Pensamentos imperfeitos
É alta madrugada...
Ouço a voz maculada
A arremessar em meus ouvidos
Toneladas de paralelepípedos.
Meu coração é uma bateia
A separar pedras preciosas da areia...
Enquanto a madrugada avança
Vejo nítidas as garras da onça
A romper a minha jugular
E antes de ela desferir o golpel fatal
E fazer de mim alimento frugal
Petrifico-a sob meu estranho olhar.
Esta comunicação hermética
Esvai-se em poucos segundos
E se encerra de forma patética
Num beijo mórbido profundo
exercícios ao amanhecer
ao acordar olhe com calma ao redor
respire fundo o ar da manhã
cheire o lençol travesseiro e o cobertor
lá fora um pássaro se assanha
sinta o seu próprio odor
cheire seu amor mas se estiver só
converse consigo abra as cortinas
devagarinho para entrar o sol
se há chuva forte ou fina
nada disso importa
chuva faz bem ao chão
aproveite e abra as portas
principalmente as do coração
não se esqueça de se ver no espelho
hum que cara hem!
mas não fique aí de molho
é sinal de quem dormiu bem
vamos lá se ajeite se arrume
faça um bom lanche também
tome tento e se aprume
e vá à luta...
Bondade
"Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas se qualquer te bater
na face direita, oferece-lhe também a outra".
A bondade praticada sinceramente, espalha-se
e não se queima como palha, evolui naturalmente.
Uma pessoa bondosa não necessita de vanglória,
pois a bondade em si, fica na memória
e nos corações agradecidos.
Abarca num amplexo a humanidade.
Dessa forma a bondade cumpre o seu sentido.
Se a bondade se cala diante da maldade,
não a busque na poltrona da sala,
pois sua morada é o coração,
nem tente enclausurá-la numa cela,
pois a bondade romperá as grades
ou será libertada por sementes de bondades
brotadas, sem vingar-se das maldades,
para que se tornem bondades.
Porém a maldade também espalha sementes,
que brotam nervosas nos corações e mentes
desumanas, mas não com a mesma intensidade,
embora ela tenha mais visibilidade.
Há que se ter perseverança,
manter acesa a chama da esperança
de que mais dias menos dias viveremos tão somente
sob o signo da bondade
Existem Homens
Existem homens...
Corajosos destemidos
Que cantam e sonham
Transformam o minério em aço
E têm nos olhos a lágrima
Nos lábios o sorriso...
Existem homens que lutam
E superam a dor
Enfrentam obstáculos
Não se entregam não recuam
Espantam o medo não traem
Não delatam...
Existem homens que parecem
Não ser deste mundo:
Sob a cruz
Coroa de espinhos
Ou diante do fuzil
Lançam os olhos às estrelas
Existem homens que fazem
Exatamente o
Oposto...
Poema ao anoitecer
O olho do dia começou a se fechar.
Devagar e bonito.
O sol se escondendo nas montanhas.
A noite é o dia dormindo.
Antes que o dia adormeça há uma luminosidade transitória.
Ponho os olhos no horizonte e o meu coração palpita.
O que é isto?
Contempo o dia adormecer...
Pássaros buscam abrigos.
Há uma réstia de sol.
A zoeira do dia vai se dissipando.
Para dar lugar a outros ruídos.
Ruídos de silêncio.
A nuvem escurece.
As primeiras estrelas piscam.
A lua.
Nova crescente cheia minguante...
Há noites de relâmpagos.
Há noites de luz e breu.
Sou micro diante da imensidão cósmica.
Mas a noite de hoje tem lua cheia.
Sou poeira cósmica.
Tão importante quanto sol que foi dormir
abraço
abraço é um laço
um lance de carinho entre seres
que se querem bem
a hera abraça o muro
e entre plantas enlaça-se segura
em perfeita simbiose
posto que o abraço é troca
dádiva que cura
são galhos que se encontram na mata escura
caneta que abraça o papel
pincel que beija a tela
estrelas abraçando o céu...
o abraço conforta
aquece a alma
e traz a sorte
semente que brota
o abraço é uma obra de arte
O último poema
No caminhar das coisas,
no tanger das horas,
um rastro de inocência esmaece no tempo.
A algaravia de outrora silencia ante
a estupidez das coisas vigentes.
Os sinos não dobram mais,
pois os sineiros abandonaram o posto.
A cruz na curva do asfalto não recebe o afago das flores,
resiste as intempéries e a voracidade dos cupins,
como a implorar em orações ao céu plúmbeo,
que a salve desse silêncio sepulcral.
O amor caminha com passos trôpegos
e a paixão corre afoita.
As coisas continuam coisas desumanizadas.
As folhas caem no outono e dão lugares a roupas novas.
Enquanto isso o novo homem nasce coberto de rugas e rusgas,
sob velhas regras.
Ninguém parece mais se importar com o andar das coisas.
As ondas do mar parecem cansadas de beijar as areias, erodir barreiras
e o gado segue obedecendo o aboio do vaqueiro indolente.
Não se ouve barulho na lagoa.
Tudo está num silêncio de sangrar,
silêncios e estrondos de aviões riscando o céu,
de preces na terra e gemidos no mar.
Refinarias não refinam o ouro negro.
A plataforma 136 submergiu com onze operários.
A base militar de Alcântara explodiu
e fragmentou no ar vinte e uma pessoas.
O último poema entalado na garganta se despede em silêncio.
Amém!
Exit
O monstro mostra a face
É hora de partir sem fugir da raia
Há vida fora desse mar de martírios
O que move e comove não existe aqui
Saio dessa rede que tem sede de sangue
A fome consome desvalidos
Nessa ágora de agora cegos em seus egos
Regulam a ração dos párias da pátria
Constroem tapumes com seus estrumes farpados
Urge sair ante o mugir do monstro
Vida se abriga fora dessa rede de intrigas
Saio dessa cerca antes que perca a visão
E não possa tirar o cisco do olho do irmão.