terça-feira, 5 de junho de 2018

O último poema

                                                              Imagem: Google






No caminhar das coisas,
no tanger das horas,
um rastro de inocência esmaece na poeira do tempo.
A algaravia de outrora silencia ante
a estupidez das coisas vigentes.
Os sinos não dobram mais,
pois os sineiros abandonaram o posto.
A cruz na curva do asfalto não recebe o afago das flores,
resiste às intempéries e a voracidade dos cupins,
como a implorar em orações ao céu plúmbeo,
que a salve desse silêncio sepulcral.
O amor caminha com passos trôpegos
e a paixão corre afoita.
As coisas continuam coisas desumanizadas.
As folhas caem no outono e dão seus lugares a roupas novas.
Enquanto isso o novo homem nasce coberto de rugas e rusgas,
sob velhas regras.
Ninguém parece se importar mais com o andar das coisas.
As ondas do mar parecem cansadas de beijar as areias, erodir barreiras e o gado segue obedecendo o aboio do vaqueiro indolente.
Não se ouve barulho na lagoa.
Tudo está num silêncio de sangrar,
silêncios e estrondos de aviões riscando o céu,
de preces na terra e gemidos no mar.
Refinarias não refinam o ouro negro.
A plataforma 136 submergiu com onze operários.
A base militar de Alcântara explodiu
 e fragmentou no ar vinte uma pessoas.
O último poema entalado na garganta se despede em silêncio.
Amém



J Estanislau Filho


Publicações do autor

1 - Nas Águas do Arrudas - poesias - 1984
2 - As Três Estaçoes - poesias - 1987
3 - O Comedor de Livros - poesias - 1991
4 - Crônicas do Cotidiano Popular - 2006
5 - Filhos da Terra - crônicas, contos com fechos poéticas - 2009
6 - Todos os Dias são Úteis - poesias - 2009
7 - Palavras de Amor - poesias - 2011
8 - Crônicas do Amor Virtual e Outros Encontros - 2012
9 - A Moça do Violoncelo (contos) e Estrelas - poesias - 2015




No prelo:

* Outras Espécies - Minicontos
* As Aventuras de Raul - Infanto juvenil
* A Construção da Estrada de Ferro - Romance
* Novas Crônicas do Cotidiano Popular.
* Poemas Inéditos


16 comentários:

  1. Maravilhoso Stan. Reflete o que estamos vivendo. Abraços

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  2. Escrito com maestria, mostra um desalento, uma fragilidade e uma sensação de desgosto com tudo a sua volta. Sinal de tempos difíceis e de dificuldades até incompreensíveis, uma mistura de visões a procura de um norte neblinado. O poema me traz uma profunda tristeza em sua beleza etérea.

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  3. Show de poema!!Parabéns mais uma vez!Sempre inspirado e muiiiiiito bem! abraços, chica

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  4. Maravilhoso poema em seu todo, mas destaco essa frase cono genial: "Tudo está num silêncio de sangrar". Licença poética magnifica. Palmas!

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  5. Olá poeta J ESTANISLAU,
    Versos desalentados tal qual criança sem colo que chora sem ser ouvido! Pàrabéns pela primorosa obra poética!
    Abraço e visite-me se puder e desejar!

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  6. Muito belo poema. Nossa sociedade está caótica, valores perdidos, desamor, tanta desordem e injustiças. Aplausos mil

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  7. Obrigado, Luiza, por generosas palavras. Sempre bem-vinda.

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