segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O mendigo





     Outro dia eu me preparava para passar pelo pátio da Igreja São José, pela Rua Rio de Janeiro, para chegar a Rua Espírito Santo. Estou agnóstico, mas de vez em quando entro ali para descansar. É muito bom fazer uma parada e respirar a calma daquele ambiente, sentir o silêncio e refletir.
    Logo na entrada do portão que dá acesso ao pátio da Igreja fui abordado por um mendigo, pedindo-me uma esmola. Olhei para o rosto do moço e senti um aperto no peito e meus olhos marejaram. A barba e os cabelos desgrenhados, somados à sujeira escondiam sua idade. Ele não somente parecia jovem, como tive a nítida impressão de conhecê-lo. Dirigi-lhe algumas palavras, que não lhe despertaram interesse. Não estava a fim de conversa, queria mesmo era uma esmola. Certamente ele se cansara das centenas de conselhos para largar aquela vida, procurar trabalho, ou uma instituição de caridade, ou até mesmo algum pedido para que se entregasse a Jesus. Alguém passou perto e me alertou: - ele vai gastar tudo em cachaça. Olhei o cidadão e achei melhor não responder, mas tive vontade de dizer “o que você tem com isso? Se eu der-lhe o dinheiro, ele que faça dele o que bem entender”. Não sei se por raiva, por compaixão, afinal eu iria fazer uma parada na Igreja, dei-lhe uma nota de dez reais. O que valem dez reais? Um almoço e um jantar, talvez duas garrafas de pinga. Está certo que o mar não está pra peixe, não é todo dia que dá para desembolsar um real, quanto mais dez. Não sei, talvez por influência da Igreja que tantas vezes me acolheu e me protegeu do sol abrasador fui tomado de um súbito sentimento cristão; talvez o sonho de ver o país sem desigualdades sociais, quem sabe tudo isso junto tenham me levado a este gesto altruísta. Quando lhe dei a nota, humildemente ele disse: - mas é muito dinheiro, pode fazer falta para o senhor! Respondi que não, que pudesse ficar tranquilo. Ele ainda explicou: - olha moço, com este dinheiro vou comprar pão e leite para os meus filhos. Eu não trabalho porque sofri um acidente antes de completar um ano de carteira assinada e o senhor deve saber que quem não contribui com o INSS pelos menos um ano, não tem direito ao benefício. O que me ajuda um pouco é a Bolsa-Família e a faxina que a minha senhora faz. Eu agradeço muito ao senhor e desejo saúde e paz. Entrei na Igreja e fiquei olhando o altar, as imagens e refletindo se só saúde e paz são suficientes para tornar uma pessoa feliz.
     Como disse estou agnóstico. Antes me considerava ateu, mas depois de tanto insistirem para que eu provasse que Deus não existia e como não tinha argumentos, preferi dizer que estou agnóstico, para não me comprometer.



J Estanislau Filho

Esta crônica está em meu livro Filhos da Terra - Edição do Autor - 2009-Esgotada.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Joaquim da Ventania




Joaquim da Ventania (*)

“Eu vou contar um caso do/Joaquim da Ventania/que casou muito criança/mas olerê perdeu o amor da famia...” Domínio público.
- Canção cantada por minha mãe, quando eu era criança. (*)

Joaquim da Ventania tinha quinze para dezesseis anos de idade quando se casou, sob a mira da garrucha de Seu Argemiro, “pru mode tê deflorado minha fia Maria de Lurdes!”. O casório se deu na “igreja verde”, no linguajar irônico do povo, naqueles tempos ásperos.
   Quem tirava o cabaço de uma moça tinha duas opções: casar-se por bem ou por mal ou arribar as pernas para os confins do mundo, para não correr o risco de ter os bagos decepados e comer capim pela raiz. Honra lavada com sangue. Um certo fazendeiro, dono de terras e gente, depois de expulsar a filha de casa “por perder a virgindade para aquele negro fi da égua”, saiu ao encalço do rapaz. Preparou armas, cavalos e matalotagem. Acompanhado de dois capangas, cavalgaram quarenta e três dias e meio, enfrentando intempéries até encontrar o pobre diabo dormindo sob as sombras de um pau d’óleo. “Acorda criolo fi duma vadia, pra nunca mais deflorar as fias de pessoas de bem”. Depois de massacrar os testículos do cabra, o colocaram dependurado, de cabeça para baixo, no galho da árvore. Em seguida esquentaram azeite à temperatura máxima, enfiaram um funil no cu do desinfeliz e derramaram o óleo fervendo...

   A gente se assusta com a violência moderna, mas ela, infelizmente, tem origem longínqua.
  Voltando à história de Joaquim da Ventania, os fatos se deram de forma diferente. Casou-se com Maria de Lurdes e tiveram dois filhos e uma filha, coisinhas mais linda do mundo. Maria de Lurdes abraçava o marido e se derramava todinha, quando ele pegava a viola e cantava as modinhas da época.
  Joaquim da Ventania e Maria de Lurdes viviam uma vida simples, porém não passavam necessidades. Caboclo trabalhador cultivava a terra, de onde tirava o sustento da família. O lazer se resumia a viola e ao rádio de pilha, sintonizado na Rádio Nacional e em beijos e abraços, sexo que rendia muitos filhos, pois naqueles tempos não havia televisão, nem conheciam métodos contraceptivos.
Mesmo esse amor, que parecia eterno, um dia se esgotou. Joaquim da Ventania perdeu o interesse pela viola e por Maria de Lurdes. Vivia macambúzio, para tristeza da amada. Certa manhã, ao acordar, Maria sentiu a ausência do Joaquim.
   Maria de Lurdes, porém, não  deixou-se derrotar, cuidou dos filhos até falecer aos oitenta e três anos de idade seis meses e quatro dias. Em seu último estertor, deu um sorriso de alegria ao sentir as lágrimas de Joaquim em sua testa.


J Estanislau Filho


Este conto está em meu livro Crônica do Amor Virtual e Outros Encontros - Editora Protexto - 2012 - Pode ser encontrado, também, na Estante Virtual ou na própria editora. 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

bakunin



nunca tive medo do medo
quando nasci berrei
pus a boca no mundo
fiquei sozinho no breu
fui ridículo imundo

espantei sombras e assombrações
espíritos malignos
vesti o terno e a eternidade
e quando levei um tapa não dei a outra face

corri riscos necessários
e às vezes por preguiça
andei na raia e me fiz otário
mas escalei muros e roubei frutos no pomar

vivi dias precários
faltou-me o pão que deus e o diabo amassaram
bati cartão de ponto por salário irrisório
enfrentei chefes e patrões reacionários
e não fechei as portas do coração
deixei o amor entrar
junto entraram uns ovni’s

permiti-me cooptar por revolucionários
e lealmente encarei a repressão
era um feliz visionário
depois disseram que eu era porra-louca
só por querer sequestrar meu chefe
e exigir da patronal meus oito anos de mais valia

após cinco horas de reunião de critica e auto-critica
regada a vinho e muita fumaça fui expulso do partido

zanzando pela cidade sem o que fazer
cismei de escrever coisas talvez para não morrer
uns diziam que eram poesias
& outros que eram panfletos
que eram belas porcarias

para encerrar uma polêmica desnecessária
enviei alguns textos a um eminente critico literário
cuja resposta veio em sua coluna em um jornal diário
dizendo que eu era prolixo
pró-lixo e que devia desistir
isso me deu ânimo para
pró-seguir.


* Esse texto está no livro Todos os Dias são Úteis - Edição do autor 2009

anna


sábado, 20 de fevereiro de 2016

Cuidando da horta, do pomar, do jardim...




A vida pode ser vivida feliz com a beleza das coisas simples, que se apresentam cotidianamente à nossa volta. Ao perceber a presença do beija-flor dentro de casa, parando no ar durante alguns segundos como quem perscruta o ambiente, assuntando ou, quem sabe, como acreditam alguns, anunciando que em breve chegará notícia boa; vendo algo tão simples como uma flor abrindo pétalas para enfeitar o jardim e ofertar o néctar ao beija-flor intrometido e às abelhas fazendo mel. Belo e simples são os micos comendo bananas no pé de banana ou em mãos estendidas. Simples, belas e altruístas são as árvores pequenas e frondosas, a vegetação rasteira, que doa sombras, umidade e alimento em troca simplesmente de respeito e gratidão. Obrigado, obrigado, obrigado! E o que dizer, então, do solo e do subsolo, do ar e da chuva, dos rios, lagos, cachoeiras e mares, dos jardins, pomares, parques e praças?
   Estamos cercados de belezas. Para vê-las, basta-nos somente não termos cercas nos olhos e nos corações. Às vezes perdemos um tempo enorme a procura de algo belo, porém distante, quando ele se encontra próximo, debaixo do nariz, como um coração pulsando, por exemplo... Queremos a beleza das savanas africanas, das Ilhas Gregas e das Muralhas da China ou de belezas menos distantes como as águas do Caribe e as praias de Cuba. Não percebemos a beleza ao nosso redor: a Serra do Curral; a Pampulha; a Praça da Liberdade; o Parque Municipal; a Vargem das Flores; os Parques Ecológicos; as chaminés do Itaú... Quem as construiu? Ali deveria ter uma placa com seus nomes.

    Em todo lugar há beleza em profusão. É só olhar e sentir... Crianças com bocas lambuzadas de sorvete e chocolate, crianças jogando bola em campo de terra batida, adultos dialogando, música, cinema, dança e as belezas naturais, que não exigem bilhetes de entrada. Em Esmeraldas tem pequis e outras plantas do cerrado, tem aves, tem areia, tem artesanato; em Betim corre o Rio Betim, tem chácaras, jardins; em Ibirité tem hortas e hortaliças, tem flores, tem Dolores. Em Sete Lagoas tem lagoas, talvez nem todas as sete lagoas... Pode ter mais até, tem Odete, tem Donizete. Nova Lima está protegida por montanhas e nascentes belas. Raposos, raposa e lobo-guará no Caraça, cães e gatos. Em Rio Manso a vida segue mansa. Há beleza em Itaúna, em Divinópolis, em Vespasiano, Sabará, Ouro Preto, Mariana. Temos beleza mais próxima ainda: uma casa, um jardim e uma horta.
Uma boniteza cavoucar a terra, preparar canteiros, semear, transplantar, colher, contemplar. Cuidar como quem cuida de uma creche. Diariamente, afetuosamente. Irrigando e chegando terra e estrume nos pezinhos. Agradecidas elas se desenvolvem e se transformam em belezas adultas. Festa para os olhos e para estômago.
   Puxa vida! Isto é de uma boniteza de partir o coração, de se banhar de lágrimas. Agora, contemplar esta beleza não significa deixar de olhar que tem gente impedida de ver a luz. Lógico que para ver a luz não basta ter visão, alguns cegos vêem mais do que alguns de vistas boas. Dá até para fazer uma comparação com um pensamento do Mário Quintana, que diz, creio, assim: “O verdadeiro analfabeto é o que sabe lê e não lê”. Então a gente não deve tapar o sol com uma peneira olhando em uma só direção. Olhar para onde não tem vegetação, não tem água, não tem jardim, não tem horta, não tem alimentação. E assim, ó, de gente necessitada. Às vezes este gesto não faz bem aos olhos, a gente se sente diminuído por fazer parte da espécie humana, mas desperta o coração para as injustiças. Por que não podemos ser todos felizes? Claro que a felicidade tem aspectos subjetivos, nestes casos, paciência... só nos resta respeitar. Ter não quer dizer ser, mas ter deve ser um direito de todos. Assim, simples, sem encompridar a prosa. Sem complicar a poesia:

Quero poesia simples
como água indo pro mar,

igual plantas nascendo
sobre túmulos abandonados,

como os frutos do pomar.

Quero poesia simples
como saque de sem-terra,

igual sonhos de inocentes
em meio a canaviais imensos

como o sol luzindo a terra.

Quero poesia simples
como a música do vento

como o fogo em movimento




Do livro Filhos da Terra - Edição do Autor 2009 - Esgotada



J Estanislau Filho, autor de A Moça do Violoncelo-Estrelas - à venda. Direto com autor, pelo e-mail jestanislaufilho@gmail.com e também de Todos os Dias são Úteis, Crônicas do Cotidiano Popular, entre outros.




quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O enigma Lula







Lula é um enigma político: quem não o decifra, é devorado por ele. A direita e a ultra esquerda subestimaram Lula e foram devorados.

A direita acreditava que Lula fracassaria rapidamente. Um ex-ministro da ditadura chegou a dizer que "um dia o PT teria que ganhar, governar, fracassar, e aí poderiam dirigir o país com calma". Lula foi o mair sucesso como presidente, se consagrou e devorou a direita, derrotada sucessivamente em quatro eleições para presidente e em pânico de sê-lo uma vez mais, com a volta de Lula à presidência do Brasil.

A ultra esquerda achava que Lula seria "desmascarado" pelos trabalhadores, porque os estaria "traindo". Foram igualmente devorados e fracassaram, ficando restritos a uma força intranscedente, enquanto o Lula tornou-se o maior líder do povo brasileiro.

O enigma de Lula tem que ser decifrado a partir da capacidade de construir um modelo antineoliberal e uma força política capaz de colocá-lo em prática, mesmo com uma brutal herança recebida dos governos neoliberais e num marco internacional dominado por esse modelo. Lula conseguiu construir uma força dominante, mesmo sem maioria de esquerda, mediante alianças com hegemonia da esquerda.

Foi assim que Lula colocou em prática o objetivo histórico do PT de prioridade das políticas sociais como forma de combate à desigualdade, definida como o principal problema da sociedade brasileira. Foi mediante políticas sociais que seu governo se afirmou, se consolidou, construiu maiorias políticas no pais e pôde se impor.

Foi mediante o resgate do Estado como indutor do crescimento econômico e garantia dos direitos sociais negados historicamente para as grandes maiorias da população que Lula recuperou a legitimidade do Estado, promoveu o período de maior estabilidade e legitimidade de um partido político no governo na história democrática do Brasil.

Foi promovendo uma política externa centrada na integração regional e nos intercâmbios Sul-Sul que Lula afirmou a soberania até ali abandonada do Brasil no mundo e projetou o nome do país e o seu próprio como estadista de alcance mundial, no combate à fome e pela solução pacífica dos conflitos no mundo.

A direita continua a não entender o significado de Lula para o país, para o povo brasileiro e para o mundo, quando crê que mediante acusações infundadas e sobre temas ridiculamente sem importância consegue destruir a imagem de um líder como ele. Ao fazê-lo, reafirma a transcendência de Lula, seu temor da liderança dele, são formas disfarçadas de reverência a seu potencial de condutor do país a uma solução positiva e democrática da crise atual.

A grandeza da trajetória e da liderança de Lula contrastam com as baixezas e os personagens sórdidos que tentam protagonizar a impossível destruição da imagem do Lula no povo, porque ela não é produto de uma campanha de marketing, de mídia, que termina com a rapidez de uma bolha de sabão. Esse é o desespero da direita: não conseguir apagar o Lula da consciência das milhões e milhões de pessoas que tiveram seu destino mudado radicalmente para melhor com o governo de Lula e tem sua vida intrinsecamente vinculada à de Lula. Creem que pesquisas manipuladas apagam da consciência e da vida das pessoas um líder como Lula que, por sua vida e por sua atuação como líder político, estão na memória e na alma das pessoas para sempre.

Uma vez mais a direita será devorada pelo enigma Lula, pelo mito Lula, pelo Lula brasileiro da Silva, que representa o Brasil mais do que qualquer outros dos mais de 200 milhões de brasileiros, porque elevou as pessoas e o país à dignidade e ao respeito que sempre lhes tinham sido negados. O povo soube decifrar o enigma Lula e Lula conhece os interesses e a sensibilidade do povo brasileiro. Por isso desperta tanto temor nos de cima e tanta esperança nos de baixo, que são a grande maioria do Brasil.



EMIR SADER - Sociólogo e cientista político. 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

poema à procura de nome

Poema à procura de nome





não escolho
nem colho escolhos
não me agarro em tentáculos
meus olhos olham espetáculos
com meus óculos de graus...
livres das máculas de músculos maus
minha poesia exposta nos varais...
não molho molhos estorricados
meu pulso não pulsa para seres infernais...
hoje gato escaldado
fujo de seduções venais...
meu caminho tem espinhos
e não me ferem os pés
uma flor pode ferir mais
amor e mar os vejo do convés...














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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

A Gestapo em Atibaia




Vejam este trecho de texto – duro chamar de reportagem, perdoem – do Estadão de hoje sobre o fato de  –  como diariamente fazem milhares de compradores e vendedores – ter sido no escritório de um advogado amigo de Lula e sua família. Algo absolutamente corriqueiro, e eu mesmo fiz isso no final do ano passado, quando tive de vender um terreno que possuía há mais de 20 anos em Maricá, pois os compradores chamaram um oficial de cartório para fazer onde lhes convinha a venda.

No texto, porém, são apontados outros crimes:

“A chegada da Lava Jato mudou a rotina do bairro do Portão, em Atibaia, limite entre a cidade e a área rural onde fica o sítio usado pelo ex-presidente. Vizinhos e comerciantes da região têm sido questionados pelos procuradores do Ministério Público Federal sobre a frequência das visitas, rotina e companhias do petista no local.

No depósito Dias, que forneceu parte do material para a reforma do imóvel, em 2011, os procuradores realizaram duas buscas de documentos e notas fiscais da época. O atual dono, Nestor Neto, que assumiu a loja em 2014, afirmou que o objetivo era encontrar provas e buscar novas informações. Há suspeita de que a Odebrecht pagou parte da conta. “Os procuradores analisaram algumas documentações antigas, como notas e comprovantes, que ainda estavam na loja. Acessaram salas que estavam fechadas pelo dono do prédio e eu não tinha mais acesso”, disse Neto. Duas atendentes da padaria Iannuzzi, que fica no acesso ao sítio, dizem que a ex-primeira-dama Marisa Letícia comprava no local.

Observem o kafkiano do processo: “descobriram que D. Mariza fazia compras na padaria Ianuzzi”!

Qual é o problema de fazer compras nessa padaria ou na Panificação  Santo Antônio, do famoso “seu Manuel da padaria”? E  num lugar onde nunca negou frequentar?

O que é que alguém tem a ver com o número de vezes que Lula foi a um sítio onde ele próprio  diz que vai?

O que é que alguém tem a ver com quem vai?

E qual seria o problema se algum empresa tiver dado algum material para que se reformasse um sítio que ele frequenta?

Haveria problema, por exemplo, se uma delas desse a Lula, já fora do Governo,  uma garrafa de vinho Romaneé Conti (lembram do vinho do Duda Mendonça?) das 114 arrematadas há pouco tempo  num leilão da famosa Sotheby’s por US$ 1,62 milhão, o que dá um preço, por garrafa, de R$ 57 mil?

E se fosse uma caixa?

Falta a toda esta investida nazistóide o que justificaria uma investigação: a suspeita específica de algum ato de responsabilidade pessoal de Lula em alguma irregularidade que beneficiasse indevidamente alguma empresa ou pessoa.

Simples assim.

Mas não há. o que há é um troncho “domínio do fato” transposto à investigação policial que funciona na base do “ah, alguma ele fez e nós vamos descobrir o que foi”.

E por que? Porque é preciso usar polícia, Ministério Público e justiça (assim, com letra minúscula mesmo)  para cumprir o objetivo político que pela política não conseguem alcançar: destruir Lula eleitoralmente.

Com a certeza de que não haverá mídia ou tribunal que ponha freios a esse uso político desavergonhado das instituições públicas.

Como se sabe, o nazismo serviu-se da covardia dos democratas para se impor.


Fonte: http://tijolaco.com.br/blog/a-gestapo-em-atibaia/

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

espetáculo pirotécnico 2






Vi cair lágrimas
De olhos másculos
E seus músculos
Outrora rígidos
Agora são lástimas

Seu instinto básico
Tornou-se lânguido
Achou mais prático
Riscar um fósforo
Sobre seu corpo pálido

Que se tornou cálido
Naquela noite trágica
E no silêncio mórbido
Uma chama mágica
O libertou do cárcere.


J Estanislau Filho





Do meu livro Palavras de Amor - Editora 24 horas - página 83



Conheça meu mais novo lançamento: A Moça do Violoncelo - Estrelas.


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O Cabeleireiro e o Filósofo




Manuel Cante dirigiu-se ao seu cabeleireiro como fazia há vinte e um anos, três meses e oito dias, para cortar o cabelo do mesmo corte que fazia mensalmente na primeira sexta-feira. Tinha enorme apreço pelo cabeleireiro e por ser cliente em todos esses anos estabeleceram uma confiança mútua. Porém, algumas vezes o corte não saía exatamente como o cliente filósofo exigia. Talvez a mão do profissional, por alguma razão subjetiva, nesse dia estivesse trêmula ou o seu fiel cliente ficasse inquieto, em devaneios filosóficos, prejudicando o corte. José da Silva era um cabeleireiro respeitado em sua comunidade, não só por causa do profissionalismo, mas também pelo seu caráter. Vivia honestamente de sua profissão, porém de parcos rendimentos. Desabafava com alguns clientes de não poder planejar sua vida em função de ter uma renda volátil, com muita oscilação. De repente os clientes desapareciam; outra hora a moda de cabelo masculino longo e desgrenhado roubava-lhe muitos clientes habituais, especialmente os jovens, como se vivêssemos em tempos de hippies; ou então a economia do País entrava em recessão e a demanda por cortes de cabelos diminuía, deixando de ser prioridade. Mas dá para sobreviver com dignidade, afinal exerço a profissão, herança de meu pai, fazia questão de dizer, nos últimos vinte e seis anos. Dividíamos o salão, mas a sua morte repentina, um avc fulminante o levou prematuramente, mas como dizia, devido aos longos anos de profissão, tenho muitos clientes assíduos, como o Senhor Manuel Cante, concluía o cabeleireiro olhando o cliente pelo espelho, em sinal de gratidão. Num átimo o filósofo respondia, não me chame de Senhor, porque não sou dono de engenho. Silva sorria, enquanto aparava os cabelos da orelha do filósofo, que sempre fazia o mesmo comentário, depois que os primeiros fios de cabelo surgiram na orelha: - quando envelhecemos nasce cabelo onde não devia, na orelha, nas narinas, as unhas começam a rachar e ficam duras, mas onde precisa endurecer não “há trovão azul” que dê jeito.
     Quando Manuel Cante reclamava de uma ponta de cabelo sobrando ou de um pé mal feito, José da Silva consertava pacientemente, mas responsabilizava o cliente por se mexer demais na cadeira, ou por tirar-lhe a atenção com sentenças filosóficas. Porém acabavam se entendendo. Mas nem tudo corre serenamente como se deseja e um certo dia o filósofo e o cabeleireiro discutiram em tom ríspido, afugentando alguns clientes, que aguardavam a vez de dar um trato nos cabelos. No início, esses assustados clientes tentaram acalmar os ânimos dos dois, mas foram repelidos duramente, com palavras assim: “não se metam onde não são chamados”, ou “vão ver se estamos lá na esquina” ou  ainda “vão cantar em outra freguesia”. Magoados, deixaram o salão com a promessa de nunca mais voltarem, para maior irritação do cabeleireiro, que vociferava contra o filósofo: - Você é um chute no saco, a sua arrogância me faz perder clientes, filósofo de meia-tigela. “Meia-tigela é a puta que te pariu...”. Foi um bafafá. O motivo da discórdia poderia ser chamado de fútil, não fosse o valor que ambos davam ao conceito de egoísmo do ser humano.
     O cabeleireiro defendia a tese de que o egoísmo aumentou nos últimos anos por causa de políticas ultrapassadas importadas da Europa, especialmente do Reino Unido e Estados Unidos, implantadas pelos governos neoliberais, provocando uma mudança de comportamento. Lembrou-se  de um tempo em que as pessoas se ajudavam reciprocamente, praticavam-se a solidariedade e agora todos só pensavam em si. Lembrou-se com certa nostalgia de um tempo de mutirões, quando uma pessoa iniciava a construção de uma casa, um barraco e dezenas de amigos se ofereciam para ajudar e rapidamente a casa ou o barraco ficava pronta para ser habitada. Então uma festa era realizada e um galo era o cardápio principal e todos comemoravam, felizes, a conquista da casa própria, pelo colega.
     Cante deu uma sonora gargalhada irônica, obrigando o cabeleireiro a suspender o corte, com tesoura e pente paralisados no ar. Ao término da gargalhada o fiel cliente rotulou José da Silva de “um ingênuo reducionista”. O cabeleireiro até aceitou o rótulo de ingênuo, mas ficou irritado com o outro adjetivo, embora não soubesse o significado, julgou não ser elogio. Manuel Cante explicou, mas José da Silva não se conformou e emburrou. Todavia não fora este o motivo principal da contenda, O debate estava no começo e o centro era a concepção que ambos tinham sobre o egoísmo, como já foi dito anteriormente. Manuel Cante era um conceituado professor de filosofia de uma escola estadual. Sentia-se feliz de poder exercer a profissão aos alunos do ensino médio, pois o curso só era oferecido em universidades, que exigia pós-graduação, bacharelado, essas coisas de acadêmicos, que José da Silva ironizava, chamando de “acadimia”. O fato era que o filósofo, por razões econômicas, nunca pode pós-graduar-se, bacharelar-se. Quando o Ministério da Educação introduziu o curso no ensino médio, Cante comemorou. Até que enfim o governo compreendeu que uma Nação, para se desenvolver precisava da Filosofia, o conhecimento supremo, do ser, dizia com ar de empáfia. Segundo ele os caminhos da civilização brasileira eram promissores com a introdução da filosofia no currículo escolar.
     Sentiu-se ofendido com a tese defendida pelo cabeleireiro, acusando-o, inclusive de sectário, termo que José da Silva não conhecia e que se arvorava dono da verdade acerca do egoísmo. Como ousas falar feito uma maritaca de um tema complexo? Perguntou levantando-se da cadeira, com a barba cheia de espuma. Nesse instante os clientes começaram a abandonar o salão. 
     O filósofo continuou em tom professoral a desenvolver a sua teoria sem se preocupar com a ausência de público: - o egoísmo vem de ego que é o eu, a essência de qualquer pessoa! Nasce com ela, portanto não é necessariamente um mal e existe desde que o mundo é mundo. Jean De La Bruyère em seu livro Caracteres dizia “Tudo já foi dito (...), pois os homens existem e pensam há mais de sete mil anos”. A humanidade foi, é e será egoísta desde que o mundo é mundo. Por quê você acha que as guerras sempre existiram? Por causa das conquistas, por causa dos impérios. É o egoísmo, querem as riquezas para si.
Não concordo, contrapôs o cabeleireiro, como você explica as inumeráveis ações altruístas desinteressadas? Como você explica as revoluções, que visam repartir as riquezas entre os excluídos dos banquetes? E quantas pessoas fazem o bem ao próximo, ou como um gari encontra uma grana enorme no lixo e devolve ao dono, quando poderia ficar com ela? Ou como centenas de pessoas dedicam parte do seu tempo, para ajudar idosos em asilos, levar alimento ao corpo e ao espírito dos que vivem sob pontes, sem eira nem beira. Ah, você vai me dizer que é por egoísmo, quando poderiam ficar confortavelmente em suas casas? Disso eu não arredo pé, pois a realidade está aí. A mídia só divulga tragédias, quando poderia divulgar dezenas, milhares de ações altruístas. Concordo em que a maioria pensa somente em si e que os altruístas estão em desvantagem em relação aos egoístas. Antigamente as pessoas se ajudavam mutuamente, havia solidariedade. Hoje nem oferecendo um churrasco de graça consegue-se reunir um grupo, para uma conversa agradável, ouvir uma música. Quando tem é para auferir resultados financeiros. No caso do churrasco de graça há uma contradição, pois pensando egoisticamente quem não quer uma boca-livre? Sabe porquê? Porque pensam de maneira egoísta, imaginando não existir alguém que faça algo desinteressadamente, apenas para confraternizar, estreitar as amizades. Mas é óbvio, contrapôs o mestre, desde quando alguém faz algo sem interesse? A humanidade evolui por causa de interesses. Edison inventou a lâmpada e patenteou; todos os inventos foram patenteados, alguns inclusive roubados dos autores originais, para serem patenteados em seus nomes. Interesses, meu amigo ingênuo Zé. É natural e até positivo. O altruísmo é um sofisma, ou para enganar incautos ou quem o pratica está pensando em alguma forma de retorno, quem sabe ganhar o Éden, completou Cante com firmeza. Não, não e não! Respondeu o cabeleireiro depositando pente e tesoura sobre a bancada. Meu caro filósofo, continuou, uma vez por mês eu dedico um dia de trabalho para cortar o cabelo dos menos favorecidos e não faço isso para ganha o céu, pois sou ateu convicto. Sou apenas coerente com o meu princípio de solidariedade. E digo mais, pouco me importa o modelo econômico, pois para mim tanto faz capitalismo, socialismo, monarquia e comunismo, sempre praticarei a solidariedade, minha ideologia é desinteressada e acho melhor encerrar o debate, pois não nos levará a lugar algum. Apenas quero deixar registrado que o atual modelo econômico fragmentou as relações, concentrou riquezas, produziu um exército de miseráveis consumidores de drogas, enlouquecidos. Errado é o sistema, a burguesia, esta sim, é egoísta até a raiz dos cabelos.
     O que é isso, meu caro, disse Cante abrindo um sorriso amarelo. A plebe ignara também é, resguardada as devidas proporções. Não seja tão sectário querendo por fim a um debate interessante acerca da natureza humana! Sócrates nos ensinou que é através do debate que chegaremos à verdade. Tese, antítese e síntese, aprimorada por Hegel e Marx formam o que a filosofia nomeou de dialética. Para não aborrecê-lo, paro por aqui. Mas quero concluir sobre o porvir: a humanidade avançará cada vez mais rápido rumo ao conhecimento, ouso dizer ao saber absoluto. Ciência e filosofia farão descobertas acerca da origem do Universo e esses picaretas que pregam o fim do mundo, seus templos serão utilizados para a ciência, ou serão peças de museu, de uma cultura remota. Todavia e contraditoriamente corremos o risco de este conhecimento, também, por um fim à vida. Afinal estamos condenados à morte, todos, inclusive a Terra, porque não? É a lógica: nascer, crescer, envelhecer e fenecer. Vale para tudo. Levarão alguns milhões de anos, eu e você não estaremos aqui para ver. Uma explosão! Pois então estamos de acordo em muitas coisas, respondeu o cabeleireiro, mas também quero concluir o meu pensamento: pode ser que tudo acabe um dia, pode ser, até mesmo ao som de cornetas e anjos celestiais, o que não acredito, pode ser... Mas enquanto isso não acontece vamos trabalhar pela solidariedade, sem nos aborrecermos. Mas antes, traga de volta os meus clientes, senão deixarei de cortar o seu cabelo. Toda sua dialética não vai poupá-lo de comer capim pela raiz, como eu, portanto, apesar das desigualdades sociais, que espero um dia ser vencida, somo iguais em uma coisa: somos alimento para os vermes.
     Só um detalhe, acrescentou o filósofo: milhares em cova rasa, algumas, dezenas em túmulos de ouro. Isso se a humanidade não seguir pela solidariedade e pela inclusão social – arrematou o cabeleireiro, voltando a cortar os cabelos das orelhas e narinas do filósofo, que teimavam em crescer. 




J Estanislau Filho - Autor de A Moça do Violoncelo-Estrelas; Filhos da Terra; Todos os Dias são Úteis; Crônicas do Cotidiano Popular, entre outros.