quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Filhos da Terra: Capítulos 3 e 4

Rapidinho: 

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos.
Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor. 

Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição 

Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.


3 - O Microcosmo de Elói

Elói G. de Araújo era um jornalista cético com a mídia empresarial. Para os inimigos, um frustrado. Era repórter de um jornal de grande circulação na região metropolitana. Ao se formar, acreditava poder realizar grandes reportagens, contribuindo, assim, na divulgação da verdade dos fatos. Sentiu o primeiro baque na reportagem de estreia ao denunciar um deputado corrupto, ligado ao tráfico de pedras preciosas. Tomou todos os cuidados, pois receava jogar lama em inocentes. Checou fontes, documentos, ouviu todos os lados envolvidos. A decepção foi enorme ao ouvir do chefe de redação, que a sua matéria não seria publicada, pois o deputado era empresário influente e responsável por boa parte do faturamento do jornal, através de anúncios diários. Elói engoliu seco e só não pediu demissão, porque precisava do emprego. A segunda decepção veio quando o colocaram como redator do caderno de veículos. Não se entregou. Não estudara seis anos de jornalismo, para escrever sobre virabrequim, platinado e corridas, assunto, aliás, que não conhecia. Consultou alguns colegas de redação sobre como elaborar as matérias e eles responderam em uníssono: - Aqui nada se cria, tudo se copia na internet.
     Foi a campo e fez uma extensa reportagem sobre sonegação fiscal das montadoras de veículos, provando como elas exerciam pressão sobre o governo, para obter redução de IPI, e mesmo com a redução, elas não repassavam os impostos recolhidos dos contribuintes ao governo, numa mega sonegação. Provou a prática de apropriação indébita. O chefe de redação elogiou a matéria, mas disse que não poderia ser publicada daquela forma, iria editá-la. No dia seguinte, de fato, a matéria fora publicada. Elói não se conteve. Procurou o chefe e soltou os cachorros: - Pô cara, você arrebentou com a minha matéria e ainda por cima assinou como sua?! Aliás foi melhor assim, porque isto aí não tem nada a ver com o que escrevi. 
     - Calma Elói - respondeu o chefe -, eu conversei com a direção e eles elogiaram a matéria, mas sugeriram que deveríamos denunciar o governo, afinal é o responsável pela fiscalização. Você acha que o governo é inocente?
     - Não acho que o governo seja inocente, mas o fato é que há sonegação e ponto. Quanto ao governo, podemos pautar - retrucou Elói.
     - Não posso contrariar os interesses do jornal, vamos publicar como está e ponto final. Não é o governo que paga os nossos salários. Qual é, Elói? Sabe tanto quanto eu o quanto os políticos são corruptos!
     - Não venha com provocações, porque você também sabe, assim como eu, como os empresários, inclusive os da mídia empresarial são corruptos. De qualquer forma não deixa de ser interessante o jornal denunciar um governo, que esse veículo de comunicação, assim como tantos outros, ajudaram a se reeleger. Um governo que abafou CPI's; privatizou estatais lucrativas a preço de banana em conluio com aliados; sucateou o Estado... - retrucou Elói, indignado.
     - Nada ficou provado e não vamos generalizar. Nem todos os empresários, nem toda mídia são podres - respondeu o chefe.
     - Você está desviando o assunto. Eu fiz uma matéria e você, num suposto acordo com o patrão, fez uma edição porca, sacana. Nem vou discutir ética jornalística...
     - Deixa de bancar o bom mocinho. Você sabe como as coisas funcionam. Não há nada que se possa fazer.
     Saiu da sala inconformado com os rumos da imprensa. Os anos de luta contra a censura oficial desembocavam na censura patronal. A partir daí, convenceu-se definitivamente de que a grande mídia estava a serviço do capital e não mudaria a postura. Acomodou-se, para preservar o emprego. Enquanto isso tentaria construir uma alternativa de colocar em prática o seu projeto. Nesse mesmo dia tomou a decisão de mudar para um bairro operário e se comprometer com os movimentos sociais, com a ideia de assessorá-los na área de comunicação. Alugou um pequeno imóvel e em poucos dias adaptara-se relativamente à nova vida. Estava feliz com a escolha. Os moradores gostavam dele; ajudou a montar um informativo da associação do bairro, participava de reuniões e a amizade com Zenaide iluminava seu pequeno mundo. Era um home livre, sem laços familiares, pois seus pais faleceram sem dar-lhe irmãos. Não tinha afinidade com os primos latifundiários, que odiavam o MST. Sentia-se bem com a família de Dona Sônia. Sua casa era simples, como convém a um homem do povo. Móveis simples e práticos. De luxo, apenas um aparelho de som moderno, muitos discos e uma garrafa de uísque doze anos, um prazer de que não abria mão. Um computador, instrumento de trabalho, ligado a internet, livros espalhados pela casa. Não tinha carro, o salário de jornalista não permitia. Às vezes usava o carro do jornal, com o motorista, para pegar um bico - freelancer - de algum parlamentar de esquerda. Sonhava sair da camisa-de-força da mídia empresarial, mas precisava do salário e o jornal dava-lhe mais visibilidade. Lá no fundo queria emplacar uma grande reportagem, ganhar projeção nacional. 'EGO... E de Elói, G de Gouveia e O de Oliveira, não, não é nada disso, quero fazer uma reportagem que contribua no avanço da consciência da realidade desse país de miseráveis, de idosos injustiçados e crianças abandonadas". Sentiu o olhar penetrante do Comandante fustigando-lhe a consciência. O poster de Che Guevara, com um charuto na boca, estava afixado na parede do escritório, protegido por uma moldura simples, de vidro. Havia também uma foto em preto e branco de trabalhadores rurais com foices e enxadas, de Sebastião Salgado. Nas horas vagas bebia o uísque com bastante gelo e água, enquanto ouvia as canções de Chico Buarque, Gil, Silvio Rodriguez, Pablo Milanês, Xangai e músicos independentes. Nestas horas seus pensamentos voltavam para Zenaide, a garota de seus sonhos dourados. Ele a via com seus cabelos longos da cor do ouro, envolta em um vestido branco, transparente, desfilando sob os aplausos de um público imaginário. Ela desfilava sedutoramente para ele, lentamente se desnudando, chamando-o para si, alisando suavemente os seios empinados, com um sorriso moleque. "O que é isso, Elói, está viajando? Não vê que ela é apenas uma adolescente sonhadora, enlouqueceu? Ah, mas que ela é uma doce tentação, isso ela é!". Voltando à realidade, espantando os devaneios, ocupava-se em pensar numa maneira de ajudar a garota mais linda do bairro a realizar seus sonhos. Ela tinha garra, era inteligente, determinada e muito bonita. Não a deixaria desamparada e não permitiria mais que esses pensamentos torpes o dominassem. Jamais abusaria da confiança de Dona Sônia, da família que o acolhera com afeto. Zenaide agora era como se fosse uma filha. Dormiu abraçado ao travesseiro.


4 - O Segredo de Edileuza

Edileuza não deixava de ir aos cultos da Igreja Nacional do Reino do Amor, nas terças, quintas, sábados e domingos. Com seu vestido cinza batendo no tornozelo, uma blusa cobrindo até a altura do pescoço, cabelos longos maltratados e com a cara fechada, saía com a bíblia debaixo do braço e o olhar fixo no chão, para que não pairasse nenhuma dúvida entre os vizinhos sobre a sua pureza. Pagava o dízimo em dia e era sempre elogiada pelo pastor, por sua conduta ilibada.
     Por conta de sua dedicação, fora escolhida pelo pastor para estudar a bíblia com os superiores, m vistas a tornar-se uma pastora e poder levar a mensagem de Jesus aos pecadores. Em casa ninguém sabia, pois desistira de converter a família. Quando era cobrada pelo pastor, para se empenhar mais na conversão dos familiares, ela respondia que "em casa de ferreiro o espeto é de pau". "Não é por falta de esforço não - continuava - eles ainda não foram tocados, irmão, mas sangue de Jesus tem poder, aleluia!". "Aleluia, irmã", respondia o pastor.
     Ao retornar à sua casa, depois do culto de uma terça-feira de verão em que lera e uma passagem do deuteronômio, caminhando em meu a penumbra da rua, a jovem evangélica foi abordada por um rapaz. Edileuza apertou o passo, procurando afastar-se, porém foi imobilizada, tendo a boca tapada, com vigor: - Não grite e tudo acabará bem - ameaçou o estranho. Ela não esbouçou nenhuma reação, apenas orava, pedindo proteção ao Senhor, enquanto o rapaz levantava seu longo vestido e alisava suas coxas e seios.
     - Vou retirar a mão de sua boca, promete que não vai gritar? Perguntou o rapaz. Edileuza balançou a cabeça afirmativamente.
     - Ótimo, assim é melhor, não quero machucá-la. Quero que se entregue, pois sou louco por você - disse o moço, excitado, subitamente beijando-a na boca.

                                                                Imagem: Domínio público

     Foi um beijo longo, com as mãos debaixo do vestido, percorrendo freneticamente o corpo de Edileuza, que amolecia. Empurrou-a contra o muro, levantou o vestido, deixando à mostra duas coxas rosadas, grossas e rígidas, em seguida desabotoou o sutiã e beijou sofregamente os seios, desferindo suaves mordidas nos mamilos. Edileuza permaneceu inerte. Apos longos loucos minutos, o rapaz pôs-se a chorar diante de uma mulher de sentimentos opostos, que não sabia se gritava por socorro ou se consolava o agressor. Ao perceber que era dona da situação, perguntou: - Quem é você e o que quer de mim? Mas não obteve resposta. O rapaz fugiu na penumbra. Edileuza levou a mão nas coxas molhadas de esperma e sentiu um arrepio. Ao chegar em casa foi direto para o seu quarto, em silêncio. Zenaide folheava uma revista de modas e assim continuou, sem prestar atenção na irmã, que se atirou na cama sem tirar a roupa, com a bíblia sobre o peito e o olhar perdido no teto de telha de amianto. Em seguida dormiu.
     Ao ver a irmã dormindo, Zenaide retirou a bíblia delicadamente e a colocou sobre o criado. Percebeu que ela tinha o sono agitado, balançando a cabeça negativamente e dizendo "não, não, pare satanás, não me tente". Zenaide acordou-a carinhosamente, alisando com suavidade os cabelos da mana. Edileuza abriu os olhos, assustada, olhando a irmã, que dizia: - Você estava tendo um pesadelo, por isso te acordei. Minha irmãzinha, o que está acontecendo?
     - Não está acontecendo nada - respondeu -, foi um pesadelo, obrigada. 
     - Como não? Você se debatia agitadíssima. Acho que anda rezando demais. Olha que pra tudo tem limite, devia mesmo arranjar um homem, fazer sexo e descarregar as energias armazenadas.
     - Você é uma depravada - respondeu, agressiva.
     - Aí é que você se engana - retrucou Zenaide.
     - Anda por aí mostrando o rabo como uma puta - disse a beata, com o semblante carreregado.
     - Mostro sim, o rabo é meu. Quem não quer ver estrela, não olhe para o céu. Agora quer saber de uma coisa? Tenho quase quatorze anos e sei muito bem mais do mundo que você. Sei o que quero, ainda não transei. Faço o meu charme, jogo as tranças, sei seduzir os homens, mas farei sexo com quem eu quiser, na hora em que eu quiser. Não estou preocupada com isso, por enquanto. Quero ganhar dinheiro, muito dinheiro e sair desse buraco. Estou me preparando, correndo atrás, pode ter certeza - disse Zenaide, com um olhar sonhador.
     - Tudo bem, irmãzinha, mas primeiro você devia aceitar Jesus!
     - Não me venha com este papo, Edi. Já aceitei Jesus, só que do meu jeito, tá legal? Vamos mudar de assunto, senão a gente acaba brigando - respondeu Zenaide, voltando a folhear a revista.
     Edileuza tirou o vestido de costas pra irmã, com receios de que ela visse nódoas em suas coxas. Em seguida dirigiu-se ao banheiro. Enquanto a água caía em seu corpo, lembrava do beijo e das mãos do rapaz alisando seu corpo. Ficou excitada. 



                      Em estoque os últimos exemplares de A Moça do Violoncelo-Estrelas


Na próxima quarta um novo capítulo de Filhos da Terra

9 comentários:

  1. OI ESTANISLAU!
    AGRADEÇO POR TERES IDO AO MEU BLOG E FICARES ME SEGUINDO.
    AMANHÃ VOLTO COM MAIS TEMPO PARA LER.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  2. Parabéns, gostei bastante desta revirada na vida da evangélica ....
    Isto prova que religião as vezes trás muitas dores e sentimento de culpa.
    Bjs.

    ResponderExcluir
  3. Parabéns, gostei bastante desta revirada na vida da evangélica ....
    Isto prova que religião as vezes trás muitas dores e sentimento de culpa.
    Bjs.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E a virada será maior nos próximos capítulos. Obrigado. bjs

      Excluir
  4. Oi Ju. Sou o Marcos, atendente dos Correios de Esmeraldas, filho do poeta Manuel Martins, da Associação Betinense de Letras. Lembra-se? Ele está muito doente e eu quero publicar um livro dele e preciso de orientações suas, pode ser? Qual o seu ZAP? Obrigado.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia Marcos, o pessoal da Associação Betinense deve informar melhor. Consulte-os. Primeiro você precisa separar os textos, que quer publicar, depois de revisado. Se desejar o comentário de algum amigo, dê os textos a esta pessoa para ler e escrever uma apresentação. Pode ser uma ou mais pessoas. Entregar o texto para alguém diagramar (fazer a editoração eletrônica), montar o livro, fazer a capa, etc. Em seguida escolher uma gráfica e imprimir a quantidade que achar suficiente. Sugiro a gráfica e Editora O Lutador. Você encontra no google. Se desejar, entre contato comigo pelo e-mail: jestanislaufilho@gmail.com Abraço.

      Excluir
  5. Texto denso, para muitas leituras, Estanislau ! Sinceramente pelo que li, é uma virada cultural daquelas! Meus sinceros parabéns! Abraço da Luiza.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Luiza. Sempre bem-vinda com seus comentários atentos. Quarta-feira tem mais Filhos da Terra. Abraços.

      Excluir