Estacionou o automóvel seminovo na garagem da casa recém-adquirida num financiamento, colocou as mãos nos bolsos da calça e foi contemplar, de novo, as dependências. Vagou pelos cômodos com um olhar embevecido, respirou fundo, enquanto relembrava o esforço que fizera até chegar a esse estágio. Retornou ao quintal, sentou-se no banco da varanda, orgulhoso de si. Vislumbrou o carro e uma lágrima escorreu pela face. Faltava algo mais, para que se sentisse completo. Afugentou o pensamento e voltou a circular pelo ambiente, atento aos detalhes. Banheiros com box, cerâmicas, luminárias, paredes pintadas. Ah, precisava encerar as portas. Chamaria um profissional. O portão de entrada carecia de um motor. Descer do carro, para abri-lo manualmente não combinava com o seu novo estilo de vida.
Ligou o carro e saiu, para dar uma volta pela cidade, não a conhecia completamente. Uma cidade pequena, com cerca de três mil habitantes. Encontrou um restaurante caseiro, sentou-se e pediu um almoço. Na mesa ao lado, um casal trocava carícias ao toque das mãos. Conversavam baixinho. Por um momento, ele invejou o casal. Espantou o pensamento, distraindo-se com outro casal de canarinhos chapinhas, que se tocavam no galho de uma árvore, anexa ao restaurante. Ah, o amor, que invade os corações no arroubo das paixões.
Adquirira o hábito de observar as pessoas e se imaginava sendo observado. Isso o incomodava, era como se estivesse nu, pois era um ser para os outros. Ser alvo de avaliações alheias o petrificava. O que precisava corrigir, para ser bem avaliado? Talvez a indumentária. Um terno, ou blazer, um óculos escuros. Precisava da certeza da aprovação das pessoas. Trocar o carro por outro mais possante, provavelmente seria visto com outros olhos. Ah, esses olhares, que o levava a afundar nas cadeiras. O desejo de não ser enxergado na sua pequenez. Queria ser grande. Decidiu então ir a uma loja, comprar roupas das melhores marcas; passar numa agência de veículos e trocar de carro. Não frequentaria mais aquele restaurante em que as pessoas o despia.
Abriu o aplicativo do seu banco. O saldo não era compatível com o seu projeto de ser.
J Estanislau Filho


Fazer para os outros, é se despir do melhor que você tem. Faça por você! Muito bom, excelente reflexão!🤗
ResponderExcluirGrato pela visita!
ExcluirExcelente. Darts
ResponderExcluirValeu, Dartagnan
ExcluirMaravilhosa Crônica. Verdadeira. Hoje as pessoas só pensam em ter, esquecendo-se de ser melhor para si mesmo.
ResponderExcluirValeu!
ExcluirLembrou-me Dostoiévski, aquela atmosfera russa materialista de um existencialismo cartesiano! Parabéns pela elaboração estética ! O ver e o ser visto, os complexos de aceitação e as limitações financeiras! Tudo em tão poucas linhas, é tarefa para poucos ! Receba os meus Abraços Poéticos Diversos!
ResponderExcluirObrigado, Marconi, volte mais vezes!
ExcluirPalmas . Parabéns J Estanislau
ResponderExcluirObrigado!
ExcluirE há tantos nessa situação! Eu mesma passei por isso precisamente hoje - ou melhor - ontem. Meu celular, de apenas 2 anos e meio de vida, queimou a placa mãe, segundo o técnico da loja de reparos. O veredito? Sem conserto ou ir até Niterói e pagar 1.500 pratas por uma nova placa. Venceu o encarar comprar um novo. Mas o que eu queria não era, absolutamente, compatível com meu "sonho de tê-lo" Como nos tornamos dependentes de alguns sonhos, né? Uma baita reflexão nesse texto. Palmas procê, J.! Ótima sexta-feira.
ResponderExcluirValeu, amiga e parceira de letras!
ExcluirExcelente crônica! Parabéns
ResponderExcluirObrigado!
ExcluirExcelente para refletir... Para aceitar o outro primeiro precisa aceitar a si próprio, e assim é, em tudo na vida... Palmas à tua bela crônica, Stan! Grande abraço!
ResponderExcluirObrigado 🙏
ExcluirParabéns pela capacidade de mergulhar nos sentimentos recônditos das personagens, nos levando juntos...
ResponderExcluirObrigado 🙏
ExcluirTexto muito reflexivo, Stanislau. Parabéns!
ResponderExcluirCorina Sátiro
Obrigado, amiga, sempre bem-vinda!
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