quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O Eletricista












Ele era eletricista no TRT (Tribunal Regional do Trabalho). Quando o conheci, morava numa casa de um conjunto habitacional popular. Xico, com xis, como ele assinava as mensagens que me enviava por "emeio", faz  parte do meu pequeno rol de amigos. Xico partiu, imagino, numa noite de céu  estrelado.  Se a noite não estava salpicada de estrelas ao redor da lua cheia eu as coloco lá.
     José Francisco de Assis faz uma falta danada aqui. Trocávamos impressões sobre muitos assuntos, principalmente sobre política, economia e eletricidade. Ele era elétrico, no sentido da indignação com os rumos da política nacional. Um cidadão tranquilo, consciente. E bom de prosa. Não ficávamos presos a um único tema. Com ele o diálogo fluia. Xico sabia dar e receber conselhos. 
     Meu amigo eletricista aposentou-se, mas teve pouco tempo para usufruir da aposentadoria razoalvelmente confortável aos parâmetros brasileiro.  Mas preciso voltar no tempo: eu o conheci em meio a uma turbulência de seu primeiro relacionamento.  E entre uma confidência e outra, regada por algumas cervejas e algumas vezes um churrasco,  nossa amizade se fortaleceu. Nunca fez conchavo para conseguir promoção. Em vez de direito, mais comum nessa instituição jurídica, preferiu estudar economia. E se formou. E continuou trocando lâmpadas e fiação queimada. Ah do que algumas pessoas são capazes de fazer, para conseguir uma promoção! Até que um dia, pelas circunstâncias da vida, nos afastamos. Eu fui morar numa cidade do interior enquanto o meu amigo continuava no tribunal. Mas continuávamos conversando, via "emeio" e algumas vezes por telefone, quando um dia ele me liga, dizendo que viria me visitar. Estava feliz com a aposentadoria. Chegou em minha casa num pajero tr4, "meu sonho de consumo", disse-me. E fomos tomar umas duchas nas cachoeiras de Carrancas. Foi um reencontro alvissareiro. Colocamos a prosa em dia. Xico estava feliz ao lado de sua nova companheira, fazia projetos, principalmente o de viver intensamente o que a aposentadoria lhe proporcionava.  Despediu-se de mim. Ainda me lembro de suas últimas palavras: - Voltarei com a Rosi, para irmos a Carrancas. E trarei minhas ferramentas, para fazer um conserto na rede elétrica de sua casa. Detectei alguns problemas...
    Então veio a triste notícia: Rose me liga para dizer que Xico falecera enquanto dormia. No mais completo silêncio de uma noite de céu de lua cheia, salpicada de estrelas.



Imagens: jef

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23 comentários:

  1. Nossa que linda homenagem. O Xico era meu tio. Que cresceu longe da família. E que por total mérito dele que procurou reestabelecer o contato com todos, mas na família chamávamos de tio Zé. Esse texto descreve ele tão bem. Mesmo no pouco tempo que desfrutamos da convivência com ele, foi sempre muito bom e cada encontro. Me ensinou a apreciar boa cachaça, me levou pra conhecer uma cachoeira linda e me fez entrar numa água super gelada, dizendo "se você não entrar, vai se arrepender" e essa foi a última vez que nos encontramos nesse plano. E eu sinto tanta saudade. Eu sinto tanto não poder realizar os planos que estávamos fazendo pra nova chácara que ele estava querendo construir.
    Esse texto me fez matar a saudade dele por um instante.

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  2. Pois é, eu poderia falar muito mais, como por exemplo nossa ida a Caetanópolis. Xico está guardado na memória de seus parentes de amigos, pra sempre.

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  3. Puxa, a vida e suas peças que nos prega! Linda homenagem. Emocionante leitura! abração,chica

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  4. Reconhecimento, gratidão, amizade são valores nobres. Lindo seu gesto de homenagear seu amigo . São passadas que jamais serão apagadas. Abraço, Stan. Saudade

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  5. Linda homenagem ao amigo. Se pudesse escolher, gostaria de partir dormindo. Abs

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    1. Olá, Marina, que alegria receber sua visita. Volte sempre. Abraço fraterno!

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  6. Que linda e emocionante homenagem. Valeu a leitura. Meus parabéns. Um abraço grande Escritor e parceiro das Letras.

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    1. Obrigado pela gentil presença, sempre estimuladora. Abraço, amiga e talentosa poetisa.

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  7. gente como a gente...como ele, também passaremos. esse deixou marcas nos corações e nas palavras que você juntou tão bem, por ele. Axé, Xico!

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  8. Eu me cadastrei em seu blog, grato, Suzana, parceira de letras e de lutas.

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  9. Stan, vc não imagina como fiquei emocionado com esse texto.
    Vc conseguiu mostrar com exatidão o "Xico"...era exatamente assim...bom de papo,inteligente, prestativo....ah! me falta adjetivos para descrever-lo...meu eterno companheiro!!
    Fui testemunha de longos papos(via fone) entre vocês dois. Muito obrigada pela bela homenagem. Parabéns, continue nos presenteando com seus textos. Fraterno abraço!!

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  10. Amigos não morrem, permanecem em nossas memórias. Parabéns!

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