enreda na rede
de naturais tapetes
fazendo de mim relva.
na selva em que habito
mudei de hábito
e sutilmente
imperceptivelmente
me tornei bicho do mato



um haicai e uma canção desesperada



cartas de tarô
sobre a mesa
descarta o amor

era uma mulher infeliz
entre o limo das vasilhas
e o coração enferrujado.
no tanque roupas em pilhas
à espera de ásperos muques
o corpo todo um estoque
de tristeza e desejo de morte.
no rosto lágrimas de desgosto
as cartas de tarô a negar-lhe melhor sorte







eu te amo



o pássaro que prepara
o ninho, leva no coração
o que a amada espera:
amor sem medida, afeição,
o silêncio cúmplice da ternura,
a pureza do amor, sem explicação

não carece explicar o amor,
eu te amo, simples assim
como o desabrochar da flor,
como o lume das estrelas, enfim,
eu te amo com o ardor
do sol sobre o nosso jardim

eu te amo sem medo,
eu te amo sem os grilhões
dos simulacros, dos arremedos,
como a cachoeira aos borborões,
acariciando nossos corpos com seus dedos,
enquanto recebemos afagos das mãos

eu te amo com certeza
oh flor que causa espanto,
tamanha a sua beleza, 
capaz de abrir sorriso calar o pranto,
pois esta é a nossa maior riqueza:
natureza, pra você, meu canto

Pensamentos imperfeitos



É alta madrugada...
Ouço a voz maculada
A arremessar em meus ouvidos
Toneladas de paralelepípedos.
Meu coração é uma bateia
A separar pedras preciosas da areia...
Enquanto a madrugada avança
Vejo nítidas as garras da onça
A romper a minha jugular
E antes de ela desferir o golpel fatal
E fazer de mim alimento frugal
Petrifico-a sob meu estranho olhar.
Esta comunicação hermética
Esvai-se em poucos segundos
E se encerra de forma patética
Num beijo mórbido profundo





exercícios ao amanhecer



ao acordar olhe com calma ao redor
respire fundo o ar da manhã
cheire o lençol travesseiro e o cobertor
lá fora um pássaro se assanha
sinta o seu próprio odor
cheire seu amor mas se estiver só
converse consigo abra as cortinas
devagarinho para entrar o sol
se há chuva forte ou fina
nada disso importa
chuva faz bem ao chão
aproveite e abra as portas
principalmente as do coração
não se esqueça de se ver no espelho
hum que cara hem!
mas não fique aí de molho
é sinal de quem dormiu bem
vamos lá se ajeite se arrume
faça um bom lanche também
tome tento e se aprume
e vá à luta... 


Bondade



"Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas se qualquer te bater
na face direita, oferece-lhe também a outra".

A bondade praticada sinceramente, espalha-se
e não se queima como palha, evolui naturalmente.
Uma pessoa bondosa não necessita de vanglória,
pois a bondade em si, fica na memória
e nos corações agradecidos.
Abarca num amplexo a humanidade.
Dessa forma a bondade cumpre o seu sentido.
Se a bondade se cala diante da maldade,
não a busque na poltrona da sala,
pois sua morada é o coração,
nem tente enclausurá-la numa cela,
pois a bondade romperá as grades
ou será libertada por sementes de bondades
brotadas, sem vingar-se das maldades,
para que se tornem bondades.
Porém a maldade também espalha sementes,
que brotam nervosas nos corações e mentes
desumanas, mas não com a mesma intensidade,
embora ela tenha mais visibilidade.
Há que se ter perseverança,
manter acesa a chama da esperança
de que mais dias menos dias viveremos tão somente
sob o signo da bondade


Existem Homens



Existem homens...
Corajosos  destemidos
Que cantam e sonham
Transformam o minério em aço
E têm nos olhos a lágrima
Nos lábios o sorriso...

Existem homens que lutam
E superam a dor
Enfrentam obstáculos
Não se entregam não recuam
Espantam o medo não traem
Não delatam...

Existem homens que parecem
Não ser deste mundo:
Sob a cruz
Coroa de espinhos
Ou diante do fuzil
Lançam os olhos às estrelas

Existem homens que fazem
Exatamente o
Oposto...





Poema ao anoitecer



O olho do dia começou a se fechar.
Devagar e bonito.
O sol se escondendo nas montanhas.
A noite é o dia dormindo.
Antes que o dia adormeça há uma luminosidade transitória.
Ponho os olhos no horizonte e o meu coração palpita.
O que é isto?
Contempo o dia adormecer...
Pássaros buscam abrigos.
Há uma réstia de sol.
A zoeira do dia vai se dissipando.
Para dar lugar a outros ruídos.
Ruídos de silêncio.
A nuvem escurece.
As primeiras estrelas piscam.
A lua.
Nova crescente cheia minguante...
Há noites de relâmpagos.
Há noites de luz e breu.
Sou micro diante da imensidão cósmica.
Mas a noite de hoje tem lua cheia.
Sou poeira cósmica.
Tão importante quanto sol que foi dormir


abraço



abraço é um laço
um lance de carinho entre seres
que se querem bem
a hera abraça o muro
e entre plantas enlaça-se segura
em perfeita simbiose
posto que o abraço é troca
dádiva que cura
são galhos que se encontram na mata escura
caneta que abraça o papel
pincel que beija a tela
estrelas abraçando o céu...
o abraço conforta
aquece a alma
e traz a sorte
semente que brota
o abraço é uma obra de arte


O último poema



No caminhar das coisas,
no tanger das horas,
um rastro de inocência esmaece no tempo.
A algaravia de outrora silencia ante
a estupidez das coisas vigentes.
Os sinos não dobram mais,
pois os sineiros abandonaram o posto.
A cruz na curva do asfalto não recebe o afago das flores,
resiste as intempéries e a voracidade dos cupins,
como a implorar em orações ao céu plúmbeo,
que a salve desse silêncio sepulcral.
O amor caminha com passos trôpegos
e a paixão corre afoita.
As coisas continuam coisas desumanizadas.
As folhas caem no outono e dão lugares a roupas novas.
Enquanto isso o novo homem nasce coberto de rugas e rusgas,
sob velhas regras.
Ninguém parece mais se importar com o andar das coisas.
As ondas do mar parecem cansadas de beijar as areias, erodir barreiras
e o gado segue obedecendo o aboio do vaqueiro indolente.
Não se ouve barulho na lagoa.
Tudo está num silêncio de sangrar,
silêncios e estrondos de aviões riscando o céu,
de preces na terra e gemidos no mar.
Refinarias não refinam o ouro negro.
A plataforma 136 submergiu com onze operários.
A base militar de Alcântara explodiu
e fragmentou no ar vinte e uma pessoas.
O último poema entalado na garganta se despede em silêncio.
Amém!


Exit



O monstro mostra a face
É hora de partir sem fugir da raia
Há vida fora desse mar de martírios
O que move e comove não existe aqui
Saio dessa rede que tem sede de sangue
A fome consome desvalidos
Nessa ágora de agora cegos em seus egos
Regulam a ração dos párias da pátria
Constroem tapumes com seus estrumes farpados
Urge sair ante o mugir do monstro
Vida se abriga fora dessa rede de intrigas
Saio dessa cerca antes que perca a visão
E não possa tirar o cisco do olho do irmão.







J Estanislau Filho


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quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

SELEÇÃO DO AUTOR: 11 POESIAS ERÓTICAS

vermelha




vestiste a cor do amor
do desejo: camisola vermelha
vieste saciar a sede
na fonte dos lençóis
cor de sangue
vermelha e sensual
o encontro de yin yang





Sexo Ecumênico


Ao adentrar-se n'alcova, trazia no rosto
a expressão de uma loba no cio,
preparada para, sobre o colchão macio
entregar-se ao coito selvagem.
Deu-se então o incício
a uma languidez ecumênica
e a loba não se fez econômica:
posou musa muçulmana,
católica apostólica romana,
depois se fez eclética,
exótica esotérica,
kardecista e umbandista
e sedudora evangélica.
Após o ritual budista,
um espetáculo mágico:
ao praticarmos sexo tântrico







Seios


Lua cheia
de desejo
pousei meus lábios
em teus seios
[sei-os ardentes]
rocei-os
docemente
sem receios
[cheio de desejos]
no roçar da língua
não titubeei
beijei-os
lambi-os

o céu de minha boca
se encheu de estrelas...







Fluidez

Sua libido sai dos poros
Desejo que brota sem decoros
Expande sob estrelas cálidas

Das linhas do coração meigo
Costura pele tecido frágil
Nestas manhãs tão pálidas

Vem de seus olhos polidos
Lábios de contornos talhados


como as peras




belos como as peras colhidas
nas manhãs orvalhadas
são teus seios...
saciam a fome de alimento
saciam a sede de amor
teus seios nas manhãs
como as peras
agasalhadas em sutiãs


erótica

foi o vermelho forte do batom
um vermelho raro
mais que agressivo
foi possessivo

o olhar preso ao batom
em grossos lábios

não não foi o batom
nem os lábios
foi a boca toda a língua úmida
os olhos traduzindo
batom lábios

o leve toque nos cabelos com as pontas dos dedos
e o esboço de um sorriso insinuando sexo explícito







mulher ensolarada

a lua lumia o mar
dos olhos da mulher
que jurou me querer.
naturalmente olhando
com seus olhos de luz
timidamente nua
abraçava o vento beijava o sol
o vestido voando na tarde de arrebol.
mulher ensolarada
deixou-me lua murcha
e estrelas miúdas
em triste marcha



Nudez




vê-la nua corpo em chamas
lábios e boca abertos ao beijo
contorcendo desejos sobre a cama...

doce menina sedenta de prazer
mulher plena em plenilúnio
etílico corrompento meu ser...

navegarem em teu dorso como quiseres
eu marinheiro de versos e mares
serei teu guia se tu me guiares
por labirintos quereres
[seios pênis clitóris orgasmos]
subir contigo aos ares
depois quedarmo-nos
em diversos marasmos








prazer


quero me perder
nas ondulações sensuais de teu corpo
cegar-me com o brilho de teus olhos

quero seguir
o teu hábito
achar-me em teus passos

quero sentir
o teu hálito
embriagar-me em teus braços

como as ondas do mar beijando a areia
quero beijar teu corpo
em cada curva estacionar meu sonho

quero ser atrevido
violar os teus sentidos
afogar-me em tuas águas
[mar de delícias]
envolver-me em carícias

roçar meu corpo em tua pele
sentir o calor 
brotar em nossos poros

quero me atazanar me estrepar
em teus espinhos
conquistar palmo a palmo errante
tua selva misteriosa
eleger-me teu bandeirante

quero teu corpo molhado suado
a formar vapor subindo
virando nuvens no céu

chuva caindo sem assombro
sobre a terra fértil
quero-te ave de múltiplas cores
pousada sobre meu ombro






Desejo


No começo era o verbo e o verbo se fez emoção
adornado em poemas de carne viva.
Desejo.
Amellie mítica
Amor e volúpia sob o véu e alma nua.
Amellie mística
Sensualidade e candura.
Menina
Mulher
Saboreava suas palavras impressas
e a via esplendidamente nua em desfile na Barra
Ipanema
Alimentado meu desejo.
Saboreava Amellie
Salivava Amellie em longas noites de insônia
enquanto um outro dia aniquilava meu ser.
Sonhos que me levavam à culminância
de desejo que no desejo perdura.
Amellie mudou a forma de meu sonhar...
As noites eram escadarias,
desnorteadas galerias,
invadia minhas insônias sem cerimônias,
despida vieste,
sob o corpo diáfano a exuberância libidinosa.
Contudo coberta por uma camada fina de inquietude
à procura de calmaria.
Em noite transtornada me arrancava o coração
e o exibia à turba ensandecida.
Nas manhãs frias das paredes vermelhas do meu quarto
prefixado de amor alvoroçado
Amellie me atira em sua rede de mármore
Vazia
Oca de mim...

Amellie se revela verdadeira, inteira:

fêmea faminta e farta de deserto.
Necessito, como Demócrito arrancar os olhos e pensar.
Fundirei as mãos ávidas em seu precioso colo.
Pele macia azeitonada.
Seios fartos onde jorra o leite e o mel.
Sorriso largo à espera do beijo:
E nesse meigo declive saciarei o desejo que assalta meu sono.







louca sedução


na minha lida ou vida amarga,
cuja visão tarda,
só posso ofertar-lhe lua esquálida.
foi sobre palcos de marfim,
cantando uma ária
para uma platéia inexorável,
que minha bisavó chegou ao fim.
meu bisavô, em estado deplorável,
deixou-se levar por uma dose de cianureto.
meus ancestrais, circunspetos, 
eternizados em mármore.
minha avó e meu avô em marcha célere,
foram se juntar aos pais,
estirpe de herois sem causa,
em laje fria repousam.
minha mãe lanhou o corpo com uma pedra afiada
e se embrenhou na mata,
para não mais ser avistada.
seguindo a sina de meus ancestrais meu pai
perdeu o juízo.
por isso te ofereço a minha solidão,
ofereço meu breu,
minha amargura,
as agruras de Prometeu.
mas no fundo d'alma,
quero te seduzir com a minha loucura...





J Estanislau Filho

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A seguir> 11 poemas sobre a VIDA


segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Seleção do Autor: 11 poemas sociais






perplexidade


árvores desarvoradas se desenterram
folhas mortas de cansaço
do fundo da terra brotam larvas floridas
ervas daninhas se alimentam do caos
o leão de pedra devora o escultor
a plebe ignara ignora boa conduta
assassinos elegantes se indignam
pássaro de lata rompe as nuvens
pássaros de penas voam sem olhas as asas
tiranos fazem planos
todos querem o seu quinhão
o ribombar do canhão ecoa
conspiração!




poesia à prova de balas


Não usarei colete à prova de balas,
pois a poesia é o meu escudo,
rifles, espingardas, pistolas
e revólveres não resolvem, nem revolvem
o amor que a poesia dissemina,
não espantam quem têm
as palavras lúcidas,
de afetos e lúdicas.
Não fugirei de medo, pois a poesia
é coragem, defesa de quem preza a vida.
Metralhadoras, submetralhadoras, tanques
não estancam poemas, dádivas da criação.
Já vivemos tempos ásperos n'outros tempos,
que retornam camuflados em sorrisos,
mas ato falho, revelam ódios, escárnios.
Nossa força, encarnada em versos mágicos
desvia balas, que ricocheteiam
em direção aos paraísos fiscais.
A poesia não é mercadoria, moeda de troca, jamais.
O poema não é neoliberal
Poesia é vida no sentido literal



meritíssimo

abaçada nomenclatura
de idiossincrática figura
[outrora capitão-do-mato]
ao retirar a toga a beca
gravata e cueca
não tinha o domínio do fato.
patético meritíssimo transigia
ao sentir a dor da disuria
[momento de carantonha]
mira o vaso sanitário canhestro humano
em prolixa descomunal litania
de escandalizar catrumano




rumores

faca de dois gumes
quando cega
não corta legumes.
cuidado minha nega
se o efeito de pega
a cabeça dança
os olhos balançam
; menina
o vaso se que se quebra
no limiar da janela
sob o lumiar da vela
incendeia a cortina

na estrada o estrondo
dilacera talebãs
debaixo dos escombros
do edifício incongruente
dormem vilões e inocentes

mundo nas mãos
mudos corações
refletem anseios desconexos
conectanto semblantes perplexos
peregrino persegue prossegue
em seu fundamentalismo banal
o neoliberalismo consegue
impor o seu fundamentalismo fatal

afagar afegões e afegãs
com missas massas e mísseis

tênues lágrimas incendiárias
internam-se em fundas fendas
ferindo feras centenárias

trilhando trilhas herméticas
encarquilhaodos trapos visionários
talham desenhos antagônicos
revelado suas metas fanáticas

agitadas mãos sobre a tela
traçam riscos históricos.
a caneta rompe o papel
outrora tronco outrora vegetal

num cálculo matemático











Vale

A Vale,
outrora do Rio Doce
era nossa.
Hoje só vale
promessas nos comerciais.
Vale,
vala comum
de lucros colossais.
Vale,
vela volátil
valha-me Deus,
muitas velas para poucos uns
breu e bruma para muitos alguns.
Vale,
verso versátil...
Não vale a pena verso
para vale adverso
valeria se vale fosse
do Rio Doce.
Fosse nossa
não seria vale de lágrimas.
Vale cada vez mais
verde covarde
amarelo sangue
suga os recursos naturais







pele negra


quem tem a pele negra
verdade seja dita:
sofre preconceito de nascença
esta é a regra
no emprego o branco tem preferência

quem tem a pele negra
sejamos francos:
o negro se desespera
na disputa com o branco

a mulher sendo negra
sejamos sinceros:
sofre mais discriminação
inclusive dos parceiros
lógico, com exceção

sendo negra a criança
há que duvide disso?
sofre bulyng sem perdão
perde a esperança
de tornar-se pleno cidadão


quem tem a pele negra
sabe bem da sua dor
e onde mais sangra:
a maldade do opressor
a porta que se fecha
o machuca como flecha

quem nasce com a pele preta
com um sorriso branco na boca
não se curva nem se aboleta
não se esconde dentro da toca
levanta a cabeça e vai à luta

quem tem a pele negra
tem a ginca e a manha
aprendido à duras penas
nas tardes noites e manhãs...
segue lutanto pelo seu ideal
pelos direito humanos
e pela igualdade racial


O Mar da História


O mar da história segue
sangra...
Quem tem carta debaixo da manga
ladra no silêncio noturno.
O cruzeiro do sul
indica o norte aos piratas pirados
jamais parados sob céu azul.
Desnorteia misseis e missais
dos lobos em peles de cordeiros...
Pobres logos
animais ordeiros
seguem seus instintos
enquanto dos distintos
do topo da pirâmide social
saqueiam pobres mortais...
E os piratas pirados acendem a pira paranoica
para harmonizar todos os quintais...
O mar da história segue
seu curso rompendo ondas
deixando um rastro de sangue
em sua desvairada lógica
rumo aos campos de petróleo...
[rumo ao pré-sal]










poesia rima com democracia


cidadão ou cidadã
seja você quem for
numa noite ou manhã
responda-me por favor
se elas forem frias
é mais útil um cobertor
ou centenas de poesias?

bom mesmo seria
todas as coisas juntas
com essa tal democracia
lutarmos contra quem a afronta
com a cara da hipocrisia
unidos cobrarmos a conta
e termo comida e poesia




Pequeninos carvoeiros


Silencia minha alma, coração.
como faz o vento ao balançar as folhas de árvores centenárias,
levando sossego às raízes

Quero o silêncio das aves migratórias,
quero a paz dos corações bondosos
e dos amantes reconciliados

Silencia minha alma, coração,
as respostas não cairão do céu
para perguntas inviáveis

Deixa o barco seguir o curso do rio,
mas como dói ver crianças com olhilhos de fumaça
rostinhos de carvão






não desistam da poesia



"Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar".
(Bertold Brecht)

Vivemos dias obscuros. Obscenos.
Corações plúmbeos. Pulando obstáculos,
para não cair nas garras do ódio!
Correr atrás do pão de cada dia.
A prioridade é alimentar o corpo.
Mas como saciar a fome e a sede da alma?
Poesia não enche barriga,
dizem os de barriga cheia.
Não desistam da poesia. Ela é uma barricada contra
os bárbaros,
que não vê com bons olhos.
Sem poesia a alma seca,
os desejos, mesmo os mais humildes, não se manifestam.
Aos humilhados o que resta é a servidão.
As sobras das sobras dos banquetes de gente perversa,
que é a sobra do que sobrou dos capatazes da elite.
Não desistam da poesia. Ela é companheira
dos indignados. O alimento necessário à luta por transformações.
Não desistam, pois é isso que um por cento da população quer,
apoiada por seu séquito de capachos.
Está ouvindo tiros? Ouve o grito dos desesperados?
Quem morre e quem vive, eis a questão.
Quem ganha e quem perde nestes dias sombrios...



Segundo Manifesto


O novo se apresenta
Traz no bornal ideias velhas
Pneu recauchutado
Ovelhas se deixam tosar
O velho rebelde olha de viés
O novo é o velho mandatário das companhias hereditárias
Vem com seu sorriso falso em mensagens virtuais
Sofista com tecnologia moderna
O mesmo profeta do apocalipse em 4g
Sofisticado e sedutor
A corromper cérebros
O novo velhaco se apresenta
Não traz espelhos
Vem com smartphones
Fibra ótica
Playstation e
Porque tv ninguém mais aguenta
O velho rebelde não se deixa enganar
Olha de viés e lhe mete os pés na bunda







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J Estanislau Filho



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