quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Formigas



No começo eram poucas, andando em fileiras pela pia da cozinha. Não dei importância. Elas sempre aparecem de tempos em tempos. É sazonal, pensei.
     No terceiro dia elas aumentaram em tamanho e quantidade. Resolvi seguir o itinerário delas. Entravam em um pequeno orifício na parede e desapareciam. Melhor deixá-las quietas, a natureza sabe o que faz, anuí.
     Ao acordar na manhã seguinte, levei um susto: a cozinha estava tomada por elas. Impossibilitado de preparar o café, pois além da cozinha, sobre o fogão formou-se uma montanha delas. Não tive dúvidas, peguei um frasco de inseticida aerosol e apliquei sobre elas. Depois de mortas, juntei-as em vários sacos plásticos e atirei ao lixo. Apliquei o veneno no orifício, na esperança de matar a rainha, pois, uma vez morta, todo o formigueiro morre junto. O dia passou sereno, apesar de a cada hora aplicar mais veneno no orifício, pois algumas formigas teimavam e sair e vadiar pela pia. 
     Anoiteceu. Enquanto eu dormia elas me atacaram e arrastaram meu corpo, em minúsculos pedaços, para dentro do formigueiro.


J Estanislau Filho


terça-feira, 8 de setembro de 2015

As múltiplas faces de Joana








Flávio encantou-se com a beleza enigmática de Joana. Ele a viu dançando no RockBar Berimbau, ao som do pop rock anos oitenta, da banda Dona Odete. Aproximou-se. Joana, educadamente, ignorou-o. Continuou sua dança sensual. Flávio interpretou como jogo de sedução a indiferença de Joana. Atitude que atiçou ainda mais os desejos do rapaz. Joana dançava, agitando os cabelos castanhos, exibindo curvas harmoniosas sob um vestido branco, longo, colado ao corpo e levemente transparente.
     Flávio voltou ao assédio. Joana exibiu um ar de enfado, mas aceitou conversar. Dirigiram-se à mesa e uma hora depois saíram do bar de mãos dadas. O rapaz tinha também seus encantos.
     O jovem casal viveria um intenso romance durante algum tempo, sob o teto de um flat aconchegante. Joana vez ou outra demonstrava ciúmes do amado, beliscando-o, mal humorada, ao cruzarem com alguma mulher bonita. Flávio achava graça e até gostava dos rompantes de Joana. Uma vez ela derrubou os talheres de uma mesa de bar, puxando o forro, porque Flávio, segundo ela, se engraçara com uma garota. Nesta noite, ao retornarem, fizeram amor com fúria. Animal, como Joana gostava de dizer.
     Ao chegar em casa em uma noite de inverno, Flávio, com um misto espanto e tristeza, deparou-se com um cenário inesperado: taças, copos e vidros estilhaçados espalhados no piso. Como se um furacão invadira o lar. Olhou ao redor, chamou por Joana. Silêncio. Ao entrar no banheiro, não se conteve. Chorando abraçou a amada, que se encontrava caída, tendo os punhos cortados por uma lâmina de barbear. O sangue escorria pelo ralo. O rapaz agiu com rapidez, fazendo um torniquete. Em seguida, com algodão queimado, estancou o sangue. Levá-la ao pronto socorro não era a melhor alternativa. Polícia, boletim de ocorrência. Enfaixou o punho, após colocar álcool e Joana abriu os olhos. Ainda zonza, recuperou os sentidos. Os dias passaram e a vida retornou ao seu ritmo normal. Joana, por mais que Flávio tentasse, emudeceu sobre o assunto e se negou, peremptoriamente a consultar um psiquiatra.
     A alegria voltou. O casal se divertia e, principalmente, faziam muito sexo. E foi exatamente na melhor parte do sexo, quando Joana trepidava sobre o amante, que ela revelou ao companheiro, que na noite em que desaparecera de casa, fora se encontrar com o pai dele. E gritava em êxtase: - eu transei com seu pai, ele é melhor de cama que você. Neste momento, Flávio perdeu o controle. Agarrou-a pelo pescoço e apertou com gana de matá-la. Caiu e si e soltou-a, depois de esmurrá-la. Mas não sabia que rumo tomar. Joana ajoelhou-se aos seus pés e pediu perdão, em prantos.
     O amor por ela falou mais alto. Flávio rompeu com o pai. Afastou-se dos amigos. Enquanto Joana seguia a vida como se nada de grave tivesse acontecido, o rapaz tecia planos. Entendeu, que não podia entrar em sintonia com as crise da companheira e tomou a decisão de  conversar com o pai, para tirar a limpo o trágico evento. Soube então que Joana, de fato, o procurara, mas que nada houve entre eles. De volta à casa, perguntou porque ela mentira. Joana reiterou o acontecimento e ainda chamou o pai de hipócrita. Flávio espancou-a violentamente. A polícia foi acionada pelos vizinhos, esgotados com as brigas do casal. Pagou fiança e retornou. Joana o esperava. Abraçou-o ao chegar, com a promessa, que doravante tudo seria diferente. 


J Estanislau Filho.

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