sábado, 30 de novembro de 2024

Encontro com a neve

 



Meira Delmar


O silêncio me acordou.
Lá fora,
nem o leve tilintar de qualquer trinado,
nem mesmo o toque de uma folha
ficando para trás na fuga do outono.
Em casa, silenciosos,
os pequenos rangidos que a noite
descobre na floresta,
as vozes imprecisas da insônia,
os passos com os quais começa
suas jornadas durante o dia.
Entreabri a janela
e me encontrei com ela,
a primeira neve
daquele ano,
e também a primeira
de meus olhos.
Do alto chegava ou não chegava
um bando de jasmins sem folhas,
uma suave onda de brancura,
trêmula e transparente
e pensativa.
Um sim não é o que parecia
mais que presença
e plena certeza
a lembrança fugaz de outra lembrança
entrevista no sonho.
Quanto tempo passou
desde então
não sei.
Mas eu ainda estou lá atrás do vidro
vendo a neve cair ou não cair
a primeira daquele ano
e de meus olhos.


Meira Delmar é reconhecida como uma das maiores poetas da Colômbia. Olga Chams Eljach, seu nome verdadeiro, nasceu em Barranquilla em 21 de abril de 1922, filha de pais libaneses.


quarta-feira, 27 de novembro de 2024

A eleição de Trump e o sistema mundial

Washington já não afirmará sua “excepcionalidade moral” e buscará fazer prevalecer seus interesses exercendo a força. Mas a China preparou-se, o Oriente Médio mudou e a Rússia está mais forte. Vem aí uma nova corrida às armas

Imagem: André Carrilho



Por José Luís  Fiori


A maioria dos analistas está de acordo que o fracasso internacional do governo de Joe Biden teve um papel importante na vitória de Donald Trump, nas eleições do dia 5 de novembro de 2024. Com destaque para a humilhante retirada americana do Afeganistão; para o fracasso da OTAN na Guerra da Ucrânia; ou finalmente, para a ambiguidade dos EUA frente ao genocídio israelense da Faixa de Gaza, divididos entre seus apelos humanitárias e o fornecimento direto das armas, do dinheiro e das informações utilizadas pelo governo de Israel no bombardeio da população palestina.

Neste momento ainda não se pode saber se a reeleição de Donald Trump será apenas uma rodada a mais da “gangorra” política americana. Desta vez, entretanto, Trump não pode reeleger-se e terá um mandato de apenas quatro anos; mas ao mesmo tempo contará com uma maioria conservadora no Congresso, no Senado e na Corte Suprema, e disporá de uma equipe de auxiliares homogênea. O que lhe permitirá, em princípio, levar à frente, de forma rápida e imediata, a sua ”agenda nacional”. Na área internacional, entretanto, o horizonte é menos claro.
Neste campo a consigna básica de Donald Trump foi sempre a mesma: “a paz através da força”, e não pela guerra. Mas além disso o projeto internacional de Trump abre mão da “excepcionalidade moral” dos EUA, e adota o “interesse nacional americano” como única referência de todas as suas escolhas, decisões e alianças que poderão variar através do tempo. Seguindo-se daí o ataque de Donal Trump contra todas as instituições multilaterais, e contra todos os acordos e regimes comerciais, ou associados com a “questão climática” e a “transição energética”.
As “políticas internas” de Trump envolvem decisões soberanas e autônomas, e poderão ser tomadas sem maiores consultas a outros países e governos. Mas no caso da agenda internacional do novo governo, o problema é muito mais complexo, porque envolve acordos passados dos EUA, e se enfrenta com a vontade soberana de outros países, e de outras grandes potencias, como no caso da China, do Irã, da Rússia, ou mesmo dos seus aliados da OTAN.
Com relação à China, é muito provável que Donald Trump consiga negociar acordos comerciais e tecnológicos pontuais. Mas a competição e o atrito entre os dois países deve se manter e aumentar de intensidade nos próximos anos. Até porque a China já foi definida pelos estrategas americanos, faz algum tempo, como principal competidor e a principal ameaça aos Estados Unidos, no Século XXI. Nesse campo se pode falar inclusive de um consenso bipartidário, entre democratas e republicanos, com diferenças apenas de gradação e intensidade. De fato, o governo Biden manteve a mesma política protecionista contra China do primeiro governo de Trump.
Com a diferença que agora a China se encontra melhor preparada e não será surpreendida como aconteceu no primeiro governo Trump. Além disto, nestes anos recentes a China aprofundou sua relação econômica com seus vizinhos asiáticos, e com os países africanos e latino-americanos. E desde o início da Guerra da Ucrania, em 2021, os chineses estreitaram seus laços econômicos e sua aliança estratégica com a Rússia, fechando a porta para qualquer tentativa de repetir a estratégia de Henry Kissinger, do século passado, só que agora invertendo os papéis da China e da Rússia.
Por tudo isto, o mais provável durante o segundo mandato de Donald Trump, é que as relações entre as duas potências sigam regidas pela “armadilha de Tucídites” , com uma aceleração sem precedentes da sua competição tecnológica e militar, com a universalização de sua “guerra comercial”, incluindo-se a possibilidade anunciada por Trump, de punição dos países que não utilizem o dólar em suas transações internacionais, em particular no caso do grupo do Brics.
No caso do Oriente Médio, também, são muito pequenas as diferenças entre as posições dos democratas e dos republicanos. Donald Trump deve inclusive aumentar o apoio do governo norte-americano a Israel e às suas guerras em Gaza e no Líbano. E deve aumentar a política de “pressão máxima” contra o Irã .Mas neste seu segundo mandato Donald Trump pode encontrar no Oriente Médio uma realidade militar e política muito diferente da que existia no seu primeiro mandato, sobretudo depois do sucesso dos dois ataques militares diretos do Irã contra a território israelense, da ruptura radical da Turquia com Israel, e da reaproximação entre o Irã e a Arábia Saudita, promovida pela China e abençoada pela Rússia.

Por isto qualquer acordo de cessar-fogo imediato que possa ser logrado não significará que Israel e o Irã suspendam a sua disputa de longo prazo, que é do tipo “soma zero”. A hipótese dos “dois estados” parece completamente afastada e a resistência dos palestinos deve prosseguir, assim como a ameaça permanente de uma guerra entre os persas e os judeus com a possibilidade de transformar-se num conflito generalizada dentro do Oriente Médio.
Já na Europa o panorama é completamente diferente, e existe uma oposição radical entre o posicionamento dos democratas e o dos republicanos. Neste caso, a simples vitória eleitoral de Donald Trump, junto com a implosão do governo alemão de Olaf Scholz, provocaram de imediato, um profundo abalo e uma primeira divisão dentro do bloco belicista liderado pela presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e por sua nova Chefe de Política Externa, Kaja Kallas, e apoiado pelo governo Biden, pela francês Emmanuel Macron, e pelo governo do primeiro-ministro inglês, Keir Stramer.
Ainda não está excluída a hipótese de que esta “coalizão russofóbica” se lance num ataque suicida contra a Rússia, antes da posse de Donald Trump. Mas o mais provável agora é que que se iniciem de imediato as negociações de paz, com o reconhecimento implícito por parte dos EUA da vitória militar russa. Mas também aqui não há que ter ilusões. Depois de sua vitória militar e econômica os russos não aceitarão mais o mundo unipolar tutelado pelos EUA. E o mais provável é que os EUA e a Inglaterra, junto com seus aliados europeus sigam se armando contra a Rússia, o grande “inimigo externo” que serviu como uma espécie de “princípio organizador estratégico” das potências ocidentais, e em particular da Inglaterra durante todo o Século XIX e dos EUA, no Século XX.
Se este “inimigo necessário” desaparecesse os EUA e a Inglaterra teriam que sucatear parte importante de sua infraestrutura militar global, construída com o objetivo de conter o “expansionismo russo”, envolvendo um investimento gigantesco em armas e em todo tipo de recursos materiais e humanos, civis, militares e paramilitares. E a OTAN, em particular, perderia sua razão de ser levando de roldão a estrutura de poder atual da União Europeia. Por isto, se houver um acordo de paz na Ucrania, o mais provável é que ele seja também o ponto de partida de uma nova corrida armamentista, cada vez mais intensa, dentro da própria Europa, e obviamente, entre os EUA e a Rússia, com repercussões em cadeia, em todas as direções e latitudes do Sistema Mundial.
Por fim, os países periféricos da América Latina e da África não tem a menor importância dentro do projeto internacional de Donald Trump, que supõe sua submissão pura e simples ao poderia monetário e econômico dos EUA. E neste caso, é muito provável que se repita o que passou na década de 80 do século passado, quando a periferia capitalista foi submetida e/ou derrotada pela política econômica norte-americana do “dólar forte” e do “keynesianismo militar” de Ronald Reagan, sendo depois “resgatadas” pelas politicas e reformas neoliberais” impostas pelos “programas de ajuste” do FMI.
Só que agora o enquadramento e submissão dos estados e das economias endividadas da América Latina e África deverá acontecer como derivação ou consequência indireta do novo “protecionismo econômico” anunciado por Donald Trump. Seu efeito imediato deverá ser o aumento da inflação e dos juros dentro dos EUA, e este aumento dos juros deverá provocar uma desvalorização generalizada das demais moedas nacionais, com aumento da dívida externa dos países endividados em dólares, junto com o aumento das suas taxas de inflação, paralisia fiscal dos seus estados e estagnação de suas economias. E no fim, a volta e a submissão provável ao FMI, como no caso patético da Argentina de Javier Milei.
Resumindo, portanto, o que se deve esperar no campo internacional para os próximos quatro anos da administração Trump: os Estados Unidos abdicam da projeto de universalização messiânica dos seus valores nacionais, e deixam de ser os “Cavaleiros Templários” de uma “ordem mundial regida por regras”. E se propõem atuar dentro do Sistema Mundial a partir exclusivamente dos seus “interesses nacionais” utilizando-se da sua força bruta, financeira, tecnológica e militar para impor sua vontade onde considere que seja necessário. Com um apelo, só em última instancia, ao recurso da guerra.


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CAPA, DECLÍNIO DOS EUA, ELEIÇÃO DE TRUMP, ESTADOS UNIDOS, EUA SOB TRUMP, EUA X CHINA, EUA X IRÃ, GEOPOLÍTICA, GOVERNO TRUMP, ORIENTE MÉDIO, PODER DOS EUA, POLÍTICA EXTERNA DE TRUMP, TRUMP E ÁFRICA, TRUMP E AMÉRICA LATINA, TRUMP NO MUNDO


Fonte: https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/eleicao-de-trump-e-sistema-mundial/


segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Bodas de Diamante




Para se chegar às bodas de diamante,
Lay e Telino enfrentaram diariamente
obstáculos, que superaram juntos!

A rosa é bela, mas tem espinhos,
onde o amor e o carinho
andam ao lado de dores e tristezas.
Para se chegar à beleza
do diamante lapidado
é necessário cuidado,
luz que ilumina a caminhada!

O percurso dessa estrada
não é uma linha reta,
nem sempre tem uma seta
indicando pra onde ir,
muitas vezes tem curvas perigosas,
muitos morros, muitas pedras,
{Morro das Pedras}
onde as flores se abrem viçosas!!!

J Estanislau Filho


Imagens cedidas por Angélica Rodrigues



Aldami Rodrigues da Rocha, para os mais chegados, Dona Lay.
Otelino Floriano da Rocha, Seu Telino, para os íntimos,
comemoraram no dia 24 de novembro de 2024, 60 anos de casados.
Bodas de diamante com a prole!

sábado, 16 de novembro de 2024

poema da lua cheia


imagem: G1



uma lua cheia
encheu de luz meu lar
e trouxe uma ideia
uma visão quiçá
que a partilha evolui o ser


a lua me deu a luz
dádiva da criação
sem pedir nada em troca
provocou-me inquietação
: o que fazer para que ela não se torne minguante
pensei por um instante
como se adivinhasse meu pensamento
a lua se escondeu numa nuvem
e a luz se desfez
meu lar se encheu de breu
entendi a mensagem
não se deve alterar as coisas de deus


J Estanislau Filho

domingo, 10 de novembro de 2024

O tecnofeudalismo é uma espécie de capitalismo digital: Entrevista com Cédric Durand





Você levanta a hipótese tecnofeudal: as Big Techs – Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft – recriam um pouco as lógicas políticas e econômicas do tempo feudal. As grandes plataformas e ambientes digitais seriam bens imobiliários desmaterializados, fortalezas “medievais” que colonizam o ciberespaço e o depredam: ganham todo o terreno de seu negócio e adquirem a concorrência e empresas complementares. Como fundamenta essa metáfora?

O servo camponês era muito apegado à terra: não pertencia ao senhor feudal, mas à terra, que, sim, era desse senhor. Ao utilizarmos o Facebook ou o Google, passamos a ser indissociáveis dos dados que geramos na terra digital. A partir dessas pegadas, cria-se uma relação de extrema dependência da qual é difícil escapar porque nos facilitam a vida.

É possível viver sem usar nenhum serviço do Google? É possível, mas complicaria muito nossa existência! Eu tentei compreender o que o capitalismo faz com o digital: longe de favorecer a autonomia dos indivíduos, o aspecto mais marcante da economia digital é o retorno a relações de dependência.

Que traços estruturais permitem que a lógica de funcionamento da economia digital seja tão diferente?

A onda de monopolização na época digital responde a razões estruturais. A terra agrícola, quanto mais você a explora, menor será o seu rendimento. E existe um limite de terra disponível. Ao contrário, na indústria você pode aumentar a quantidade produzida e menor será o custo unitário. Você faz economia de escala.

Nas atividades digitais, quanto mais você utiliza seu software ou serviço, maior será a sua rentabilidade. E não importa se você vende um software ou cem, pois terá gasto o mesmo para produzi-lo.

Aqueles que colonizam primeiro a maior quantidade de dados de usuários – Facebook e Google – têm uma vantagem abismal em relação a outros competidores. Essa combinação entre as economias de escala e a acumulação originária dos dados é a fonte da extrema monopolização na era digital.

Seu livro aponta que – assim como acontece com a propriedade feudal da terra – no mundo digital o “terreno” tem um caráter rentista, antes que produtivo (é possível obter lucro sem produzir). Por quê?

No capitalismo existem duas maneiras de obter lucros. A primeira é a exploração: você utiliza trabalhadores e paga para eles menos do que geram. A predação digital está em outro nível: captura valor criado em outra parte (apropriam-se de riqueza que não produzem nessa empresa). Esta é uma dimensão essencial para as empresas que controlam intangíveis como bancos de dados e software.

Também exploram seus trabalhadores no sentido clássico, mas a maior parte de seus lucros provém da mais-valia extraída por outras empresas. A intensificação dessa lógica de predação permite compreender o inadequado desenvolvimento econômico contemporâneo.

Se você investe na predação, não investe na produção. Para os gigantes digitais, a lógica do investimento não vai no sentido de acumulação de meios de produção, mas de meios de predação. A coleta digital de dados é o Santo Graal do tecnofeudalismo predador da economia produtiva.

Refere-se a que a Apple comprou a assistente virtual Siri, o Facebook engoliu o Instagram e o WhatsApp, por 15 bilhões de dólares – o valor de seus 450 milhões de usuários –, e Google devorou o YouTube? Os dados são o valor mais cotado da economia mundial, superior ao petróleo?

Exato. Detectar essa lógica permite compreender por que nossas economias estão esgotadas e as desigualdades extremas persistem. Não só não há investimento suficiente, com também não ocorre onde estão nossas verdadeiras necessidades: a transição para tecnologias ecológicas, a saúde, a qualidade de vida. O tecnofeudalismo é uma espécie de capitalismo canibal.

Fomos pegos desprevenidos? Percebemos tarde demais o que estávamos entregando voluntariamente e, assim como os servos, nos tornamos dependentes da terra digital, acreditando-nos livres? É possível atenuar isso?

A legislação em matéria digital não leva em conta que todos os esforços das Big Techs buscam aumentar o controle sobre o comportamento dos indivíduos. A solução não reside no retorno a uma mítica saudável concorrência. É preciso dar aos poderes públicos, de uma escala local a uma transnacional, os meios para uma regulação do novo capital digital.

O primeiro passo é que as empresas criadoras dos algoritmos se tornem responsáveis por seus efeitos: discriminação, vícios, sofrimento psicológico e consumismo exacerbado. As auditorias públicas precisam estabelecer os efeitos dos algoritmos e sobre tal base o poder público deve regulamentá-los. Depois, precisamos definir como os nossos dados podem ser usados.

A ideia de um autocontrole individual é absurda. O consentimento do clique nas letras pequenas dos “termos e condições” é ineficaz para impedir a apropriação de dados. A abundância de informações concentradas pelas Big Techs é a matéria-prima indispensável para os serviços públicos do futuro. É preciso que esses dados estejam disponíveis para transformá-los em um bem comum.






 Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/616087-o-tecnofeudalismo-e-uma-especie-de-capitalismo-canibal-entrevista-com-cedric-durand


sábado, 9 de novembro de 2024

As Estórias do Vô Tirica




     Em um reino muito distante, havia uma donzela que estava encantada. Seu pai colocou avisos por todos os estabelecimentos, que daria a moça em casamento e uma fortuna para quem conseguisse fazê-la falar, pois ela só dizia "brasa de fogo". 

    Os irmãos Alan, Mané e Tião estavam num boteco quando ficaram sabendo. Eles voltaram para casa, planejando o que fariam.

     Mané disse para Alan:

     - Alan, você não deve ir, pois você é muito bobo. E, Além disso, é brincalhão.

     - Tião e Mané, fiquem sabendo que se vocês vão, eu também vou.

     Foram discutindo até chegar a casa. Arrumaram as trouxas e no dia seguinte saíram bem cedo.

     No caminho, Alan gritou:

     - Ache!

     O que, bobo? - perguntaram os irmãos.

    - Um ovinho de tico-tico.

    - Joga isso fora, bobo! - Disse Mané.

    - Eu não. Posso precisar mais tarde. - E guardou o ovo no bolso. 

    - Continuaram a viagem, fazendo muitos planos. Outra vez Alan gritou:

    - O que, bobo? Perguntaram os irmãos.

    - Um pauzinho torto.

    - Joga isso fora. - Disse o Tião.

    - Eu não. Posso precisar mais tarde. - E guardou no bolso.

    - Continuaram a trilha. Alan tropeçou e gritou:

    - Achei!

    - O que, bobo? - Perguntaram os irmãos.

    - Uma bosta de vaca seca.

    - Joga isso fora, bobo. - Disseram eles.

    - Eu não. Posso precisar mais tarde.

    - É, você não tem jeito mesmo.

    Alan tirou o chapéu, colocou a bosta debaixo e continuou o caminho. Quando chegaram, havia muitos rapazes esperando. Eduardo, o rei, que era o pai de Estela chamou os rapazes.

    Apenas três vezes, ela fala "brasa de fogo" para cada um. Os que não conseguirem vão ser degolados.

    Alan ficou esperando bem calmo, seus irmãos foram chamados primeiro. Eles saíram tristes e falaram:

    - Alan, volta para casa.

    - Não, vocês tentaram e eu vou também. 

    Ele foi chamado, entrou nos aposentos de Estela.

    Não demorou muito e a princesa começou: "Brasa de fogo". Alan ficou quieto, outra vez ela disse: "Brasa de fogo"

    Alan, do mesmo jeito quieto, olhado para ela, na terceira vez respondeu:

    - Eu trouxe um ovinho de tico-tico ara você assar.

    - Ora, tem perigo de queimar.

    - Mas eu não sou bobo. Trouxe um pauzinho torto para você virar.

    - Ah, vai cagar no mato!

    - Está aqui. Tirou a bosta de vaca do chapéu. A moça desencantou e muito alegre conversou e agradeceu.

    Marcaram o casamento. Alan mandou buscar os pais, pediu ao rei Eduardo que não degolasse ninguém. Eduardo, comovido, atendeu seu pedido.

    Como em todas as festas dos reinos encantados, Vô Tirica estava lá, trazia bolos nas garrafas, vinho e refrigerantes no jacá, ao passar na pinguela de arame ela balançou, balançou e tudo caiu no rio, trazendo apenas a estória. 


Segundo a autora, Rosiana Conceição Silva Santos, as Estórias do Vô Tirica "São estórias contadas a meu pai pelo avô, que partiu bem cedo. Ainda bem que meu pai não se esqueceu porque nos dias de hoje, são muitos os pais que não dispõem de tempo para contar casos e estórias. Nós, seus filhos, Keila e as meninas de Celina ficávamos esperando o Vô Tirica chegar do trabalho para ouvi-las. Escrevi algumas dessas estórias", conclui.



O livro escrito por Rosiana tem dezesseis estórias narradas pelo avô. Aqui reproduzimos apenas uma!

 


sábado, 2 de novembro de 2024

Ela Veio


Imagem: Correio Brasiliense


Eu já tava dormindo quando ouvi seus passos de água e senti aquele aroma fresco que só ela possui.
 
Então, guardando o sono pra depois, corri pra vê-la!
 
Tinha que aproveitar bem aquele instante porque há muito ela me deixa esperando, seco de amor por ela.
 
Agora já nem tou com sono.

Tou é com um contentamento daqueles de menino que encontra de novo a menina que lhe deu um beijo um dia e, depois, só voltou agora. 

Vocês podem continuar dormindo porque neste momento ela é toda minha.
É um caso de amor, sabem?

Há muito tempo ausente.

Olho pra ela e fico sonhando que se demore perto de mim.

Mas sonho acordado porque o sono se foi quando ela chegou.

E agora é só ela e eu daqui da janela.


Helder Nardes

Imagem: BBC