segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Retrospectiva 2018 e um poema de fim de ano

Três imagens que marcaram 2018




Lula cercado pela multidão Francisco Proner Ramos
Leonardo Boff na sede da PF em Curitiba

Jair Bolsonaro - imagem reproduzida pela tv


Outra imagem que marca 2018:
Povo abraça a guantânamo de Moro em que Lula se mantém como preso político. 



Tráfico


Um dos heróis da Polícia Militar do Acre foi preso sob acusação de trabalhar para o Comando Vermelho, na proteção à distribuição de droga.
É o tenente Josemar Barbosa de Farias, o segundo na hierarquia do Batalhão de Operações Especiais, o Bope. É uma versão acreana do “Capitão Nascimento”, o da fictícia Tropa de Elite


MEIO AMBIENTE*


Imagem: Trabalhadores do carvão (agência Ecclesia)

Desde a Conferência Climática de Copenhague, a COP 15 em 2009, muito se discutiu e passo a passo foi se chegando ao consenso do perigo representado pelas mudanças climáticas até se chegar ao Acordo de Paris estabelecido em 2015. O documento contou com a chancela de 195 países e tudo fazia crer que entraríamos num processo sério e efetivo no combate ao aquecimento global.
"(...) Eis que Estados Unidos e a Arábia Saudita usaram Conferência Climática na Polônia para elogiar e reforçar o uso do carvão como, vejam bem, “fonte limpa de energia”, um verdadeiro escárnio às informações que cada vez mais colocam os combustíveis fósseis como os grandes vilões do aquecimento global (...)
(...) Eis que nacionalismos limítrofes comandados pelo governo norte-americano de Trump passaram a questionar o acordo e até mesmo a existência irrefutável do aquecimento do planeta (...)". 

* Fonte: Carta Capital

CULTURA

Cinema

Os cortes de verbas na cultura repercutiram no cinema. Entre os filmes lançados, destaco:

* Aos Teus Olhos (Carolina Jabor)
* Quase Memória (Ruy Guerra)
* Construindo Pontes ( Heloísa Passos)
* Em 97 era assim (Zeca Brito)
* João de Deus - O Silêncio é Uma Prece (Candé Salles).
Depois dos supostos escândalos de assédio sexual, a produtora Paris Filmes suspendeu a distribuição, informa o Estadão. 


Música:

O cenário musical brasileiro continua dominado pelos sertanejos, universitários ou não. A grande mídia e gravadoras continuaram suas apostas neste gênero, além do funk, pagode. Pouco espaço para a MPB de qualidade. A passagem do roqueiro Roger Watters repercutiu na política, com o #elenão. 



Literatura:

O destaque, no meu ponto de vista, vai para  A Classe Média no Espelho, do escritor Jessé Souza. Uma análise profunda do comportamento da classe média no contexto político, que remete à escravidão. A classe média como capataz da elite.



Blogs:

Para fazer o contraponto das notícias falsas espalhadas, tanto nas redes sociais, quanto na mídia empresarial, e não contribuir em sua  disseminação, foram de extrema valia os seguintes blogs e sites:

Tijolaço, com artigos lúcidos de Fernando Brito; Diário do Centro do Mundo, Nocaute, Conversa Afiada, Viomundo, 247, Blog da Cidadania, Kennedy Alencar,  além da youtuber Ana Roxo e Reinaldo Azevedo, Forum e Carta Capital.





ESPORTES:

Judô: A gaúcha Maria Portela conquistou a medalha de ouro na Rússia




Futebol:

A seleção brasileira foi derrotada e eliminada pela Bélgica. 
O Palmeiras conquista seu décimo campeonato brasileiro. O Cruzeiro é campeão da Copa do Brasil e o Atlético Paranaense, da Sul-Americana. 






                                              Política






2018 foi o ano em que o roteiro do golpe, iniciado nas jornadas de 2013, implementada pelo conluio da grande mídia,  com o parlamento e judiciário, em 2016, fecha o ciclo com a prisão sem provas do ex-presidente Lula e a eleição de Jair Bolsonaro. Foi o ano em que as notícias falsas (fake news), como kit gay, mamadeira erótica, entre outras, foram impulsionadas ao ponto de decidir as eleições. Os mesmos métodos utilizados no Estados Unidos, que elegeram Donald Trump. A facada de Adélio em Bolsonaro continua uma incógnita. Ano em que a lava jato, como em anos anteriores, continuou a tarefa de destruir o Brasil, sob a cortina de fumaça do combate à corrupção, com seu agente maior, Sérgio Moro, sendo indicado como super ministro da Justiça, por Bolsonaro. Também o ano em que o sistema judiciário brasileiro, com a anuência de sua instância máxima, o SUPREMO, rasgou a Constituição. Sempre combinado com a grande mídia, sob a liderança da TV Globo, em defesa dos interesses da elite. Em 2018, assim como em 2017, as panelas continuaram em silêncio nos armários.

Jair Bolsonaro: 55,13% dos votos válidos

Fernando Haddad: 44,87% dos votos válidos

Brancos: 2,14%

Nulos: 7,43%


Abstenções: 21,30%

Governadores eleitos por partidos e estados: 

PSL: RO, RR e SC
PSDB: RS, MS e SP
PP: AC
PSD: PR e SE
DEM: GO e MT
PSC: AM e  RJ
NOVO: MG
MDB: AL, PA e DF
PHS: TO
PSB: ES, PB e  PE
PCdoB: MA
PDT: AP
PT: BA, CE, PI e RN 



Quem nos deixou em 2018


Tônia Carrero: atriz, 96 anos

Marielle Franco: vereadora, 39 anos



Dona Ivone Lara: cantora e compositora, 96 anos

Nelson Pereira dos Santos: cineasta, 90 anos

Waldir Pires: político, 92 anos


Joaquim Roriz: político, 82 anos

Daniel Alves: jogador de futebol


Carta aberta ao presidente Lula



Lula, meu caro, faz tempo que estou querendo te escrever. Esse pessoal do meio carcerário tem uma espécie de tara por proibir as coisas, então não sabia se minha carta ia chegar a ti, já que muita gente importante sequer conseguiu entrar para trocar umas palavras 

Cara, eu sei que tu não és santo, nem eu sou, nem ninguém é, então todos nós temos um monte de culpa por aí, mas o crime que tu cometeste realmente ninguém sabe até agora qual foi. Bem, você sabe disso, você já disse que aceitaria a pena tranquilamente se te mostrassem provas de um crime, só estou repetindo porque a carta será publicada e porque quero ressaltar uma coisa.

Hoje em dia com tanta culpa por aí, já nem precisa de crime para se condenar uma pessoa, basta querer condenar alguém que todo mundo já acha esse alguém culpado. É como um juiz me falou certa vez, que ele não sabia porque estava condenando o cidadão, mas o cidadão sabia porque estava sendo condenado. É mais ou menos assim que estamos vivendo, e é cada um por si.

No teu caso, um recibo de pedágio, a tua visita a um apartamento, mais dois ou três presos dedos-duros loucos para ganhar a liberdade, e pronto, está formada a prova necessária para a tua condenação, mesmo que ninguém diga onde está o teu dinheiro, onde está o benefício que tu tiveste nisso tudo, ninguém diz. E ninguém quer saber.

"Pode ser que digam que há mais coisas no teu processo, pode ser que haja, mas tenho certeza que se houvesse algo tão sério já teria sido divulgado aos quatro ventos, porque uma das coisas que mais se discute aqui fora é justamente a tua culpa, ou não culpa, e até agora só essa tua visita no apartamento que, obviamente, não é teu".

Xará (acabei de me tocar para o fato que temos o mesmo nome…rs…), a coisa tá difícil. Não quero entrar aqui na questão política, se fizeram tudo para te tirar da eleição, se têm ódio de ti porque és nordestino, um nordestino que teria chegado onde incomoda muita gente, e feito outros tantos nordestinos incomodarem mais gente por chegarem onde chegaram, não quero falar dessas questões políticas, quero conversar contigo sobre a tua situação atual.

Tenho trabalhado com presos a vida inteira e sei o quanto é difícil, principalmente em situação de isolamento, o encarceramento. Eu queria inclusive, com esta carta, te mandar uns livros, mas também não sei se chegariam até ti, são meios subversivos, acho que tu tens que ler algumas coisas subversivas, sabe? Tu tens que conhecer o sistema a fundo para entender a tua própria situação de encarcerado.

Um dia Nilo Batista disse que todo preso é um preso político. Pena que a maioria dos presos não sabe disso. O sistema, nele incluído o sistema penal, tem uma função primordial em fazer todos acreditarem, inclusive os próprios presos, que tudo funciona na mais perfeita ordem e, se tu estás preso, é porque devias estar preso.

Aliás, falando em Nilo Batista, e desviando do assunto novamente para a política, esse sim era um nome que tu devias ter nomeado para o Supremo. Poxa, tu não nomeaste nenhum penalista, e agora o que acontece, acontece que a maior parte dos integrantes do Supremo não sabe o que é uma prisão, dá para manter todo mundo preso sem um pingo de peso na consciência, convalidam mandado de busca e apreensão como se fosse um mandado de penhora, permitem condução coercitiva como se fosse uma intimação para depor em juizado, autorizam execução antecipada da pena como se ninguém corresse um grande risco de morrer, assassinado ou por doenças, atrás das grades.

Eu sei, eu sei, tu vais dizer que já percebeste isso, afinal estás preso e muitos dos que te mantiveram preso foram nomeados por ti. Eu também sofri na pele uma medida policial, uma busca e apreensão na minha casa autorizada à Polícia Federal por um magistrado nomeado por ti, mas até agora, pelo menos após a violência da busca, não tenho nada para dizer do juiz, apenas que ele não é da área penal, e ser da área penal é muito importante, porque o direito penal é como uma metralhadora, só serve para provocar dor e mortes. Não basta boa vontade para manusear uma metralhadora.

Qual a justificativa dessa medida contra mim? Alguns presos me elogiavam em interceptações telefônicas. O juiz não pode ser respeitado por preso, juiz deve ser odiado, essa é a imagem com a qual o poder judiciário tem buscado legitimidade frente a uma população sofrida por causa da criminalidade crescente, demonstrando-se rigoroso, mais um temido órgão de repressão. Mas depois eu volto a falar dos presos, dos outros presos.

Olha, esse fato acima parece irrelevante, mas é a prova de que eu podia muito bem achar bem feito o que aconteceu contigo, querer te ver preso, mas não, não quero. Seja pela tua idade, seja pelo que você representou para o Brasil, seja porque prisão não resolve nada, seja porque ainda não vi efetivamente o que tu usufruíste do crime, que também não sei qual é, que te imputam.

O mais interessante é que, e isso deve te deixar louco, tem um monte de gente pega com malas de dinheiro, helicóptero com cocaína, motorista milionário, ou seja, gente com dinheiro de verdade na conta, coisa mais fácil de provar, dinheiro na conta, mas estão todos soltos.
E, pior, nessas horas eles alegam o princípio da presunção de inocência, o devido processo legal, a ampla defesa, essas garantias jurídicas facilmente manuseáveis, principalmente em uma sociedade de memória fraca.

Sabe o que é, Lula, o sistema capitalista é feito de dinheiro, status, aparência e malícia, muita malícia, mas acima de tudo o sistema é feito de instituições, todas funcionando sob a mesma base, a que privilegia o acúmulo de capital, a que privilegia o mercado financeiro, em detrimento dos pobres.

Lá estou eu falando de política novamente. Nesse assunto, do mercado financeiro, nem quero tocar mesmo, porque seria a única coisa que estragaria esta carta, pois poderia falar coisas mais pesadas, a ponto de te deixar chateado comigo. Fostes muito bom para os bancos, para o mercado financeiro. Bem, deixa pra lá, pode ser que tu não tenhas tido outra saída, pois, afinal, ninguém ajudou mais os pobres do que você.

O fato é que tu és, além de tudo, um cara simpático. Não sei se vou te conhecer pessoalmente um dia, mas se isso acontecer, tenho muito mais coisa para te falar do que permite uma carta, “privada” (na condição em que tu estás nada é privado, e esse é um agravamento da pena, os presos perdem além da liberdade, a privacidade) ou principalmente pública, como essa que escrevo gora.

O que é importante é ter força, cara, as coisas mudam muito rapidamente nesse mundo. Nunca abaixe a cabeça, porque a esperança combina com cabeças erguidas, e há milhares de pessoas que ainda acreditam em ti, estão te esperando aqui fora, e isso deve ser capaz de te dar uma força tremenda.

Já recebi, na vida, milhares de cartas de presos, e em resposta a quase todas eu vou até o presídio e falo pessoalmente com o preso, mas essa é a primeira vez que escrevo a um preso. E não podia encerrar sem te dizer isso, Lula, mesmo que você tivesse cometido o crime mais bárbaro do mundo, todos os presos são seres humanos, todos os presos têm, acima de tudo, direito, se não porque são seres humanos, porque esse direito está na lei e na Constituição, de serem tratados com dignidade.

Espero que saias daí logo, possas voltar a conviver com os teus familiares, teus netos, mas não esqueças nunca essa situação de encarceramento, percebas o que muitas pessoas passam e passam em condições muito mais severas, em celas imundas, lotadas, com ratos e baratas, do que essas que tu estás vivendo.
Falo isso porque tu és, ainda és, um porta-voz do povo, de boa parte do povo, brasileiro, e grande parte desse povo está atrás das grades.

No mais, quero te desejar sorte, muita sorte. Que as pessoas que te odeiam, que também não são poucas, percebam a covardia que é espezinhar de uma pessoa presa, porque, acredite, Lula, não há limites para o ódio à pessoa encarcerada. Sorte, meu caro, não só tu como todos os brasileiros vão precisar neste novo ano de sorte. Não sou um cara religioso, posso até me considerar um ateu, embora essa conceituação não seja lá de muita importância para mim, mas te desejo muita sorte e, ainda com pouca fé, que tu fiques com Deus.

Grande abraço,

Luís Carlos Valois é Juiz de direito no Amazonas, mestre e doutor em direito penal e criminologia pela USP, pós-doutorando em criminologia em Hamburgo – Alemanha, membro da Associação de Juízes para Democracia e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.


Imagem: Google



Poema de fim de ano

O ano termina nos olhos da menina
dos olhos que se revelam luminosos.
Garotos dançam ao som de smartpones
com os fones nos ouvidos...
Na praça passeiam idosas e idosos
sob o sol da manhã
e há quem procure romã
para que ano novo seja de amor e sorte...
Ou a melhor cor de roupa para se vestir
e investir seu capital.
Um ano termina e outro se inicia...

Mas o que muda, afinal?

J Estanislau Filho
Escritor e poeta





6 comentários:

  1. De fato, não sei o que dizer... Creio que seja porque amo o silêncio; para mim ele é sagrado, porque nele sempre me encontro com Deus e nesse encontro acolho o Seu infinito em mim, e assim não perco nada do Ele me fala, porque tudo o que Ele fala me faz viver o eterno que não posso por mim mesmo...Feliz Ano Novo. Paz e Bem

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    1. Grato pela generosa presença em minha humilde página, Frei Fernando. Feliz 2019.

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  2. Inteligente, excelente e irônica críticas dos fatos atuais em sua excepcional definição da Retrospectiva dos fatos de 2018! Palmas merecidas...!

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  3. A retrospectiva está ótima. Tudo bem explicadinho como é de seu feitio. Já a poesia é deliciosa e com a perfeição de um escritor como tu. Abraços sinceros da Mineirinha da Gerais.

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    1. Ah, prima querida, sentido a falta de você aqui. Apareça. Feliz 2019. Abraço.

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