segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O mendigo





     Outro dia eu me preparava para passar pelo pátio da Igreja São José, pela Rua Rio de Janeiro, para chegar a Rua Espírito Santo. Estou agnóstico, mas de vez em quando entro ali para descansar. É muito bom fazer uma parada e respirar a calma daquele ambiente, sentir o silêncio e refletir.
    Logo na entrada do portão que dá acesso ao pátio da Igreja fui abordado por um mendigo, pedindo-me uma esmola. Olhei para o rosto do moço e senti um aperto no peito e meus olhos marejaram. A barba e os cabelos desgrenhados, somados à sujeira escondiam sua idade. Ele não somente parecia jovem, como tive a nítida impressão de conhecê-lo. Dirigi-lhe algumas palavras, que não lhe despertaram interesse. Não estava a fim de conversa, queria mesmo era uma esmola. Certamente ele se cansara das centenas de conselhos para largar aquela vida, procurar trabalho, ou uma instituição de caridade, ou até mesmo algum pedido para que se entregasse a Jesus. Alguém passou perto e me alertou: - ele vai gastar tudo em cachaça. Olhei o cidadão e achei melhor não responder, mas tive vontade de dizer “o que você tem com isso? Se eu der-lhe o dinheiro, ele que faça dele o que bem entender”. Não sei se por raiva, por compaixão, afinal eu iria fazer uma parada na Igreja, dei-lhe uma nota de dez reais. O que valem dez reais? Um almoço e um jantar, talvez duas garrafas de pinga. Está certo que o mar não está pra peixe, não é todo dia que dá para desembolsar um real, quanto mais dez. Não sei, talvez por influência da Igreja que tantas vezes me acolheu e me protegeu do sol abrasador fui tomado de um súbito sentimento cristão; talvez o sonho de ver o país sem desigualdades sociais, quem sabe tudo isso junto tenham me levado a este gesto altruísta. Quando lhe dei a nota, humildemente ele disse: - mas é muito dinheiro, pode fazer falta para o senhor! Respondi que não, que pudesse ficar tranquilo. Ele ainda explicou: - olha moço, com este dinheiro vou comprar pão e leite para os meus filhos. Eu não trabalho porque sofri um acidente antes de completar um ano de carteira assinada e o senhor deve saber que quem não contribui com o INSS pelos menos um ano, não tem direito ao benefício. O que me ajuda um pouco é a Bolsa-Família e a faxina que a minha senhora faz. Eu agradeço muito ao senhor e desejo saúde e paz. Entrei na Igreja e fiquei olhando o altar, as imagens e refletindo se só saúde e paz são suficientes para tornar uma pessoa feliz.
     Como disse estou agnóstico. Antes me considerava ateu, mas depois de tanto insistirem para que eu provasse que Deus não existia e como não tinha argumentos, preferi dizer que estou agnóstico, para não me comprometer.



J Estanislau Filho

Esta crônica está em meu livro Filhos da Terra - Edição do Autor - 2009-Esgotada.

13 comentários:

  1. Texto emocionante e reflexivo . Sou da opinião que se podemos devemos ajudar o próximo sem olhar a imagem exterior . Ao menos eu tento . Parabéns Estanislau

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  2. Não precisamos seguir nenhuma religião para sermos seres humanos melhores, aliás, tenho observado que pessoas ateias, agnósticas têm mais senso de justiça. Sua crônica é magnífica e se encaixa com minha opinião pessoal.
    Abraços

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  3. Bom dia!
    acho que quando a gente dá alguma coisa, deve dar sem olhar a quem, dar porque vimos uma necessidade urgente. Dar e calar.

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    1. Obrigado, Ana. Alegria tê-la aqui em minha página, amiga e talentosa parceira de letras.

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  4. Desculpe Rogério, seu comentário não apareceu aqui. De qualquer forma, obrigado pela leitura.

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  5. Sabe Estan, sou da opinião de não dar esmolas...no caso em dinheiro...pois há muito o má uso deste dinheiro ,você disso e não seria justo sermos cumplice de algo que é pra destruição do ser humano, em compensação se eu sentir algo que me toca o coração, ajudo sem olhar a quem, pois sei que este olhar...é o poder do Espírito Santo em mim...mais sempre em auxílio em alimentação, pois é muito triste ver esta desigualdade entre as pessoas e eu podendo ajudar , faz- me um bem muito grande...e tem mais ...mais se perceber que há acomodação nesta ajuda ...procuro diversificar nesta ajuda,( falo isto pois ja aconteceu com uma família)...

    Deus te abençoe!

    Abraço

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  6. E quantos vivem neste mundo dessa forma desumana, segundo consta mais de 3 bilhões de pessoas vivem com menos de US$1 por dia. Um verdadeiro crime!!

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    1. Exatamente Arnaldo. A desigualdade social é abissal. Obrigado pela presença.

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  7. Generosidade faz bem a qualquer ser humano. A questão é que a maioria dos pedintes, usa a esmola para comprar drogas. Não critico quem dá ou quem recebe a esmola, cada um com suas motivações e necessidades.

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