segunda-feira, 30 de março de 2015

Perfume de Mulher





     Na época que este filme passou, eu dirigia uma instituição para meninos infratores. Eram muito comuns  as  transgressões às normas, mas dificilmente descobríamos  os autores da façanha. Existia um código de silêncio em função das represálias que o delator poderia sofrer. O filme Perfume de Mulher, além da  situação de cegueira do personagem principal vivido por Al Pacino e de sua vontade de viver intensamente, aborda o conflito vivido pelo jovem  estudante de uma universidade e que o  acompanha em suas aventuras. O conflito está em delatar os autores de uma  transgressão às normas da escola, para continuar favorecido pela bolsa de estudos ou  continuar calado e ser desligado e perder a bolsa. No dia da assembleia para julgar o caso,  o personagem de Al Pacino aparece e faz uma defesa emocionante do jovem, centrando  seus argumentos na questão dos valores  como lealdade e ética .Como a escola poderia ensinar integridade  moral se estava passando por cima de outros valores? Esta cena e  a dança do tango, são inesquecíveis para mim, bem com aquela em que  o personagem cego dirige um carro em alta velocidade  orientado pelo seu acompanhante. 


Conceição Gomes *

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=54344

Mais um bela contribuição da amiga e parceira de letras, Conceição Gomes.

domingo, 29 de março de 2015

maria



quantos planos
quantos anos
se passaram



quantas vezes

quantos meses
tu sonhaste



quantas flores

quantas dores
carregaste



quantas luas

quantas ruas
tu andaste



quantas cruzes

quantas luzes
apagaste



quantos traços

quantos braços
tu riscaste



quantos cortes

quantas sortes
atiraste



quantas santas

quantas plantas
tu regaste



quantos mitos

quantos gritos
desarmaste



quantos lutos

quantas lutas
tu travaste



quantos passos

quantos laços
amarraste



o tempo passa e os sonhos não morrem


Este poema está em meu livro O Comedor de Livros - Edição do Autor - 1991

quinta-feira, 19 de março de 2015

O Dono do Território



     Sentia-se dono do território - pedaço de rua, naco de quarteirão. João, filho preferido: "sim meu pai". André o enfrentava. Os demais, subterfúgios, dissimulados, aguardavam a hora do acerto de contas: crescer, sair de casa, quem sabe.
     Constantino, constante em rompantes, palavras ásperas: "Vem aqui seu desgraçado, arrebento esta moleira mole". Em casa ninguém escapava. Só João, merecedor de agrados: "Menino bom, este sim, filho verdadeiro, não é igual a estes bostas". Não enfrentava André, protegido por um líder do tráfico, segundo os vizinhos. Romélia, que um dia fora Rô, agora era tratada de qualquer jeito, maus modos. "Eita peste de mulher, casa bagunçada, meus chinelos criaram asas, Romélia?". Peraí homemdedeus, já vai. Aperreie não!". "E tenho motivos para me aperrear, tenho?".
     Ao colocar a barriga na rua era "fora da porta de minha casa seus fidumaségua, aqui não é campo de futebol, porra!". Esmurrou Narciso, menino de modos delicados. Seu Cândido, pastor evangélico, tentou amansar a fera, levar as palavras do antigo testamento, mas Constantino colocou o homem pra correr: "Sai daqui se não quiser engolir esta bíblia, véi safado, enganando este povo besta, comigo não!". Os vizinhos nada diziam.
     Entre os colegas de profissão era outra pessoa. Fora de seu território, cabra pacato. Buscava areia em Esmeraldas, dirigindo seu caminhão basculante. Prestativo. Zé da Abadia não acreditava: "Cabra nojento. Esta cara cheia de ruas de rugas não me engana, Firmino. Isto não vale uma bala do meu trêsoitão". 
     A fila de caminhões basculantes ia se formando perto das dragas. Constantino colaborava com todos. Trocava pneus; não se importava se alguém furava a fila. Mas sempre arrumava um jeito de arrancar uns trocados extras: "Por dez reais pode carregar primeiro, Elias, tenho pressa não". "Vai caçar dez reais na casa do carai, Constantino". Lisboa intercedia: "Que é isso Elias, Constantino é gente boa". "Um adulador, confio nele não, conheço este tipo, esfaqueia pelas costas".
     Dezembro começou a chover, varou janeiro sem parar. Fazer compras, ir trabalhar, uma dificuldade. As roupas mofavam, maioria das casas era infiltração. Morar em encostas, beira de barranco, perigo de deslizamento. Fevereiro caiu barranco, soterrando casas e gente. Desespero, choro. As autoridades dos município tomaram as providências cabíveis. O prefeito apareceu na televisão, não culpou as administrações passadas, pois ele era o passado. Culpou a chuva, o povo que mora em qualquer lugar e a falta de verbas. Chorou. "Lágrimas de crocodilo", gritou pra televisão Seu Joaquim Serralheiro. Tragédias de uns, alegria de outros. Constantino observava tudo, matutava. Muita terra, caminhão basculante... Tinha dois. Vestiu capa, calçou botas de borracha e foi se juntar ao mutirão. Trabalhou duro na lama: "Pessoal, estou ouvindo algo, aqui tem uma criança". Retirou-a com vida e a entregou nas mãos dos bombeiros. Constantino virou líder, heroi num piscar de olhos. As autoridades municipais ladearam o novo heroi, mais dono do território que nunca. Concedeu entrevistas rápidas às rádios e televisões. Horário nobre.
     Os moradores do Subaco das Cobras foram retirados com truculência. Constantino ajudou o pessoal da defesa civil colocar abaixo os barracos. Gritava, dava ordens: "Some daqui coisa ruim", "mas Constantino, pra onde nós vai? Pra debaixo da ponte?", implorava uma sem-teto. "Pur mim vão pros infernos, que esta favela desgraçada acabou, vamos encher esse buraco de terra, vai se fudê!".
     Alegria de uns, tristeza de outros. Muita gente ficou feliz, Subaco das Cobras enfeiava o bairro. Mesmo com alguns moradores resistindo em sair dos barracos, os primeiros caminhões de basculante começaram a chegar. Constantino decidia quem podia e não podia aterrar o local. Seus dois caminhões basculantes não paravam. João em um, André em outro. André impôs condição. Pagamento semanal. Constantino aceitou.
     "Ei, peraí, tá pensando quissoaqui é casa da mãe joana?". Pegou um porrete e amassou a lataria do caminhão basculante de um desavisado. O sujeito desceu. Foi tirar satisfação. Constantino e os filhos deram-lhe uma surra. "Aqui só despeja terra com o meu consentimento, tenho apoio do secretário de obras!". 
     O tempo passou. A antiga favela do Subaco das Cobras foi aterrada e o local virou uma praça. O dono do território batia na pança: "Não fosse eu os vagabundos ainda tavam aqui. Romélia, cadê meus chinelos, ô mulher lerda!". 
     Um dia deu uma surra em Romélia. E a vida de Constantino girou cento e oitenta graus. João, André e os outros filhos reagiram: "Bater na mãe, não, isso não, pai". "Batos sim, quem vai impedir?".
     Constantino foi expulso de casa, depois de uma chuva de socos e pontapés.
     Joaquim Serralheiro comentou o fato: "Cria corvos e será devorado por eles". 


J Estanislau Filho
Este conto está em meu livro Crônica do Amor Virtual e Outros Encontros - página 63.

Pode ser adquirido no seguinte endereço eletrônico: www.protexto.com.br


   

segunda-feira, 16 de março de 2015

Alucinado por Alice



Alice o aliciou em pleno carnaval
sobre seu dorso cavalgou feito selvagem
sugou a seiva voragem
mas Alice não era alicerce ideal
para sua construção afetiva
que de concreto só a moral
provinciana e evasiva
esvaiu sangue colossal
esqueceu providências e evidências
alucinado por Alice
[fogo que arde]
conduziu-se à Casa Verde
[sem alarde]
aliou-se a Simão Bacamarte.


J Estanislau Filho



Poema do livro Palavras de Amor - página 82
editora: www.biblioteca24horas.com

sexta-feira, 13 de março de 2015

NOS ARREDORES DE NÓS DOIS





Viajei pelo teu paraíso e
iluminei os meus dias a relembrar teus sóis
que se reluziram no cume do teu meigo sorriso...
Ah, são vagantes luas no céu da tua boca!
Louca fascinação pelo teu corpo aderido ao meu,
que o tempo já se desfez das vestes dos ponteiros
e se acolhera em nós, entre ardentes beijos de desejo.
E a tua doce voz a sussurrar o meu nome, 
qual meu coração a pulsar por ti, clama-te ao longe.
Vinde a mim os teus olhos bordados de mistérios 
e me entorpeça entre os vinhedos que nos acolhem sem segredos.
Far-te-ei minha estrela reluzente a me mostrar o caminho a seguir.
Doce mulher, minha linda companheira, sabe que te amando haverei de prosseguir.
E nossos corpos se inflamam de beleza, enquanto a natureza se faz acesa a nos luzir.
Vista-me em ti, no teu jeito de princesa, e me conceda a realeza de ser
teu amável e inseparável aprendiz.


Giovanni Pelluzzi



quinta-feira, 12 de março de 2015

Jardim das Rosas Vermelhas



O bairro se chamava Jardim das Rosas Vermelhas, mas não havia rosas de espécie alguma. Segundo os moradores mais antigos, antes de se tornar uma área residencial ali existia uma plantação de rosas vermelhas. Antes de o empreendimento ser instalado, ainda segundo alguns antigos moradores e de acordo com pesquisa realizada pelo ambientalista Jacinto Flores, o arrendatário da área travara uma batalha judicial na tentativa de transformá-la em uma unidade de conservação. Todavia, a especulação imobiliária foi mais convincente e obteve o licenciamento ambiental. As ruas foram abertas, o roseiral destruído e no local foram construídas casas e galpões. Em homenagem ao antigo roseiral, os empreendedores deram o nome ao bairro de Jardim das Rosas Vermelhas.
     Jacinto Flores decidiu aprofundar sua pesquisa acerca da origem do bairro. Após uma série de entrevistas com os moradores decidiu por fazer uma leitura nos anais da Câmara Municipal. Foi recebido com um sorriso largo pelo Presidente da Casa, que, após ser convencido das boas intenções do ambientalista, colocou o arquivo à sua disposição, nomeando um funcionário para auxiliá-lo.
     - É com satisfação e orgulho que liberamos os documentos para a sua apreciação, mesmo porque aqui é a casa do povo e os documentos são públicos - completou o Vereador se despedindo.
     Flores descobriu que o zoneamento do bairro, antes classificado como Zona de Ocupação Restrita, fora transformado em Zona Adensada pelos vereadores. Saiu da egrégia casa com uma pulga atrás da orelha.
     Enquanto isto, o funcionário que o auxiliara na pesquisa repassava ao Presidente da Câmara as informações que arrancara do ambientalista. "Ele parece disposto a ir em frente com a pesquisa; demonstrou insatisfação com a mudança de zoneamento, alegando que nascentes e córregos foram drenados e me fez várias perguntas: se a mudança de zoneamento tivera a anuência do conselho de meio ambiente, se houve audiência pública. Eu não soube responder, apenas disse que o Secretário alega que o meio ambiente prejudica o desenvolvimento da cidade". Dito isto, saiu da sala.
     No dia seguinte Jacinto Flores fez uma visita ao Secretário de Meio Ambiente, que o recebeu com um sorriso leve, ofereceu-lhe uma cadeira e cafezinho.
     - Em que posso ajudá-lo? - perguntou o Secretário.
     - Estou realizando uma pesquisa sobre o processo de formação de novos bairros, como surgem os loteamentos atuais, enfim, o que leva uma população a ocupar uma determinada área - respondeu Jacinto tentando demonstrar ingenuidade, para não assustar o Secretário.
     - Nós cumprimos rigorosamente a lei. Trata-se de um empreendimento imobiliário que vem trazendo inúmeros benefícios. Primeiro o de recuperar uma área degradada; em seguida, diminuindo o déficit habitacional, muito grave no município; reservamos uma área para instalação de industrias não poluentes, a fim de resolver outra questão grave, a geração de emprego. Basicamente é isto.
     - Quem era o dono daquelas terras, antes de ser loteada?
     - Não sei, o senhor teria que ir ao cartório de registro de imóveis, por quê?
     - Dizem que ali existia um roseiral belíssimo, córregos e nascentes, gostaria de ter acesso a fotos, para ter uma ideia de como era.
     - Uns pezinhos de rosas murchas, mal cuidadas, aliás, o antigo proprietário degradou a área toda, provocando erosões. Uma tragédia ambiental! - completou o Secretário com expressão de asco.
     - Mas o senhor disse que não conheceu o antigo proprietário - Jacinto Flores rebateu de pronto, para em seguida se arrepender.
     - O fato de não ter conhecido e ainda não conhecê-lo não me impede de conhecer as terras, caso contrário, nem poderia ser Secretário - respondeu com rispidez, avisando que a audiência terminara, pois estava na hora de receber uma comissão de moradores de outro bairro.
     Ao sair da secretaria, o ambientalista avaliou que a sua "pesquisa" começava a esbarrar em obstáculos complicados. Começou a traçar uma nova estratégia. Decidiu procurar as instâncias superiores do Estado e da União. Estava convencido da existência de crimes ambientais e de corrupção no licenciamento do Jardim das Rosas Vermelhas.
     Identificou-se na recepção da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e após receber um crachá foi autorizado a assistir à reunião do CPA.
     Tentou se manifestar na reunião, porém nenhum conselheiro se dispôs a conceder-lhe a palavra. Retirou-se frustrado com a impressão de estar sendo vigiado.
     Após idas e vindas em diversos órgãos, conseguiu a cópia de um documento que apontava irregularidades na gestão do Secretário.
     Tentou falar novamente com as autoridades municipais, contudo, todos o tratavam com frieza e até mesmo com agressividade.
     Escurecia e fazia muito calor. Jacinto Flores saiu de casa para tomar um suco na lanchonete da esquina. Mal dera alguns passos na rua e se chocou com um homem mal encarado: - Ei, olha por onde anda, idiota! - Desculpa - respondeu Jacinto. - Desculpa porra nenhuma - gritou o estranho, desferindo-lhe um soco. Pego de surpresa, Jacinto não esboçou nenhuma reação, enquanto o desconhecido sumia na penumbra.
     Disposto a desvendar o caso do Jardim das Rosas Vermelhas, Jacinto decidiu se aproximar ainda mais dos moradores. Ganhou a confiança do presidente da associação e, juntos, levaram o caso a imprensa.
     Passados exatos quinze dias da exibição da reportagem o corpo do ambientalista foi encontrado nos escombros próximo da via férrea com duas rosas vermelhas na boca.


J Estanislau Filho.
Este conto integra o livro Crônicas do Cotidiano Popular - Edição do autor página 49

quarta-feira, 11 de março de 2015

Deusa Louca

Negada e furtada dos céus
Amor e paixão se misturam
Gemidos e risos debruçados
Em teu colo forte e generoso
Utópica é tua eterna companhia
Futuro é um tempo escasso no presente
Faz-se mister no passado repleto de alegrias
Sabiamente a paixão tende à dança do ventre
Enlouquecidos astros se mesclam uns aos outros
E somente a Lua é que em fascínio dum brilho se destaca...



                                               Luiza De Marillac Bessa Luna Michel

sexta-feira, 6 de março de 2015




                                        Janeiro
                                                                    I

                                           Hoje


     Hoje não é o primeiro dia do ano para os maias, os judeus, os árabes, os chineses e outros muitos habitantes deste mundo.
     A data foi inventada por Roma, a Roma imperial, e abençoada pela Roma vaticana, e acaba sendo um exagero dizer que a humanidade inteira celebra esse cruzar da fronteira dos anos.
     Mas uma coisa, sim, é preciso reconhecer: o tempo é bastante amável com a gente, seus passageiros fugazes, e nos dá permissão para crer que hoje pode ser o primeiro dos dias, e para querer que seja alegre como as cores de uma quitanda.