sábado, 25 de fevereiro de 2023

Meu pé de ingá

 

Imagem: Google

O garoto encontrava-se na fase de descobertas.  Adquirira o hábito de contar estrelas,  principalmente em noites de lua cheia. 

     - Menino, está na hora de ir pra cama - a mãe chamou, lá da cozinha, enquanto apagava as brasas  do fogão. 

     - Esse menino é meio esquisito,  com a mania de contar estrelas, você não disse a ele que nasce verruga? - indagou o pai. 

     - Ah, Zé, o menino é sabido, não acredita nessas coisas!

     - Tá com a cabeça rachada - interviu o irmão, com uma risada. 

     O menino entrou e antes de ir pra cama, ouviu as instruções do pai.

     - Amanhã, depois de voltar da rua, precisa voltar de novo pra entregar as laranjas. 

     Toda manhã, depois de ajudar o pai na ordenha das vacas, o menino levava o leite pra cooperativa. Nos tempos da colheita de laranjas, ele era o responsável pelas vendas à partir das encomendas. Um cento para Fulano, meio cento pra Beltrano e por aí vai. 

     O que ele não gostava era de levantar de madrugada. Mas entregar o leite e vender as laranjas,  ele gostava.  Tudo por causa do pé de ingá, onde fazia uma parada, ao retornar da rua.  Estacionava a charrete, mas antes colocava o animal à beira do córrego, para beber água e comer capim.  Atravessava a cerca de arame farpado e deitava-se num tapete feito de folhas secas, sob a sombra do pé de ingá, onde passava um bom tempo contemplando o tronco e a copa da árvore. O vento agitava as folhas, produzindo uma brisa, que abrandava o calor e o suor do corpo  do menino. 

     Sob a sombra do pé de ingá seus pensamentos corriam solto até chegar ao ápice do prazer. 


J Estanislau Filho

Imagem: Google-domínio público

domingo, 12 de fevereiro de 2023

VOCÊ É UM IDIOTA


Você não vai aceitar que é um idiota.  Mas vou te provar que  é.  Vamos aos fatos:  Lembra da copa do mundo de 2014? Ouvi você berrar que "não vai ter copa".  E espalhou isso na internet. Teve copa e o Brasil tomou 7 x 1 da Alemanha.  Pausa pra respirar.

     Avancemos dois anos no tempo. Estamos em 2016. O que você, idiota, dizia?  Que era só tirar a Dilma,  que o Brasil se tornaria um paraíso.  Não entendia que se tratava de um golpe. Contra quem?  Contra mim, contra você, contra a Democracia e o Estado de Direito e de bem estar social. Mas você, idiota acreditou que era contra a corrupção a ponto de compartilhar mentiras produzidas por golpistas. Você aplaudiu o Eduardo Cunha, velho! Vibrou quando o então Deputado Bolsonaro, durante o processo de  impeachment de Dilma,  homenageou o torturador Brilhante Ustra. 

     O que já era feio, ficou mais quando você, idiota, elevou o Juiz Sérgio Moro a herói nacional. Você até comprou a máscara dele numa banca de revista e colocou no rosto.  Tirou uma foto, colocando no seu perfil do facebook, instagram.  E o Dallagnol, que fofo, né? E não é que você acreditou no pawerpoint, mas não só acreditou, sentou o dedo e espalhou nos grupos de whatsapp.  Pausa para pular pra outro parágrafo. 

     Rapaz, como você é idiota! Lá atrás, quando a internet era uma novidade para muita gente, você divulgou uma coisa surreal: que o filho do Lula tinha uma ferrari de ouro.  E que o Lula era dono de um castelo. Você não percebeu que havia alguma coisa esquisita! Nem vou te lembrar das jornadas de julho... Porque notícias falsas espalham que nem capim tiririca!

     Voltemos ao pós impeachment.  A bola da vez é o Lula, Moro e a Lava Jato. Sua cara não queima, idiota? Você afirmava, com convicção, de que Lula era dono do triplex; que os pedalinhos de Dona Marisa, lá no sítio de Atibaia, era a prova de que o sítio pertencia  ao Lulaladrão. Você enchia a boca para falar tamanha asneira. Mas como sua idiotice não tem limites, vibrou, com um misto de ódio e alegria pela prisão de Lula, que daí por diante você passou a chamá-lo de presidiário.  Enquanto a Lava Jato quebrava empresas, como as da indústria naval,  você afirmava que a corrupção acabou. Espere um pouco, vou beber uma água. Ma rapaz, era o golpe em andamento. Precisavam tirar o Lula da disputa.

     Chegamos em 2018. Você,  vestindo a camisa da CBF entrou firme na campanha eleitoral, para eleger o Bolsonaro, que anos atrás tentara explodir um quartel do Exército.  Como idiota completo, você não sabia disso, nem de que o capitão era deputado por mais de vinte oito anos! E que não aprovara nenhum projeto de sua autoria. Enfim, você continuou espalhando notícias falsas, as famosas fake news, produzidas pelo gabinete do ódio.

     O caminho para a eleição do Bozo estava pavimentado. E foi eleito pelas urnas eletrônicas. De cara, quem vai ser o Ministro da Justiça? Ele, o Juiz que sempre negara não ser político: Sérgio Moro. Em 2019 começou o desastre. O Presidente falando pro cercadinho, fazendo vídeos até que em 2020 veio a pandemia da COVID-19. O que o seu presidente fez? Continuou dizendo que a Terra é plana, que só era uma gripezinha, fazendo vídeos, falando pro cercadinho e vendendo cloroquina. E você, um perfeito idiota, aplaudindo, enquanto as políticas sociais eram desconstruídas,  o banqueiro  e ministro Paulo Guedes estendendo as mãos e os cofres aos banqueiros. Pra encerrar este parágrafo, me responda, idiota, nos quatro anos de governo, Bolsonaro construiu uma creche? Um hospital? Uma ponte? Quantos quilômetros de asfalto?

     Preste atenção, idiota: O Bolsonaro nunca gostou de pobre, de negro, de índio, de gay,  de florestas e de rios.  Tenho cá minhas dúvidas se ele preza  a família dele! Trata-se de um falso messias, em nome de Deus, Pátria e Família, bordão dos fascistas. 

     Estamos em 2023, com esperança na reconstrução do Brasil e  que Bolsonaro responda nas barras dos tribunais pelos crimes cometidos! E que explique como acumulou fortuna e comprou mais de cem de imóveis, com dinheiro vivo. Nunca foi contra a corrupção, mané!

J Estanislau Filho

     Pra não dizer que não falei de poesia, leia o poema abaixo:




     

Você é um idiota


"Sente-se.
Está sentado?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraído.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.

Você é um idiota.

Está realmente a escutar-me?
Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?
Então Repito: você é um idiota. Um idiota.
I como Isabel;
D como Dinis;
outro I como Irene;
O como Orlando;
T como Teodoro;
A como Ana.

Idiota.

Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada.
Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.

Aliás não sou o único a dizê-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes.
Se você não é um idiota...
claro, a você não lho dirão, porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas.
Mas os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.
É típico que você o negue.
Isso mesmo: é típico que o Idiota negue que o é.
Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um Idiota.
É francamente fatigante.
Como vê, preciso de dizer mais uma vez que você é um Idiota e no entanto não é desinteressante para você saber o que você é e no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exatamente as mesmas ideias do seu parceiro.
Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se console a dizer que há outros Idiotas: Você é um Idiota.
De resto isso não é grave.
É assim que você consegue chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política!
Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de Idiota você não precisa de se preocupar com mais nada.
E você é Idiota

(Formidável, não acha?)"


Bertold Brecht 

 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

O BRASIL PRECISA ENXERGAR A GUERRA CONTRA OS MATADORES DE YANOMAMIS


Por Moisés Mendes


Homens sem dentes aparecem em vídeos que mostram garimpeiros invasores das terras yanomamis. São bandidos, mas são também a versão amazônica da Fátima de Tubarão.

São a ralé do garimpo artesanal, que presta serviços a gente bem mais poderosa. São eles que fazem o serviço sujo, a mando de alguém ou por encomenda.

Os homens sem dentes são a parte visível de um gigantesco esquema criminoso sustentado por quadrilhas protegidas por Bolsonaro, com a conivência, a omissão ou a cumplicidade de militares.

É com essa ralé que o governo vai se entender de imediato pelos danos ambientais, pela rapinagem e pela matança de yanomamis. Muitos desdentados devem ser presos.

Mas os homens com dentes, que circulam na área em aviões e helicópteros, esses não são vistos, mesmo que sejam conhecidos em toda a região.

Os garimpeiros do trabalho braçal são a parte visível do cerco que leva à matança. E será agora com o cerco a eles que vamos nos contentar por enquanto.

Lula já mandou cortar a circulação de aeronaves na região com o fechamento do espaço aéreo. Os manés do garimpo ficarão sem proteção e sem suprimentos.

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, anunciou um mutirão das Forças Armadas para acelerar a repressão.

Polícia, Ministério Público e órgãos do governo se mobilizam para conter os criminosos. O Judiciário terá de se engajar à urgência do genocídio.

Mas nada é mais urgente do que a ação em mutirão para mostrar ao mundo, e não só Brasil, que todas as frentes andam na mesma direção.

Um esforço que não pode cumprir os ritos de situações de normalidade. Mais do que inquéritos céleres e processos que não andem só para os lados, o Brasil precisa agora, já, ver a ação contra os bandidos.

E ver significa o que o verbo diz: precisa enxergar. Todas as instituições terão de impor, pela presença ostensiva, a força do Estado.

É a hora do espetáculo do começo da reparação. Sim, espetáculo, como ação visível, impositiva, com a destruição prevista e legal de equipamentos e prisões em massa, em flagrante.

É disso também, da imposição do seu poderio contra o crime, que vive a democracia. Se as instituições tratarem os bandidos da floresta com as liturgias de tempos de normalidade, nada irá acontecer.

Como não aconteceu até agora com o gabinete do ódio, com os vampiros da vacina, com os golpistas financiadores de patriotas. Todos com fartura de dentes.

Os garimpeiros da chinelagem da Amazônia, assassinos de índios e indigenistas, mandaletes das gangues do garimpo, todos protegidos por Bolsonaro, esses terão de pagar pelo espetáculo que o Estado precisa oferecer aos brasileiros.

O Estado precisa dizer: nós estamos aqui. E convencer, por ação coercitiva, que está presente, lá onde o crime acontece, e não só nos gabinetes de governo ou do sistema de Justiça.

Ninguém espera que peguem todo mundo. O Ministério Público calcula que 20 mil garimpeiros atuam na região.

Não há como flagrar e prender todos. Peguem o que é possível pegar, como aconteceu dia 9 de janeiro com os manés de Brasília.

Mas peguem com estardalhaço, com pompa, como demonstração de força. Promovam, num dia, o espetáculo da limpeza das terras yanomamis.

Não como fazem nas favelas. Não. Não cheguem matando. Cheguem destruindo máquinas e equipamentos, como manda a lei, e prendendo os bandidos.

Façam como deve ser feito, com ação integrada, legal e legítima de todas as instituições.

Não trabalhem com muita discrição. Atuem com determinação, porque estamos em guerra, em nome dos yanomamis que foram assassinados.

A partir da prisão dos homens sem dentes, cheguem aos homens com boas dentaduras.

Para que os grandões não fujam de novo, como fazem os donos de frotas de helicópteros e aviões e os grandes negociantes de ouro.

As cenas do sofrimento de crianças devem ter, como contraponto, imagens da prisão de bandidos, mesmo os pequenos, que poderão levar aos bandidos graúdos.

A repórter Sônia Bridi mostrou na Globo que os garimpeiros reagiam com naturalidade e sem medo diante da aproximação de helicópteros da FAB. É uma informação terrível para as Forças Armadas.

O Brasil precisa enxergar o Estado tentando salvar a floresta e o povo da floresta. E o Estado precisa se livrar da percepção dos próprios criminosos de que é sócio do genocídio.


Fonte:https://www.blogdomoisesmendes.com.br/o-brasil-precisa-enxergar-a-guerra-contra-os-matadores-de-yanomamis/