segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Filhos da Terra: Capítulos 24 - O Povo Vai às Urnas - 25 - Realidade e Sentimento





24 - O Povo Vai às Urnas


Elói não tinha dúvidas de que as eleições transformaram-se num plebiscito sobre o governo Lula. Foi a opção escolhida pela grande mídia e por uma oposição refém das mesmas práticas eleitorais. Todas as pesquisas apontavam a vitória da situação em primeiro turno. A oposição de esquerda não conseguia convencer o eleitorado de que tinha um projeto alternativo à coligação PT/PCdoB/PSB/PTB e à coligação PSDB/PFL/PPS. O eleitorado parecia cansado das notícias diárias há mais de seis meses sobre o escândalo do mensalão e valerioduto, que tentava vincular o Presidente da República e o PT à corrupção. Quando tudo indicava que as eleições terminariam no primeiro turno, uma nova denúncia invadiu os noticiários: a compra de um dossiê contra Geraldo Alckmin. Saem de cena José Dirceu, Roberto Jéferson, José Genuíno, Delúbio Soares, Silvio Pereira, Duda Mendonça, Marcos Valério, entre outros atores do denominado esquema do mensalão e entram em cena Valdebran, Gedimar Passos, Hamilton, Delegado Edmilson Bruno, Berzoíni, Planam, Vedoin e uma montanha de dinheiro exibida em todos os jornais e no horário político de Geraldo Alckimin. Como a ideia fora alimentada pelo valerioduto, o caso dossiê contra os tucanos era tudo que precisavam os que não desejavam a reeleição de Lula.
     Segundo a maioria dos cientistas políticos, este evento levaria ao segundo turno. Na redação do Diário de Todos, este era o assunto que fazer parte da pauta até o dia da votação do segundo turno. Mas foi Jarbas, o faxineiro anarquista quem recebeu Elói com as críticas mais duras sobre Luis Inácio (ele só se referia a Lula dessa forma): - Sabe meu companheiro Elói, Luis Inácio é o maior responsável pela política que hoje ameaça aumentar a miséria dos trabalhadores e dos jovens. Frustrou o impulso de transformação social e política que o conduziu ao Palácio do Planalto; foi ele quem transformou o partido dele nessa caricatura, este que foi um magnífico instrumento de luta de classes nos anos oitenta, originado nas lutas operárias da década de setenta; Luis Inácio acatou as regras do jogo da casa grande, que atira as migalhas do banquete à senzala. Não há garantias de que o seu segundo mandato seja menos nefasto aos trabalhadores e jovens brasileiros do que um eventual governo do PSDB. Se quiser alguns exemplos de que ele constrangeu  a esperança de 53 milhões de eleitores, que acreditavam na vocação ética e democrática do PT, eu posso dar".
     Elói ouviu tudo em silêncio, depois considerou: - Jarbas, você usa argumentos fortes. Lula deixou muito a desejar, concordo, mas ele segurou as privatizações, implementou uma política externa soberana, não endureceu contra os movimentos sociais, o BNDES foi recuperado e está financiando a produção, as regiões mais pobres do país votaram nele, o que prova sua prioridade e não se pode negar que o Brasil está melhor, a qualidade de vida das pessoas melhorou... 
     - Então eu quero contrapor - reagiu Jarbas, agora ambos cercados pelos colegas de redação, que ouviam atentamente -, o voto dos mais pobres representar a orientação social do governo, não concordo, pois historicamente políticos de todos os matizes receberam apoio de segmentos populares, que vão de Hitler a Maluf; de Vargas a Sarney, Peron. Na verdade o voto nordestino é resultado de alianças espúrias com os coronéis, isso sem considerar que grande parte desses votos foram comprados por meio de programas assistencialistas com viés autoritário e paternalista, caso do bolsa família... Nesse ponto, Elói pediu um aparte:
     - O que é programa assistencialista? Se entendermos que assistencialista é quem assiste, toda política social beneficia a quem não tem assistência do Estado. A questão é se está implementada de forma corrupta e discriminatória e não está. Manuel pediu que encerrassem o debate, pois estavam num local de trabalho, mas Jarbas pediu um minuto: 
     - A conversa mole de que Alckmin completaria as privatizações iniciadas por Collor, intensificadas por Fernando Henrique e interrompidas por Luis Inácio não é bem assim. Ele entregou ao capital privado nacional e internacional, importantes reservas de petróleo; nada fez para investigar as privatizações fraudulentas de FHC e a quem serve o BNDES? Ao capital privado através de empréstimos a juros amigáveis. Companheiro Elói, sinto muito, mas os jovens brasileiros e os trabalhadores podem se preparar, pois nos próximos quatro anos haverá fortes investidas contra os seus direitos. Por isso faço campanha pelo voto nulo.
     - Tudo bem Jarbas, continuo achando o Lula a melhor alternativa. Só gostaria que a mídia empresarial não fosse seletiva. Notícias que atingem os neoliberais não são publicadas. Temos de recorrer ao La Nacion da Argentina sobre um figurão do PSDB de Tocantins, Missilvam Chavier dos Santos, conhecido como Parceirinho, transportando 500 quilos de cocaína. Ele foi candidato a prefeito de Tupiratins em 2004, pelo PSDB e perdeu. Recebeu forte apoio do Senador tucano Eduardo Siqueira Campos. Missilvam voltava para Tocantins, quando a polícia federal o flagrou com o carregamento de meia tonelada da droga. Parceirinho foi preso em um ônibus em Castanhal, município do nordeste paraense. Imagina se fosse alguém do PT! Seria manchete nacional, inclusive no DT. A agência de notícias Reuters distribuiu a informação para toda a imprensa brasileira, mas poucos repercutiram a notícia e quando o fizeram, omitiram a filiação partidária do traficante.
     Ninguém mais se manifestou. Cada um retornou ao seu local de trabalho e a rotina continuou. 

                                                                  Imagem: Goolge




25 - Realidade e Sentimento 



     Como ficam as vidas de milhões de jovens sem perspectivas de empregos dignos? Os pobres continuarão pobres e os ricos mais ricos? Até quando as políticas neoliberais se manterão hegemônicas? Quando será que a humanidade se dará conta da escassez dos recursos naturais? Como a periferia irá se organizar ou se desorganizar incontrolavelmente? Enforcaram Sadam e não encontraram as armas de destruição em massa. Arafat morreu, milhões de civis morreram bombardeados e a sede de sangue do vampiro imperialista aumenta. O latifúndio assassinou Chico Mendes, um "cabra marcado para morrer". A morte de Doris Stang chamou a atenção da mídia, comoveu juízes e o mesmo não acontece com inúmeros trabalhadores rurais anônimos que têm o mesmo destino; não merecem sequer nota de rodapé, não sensibilizam os três poderes. Nas favelas amontoam-se barracos: gente entre lixo e bichos. Em seu novo mandado, o presidente dará dois passos à frente? 
     Em meio às comemorações com a vitória esmagadora de Lula no segundo turno das eleições, Elói se convencera da dependência química da garota que um dia sonhara brilhar nas passarelas. Depois de alguns meses em que se encontravam com regularidade, percebeu o seu lento definhar. O corpo que usava como mercadoria de troca, não servia mais para o consumo. Era patético vê-la prometendo "satisfazer os seus desejos secretos". A certeza de que ela encontrava-se encrencada com traficantes, levou Elói a oferecer-lhe um local seguro, para fazer tratamento, mas ela se recusava sob a alegação de não poder ficar longe da filha, a negar ser usuária de drogas e que o dinheiro era para cobrir despesas com necessidades básicas. Dona Sônia pediu-lhe ajuda, pois Zenaide não ouvia ninguém da família, ficava agressiva. AT & M Construção Civil de Tenório e Marcelo crescia. Edileuza também pediu-lhe apoio, no sentido de conseguir uma clínica de recuperação, que eles arcariam com as despesas. - Seu papel, Elói - disse-lhe Marcelo - é o de convencê-la, pois tem ascensão sobre minha irmã. Elói prometeu, afinal tinha afeições pela família e pela garota. - Mas poderá chegar o momento em que terão de interná-la à revelia - dissera durante um almoço. 
     Quando Elói a viu pela primeira vez sangrando o nariz, ela estava em seu apartamento, numa noite chuvosa. Constatou, com tristeza,  que Zenaide chegara ao fundo do poço. Não era a garota que um dia foi a mais linda do bairro. Não parecia ter a idade que tinha: vinte anos. Caminhava para o molambo. Elói teve piedade. Zenaide estava de dar pena. Cabelos desgrenhados, rosto amarrotado, esquálida e pálida, um zumbi. Declamou um verso:
"Não acabava, quando sua figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado
A barba esquálida". 
Se perguntava o que o levava em se envolver com pessoas transtornadas. Porque isso o atraía? Levou-a ao chuveiro, tirou-lhe a roupa e se assustou com a magreza. Zenaide era pele e osso. Colocou-a sentada em uma cadeira debaixo do chuveiro. Ensaboou-a dos pés à cabeça. Pela primeira vez a viu inteiramente nua e não gostou do que viu, mas via e pensava de como lidar com seus sentimentos. Pele e seios flácidos, sinais de feridas. Feridas que o fazia sofrer. No momento em que passava o sabão nos seios, Zenaide começou a cantar uma canção com voz fraca "não se apresse não, que nada é pra já, o amor não tem pressa, ele pode esperar..."  Elói abraçou-a chorando, e perguntar, sem a ilusão de uma resposta. "Ah meu amorzinho, minha menina, porque tudo isso? Em que caminho nos perdemos? 
     Após enxugá-la com cuidado, levou-a para a cama. Ela adormeceu inteiramente nua sobre o lençol branco e tudo ele sentiu naquele momento foi um amor verdadeiro. Esse amor que ele carregava pelos transtornados, excluídos, miseráveis, viciados. Pelos desamparados. Deitou-se ao lado dela, cobriu-a com um cobertor macio. Acariciou seus seios, coxas. Dormiu acariciando-lhe os cabelos.
     Uma semana depois eles se abraçavam na porta da clínica de recuperação de dependentes químicos e portadores de doença sexualmente transmissíveis. 
     Finalmente Zenaide aceitara o tratamento, com a promessa de mudar os rumos da vida. 
     Bem, o que vai acontecer de fato com Zenaide?  






                                                       Imagem: Google - Chico Mendes



 
                                                           Imagem: Google - Sadan

4 comentários:

  1. Esse livro é muito bom! Parabéns escritor.

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  2. Estou acompanhando sua história, o reencontro com Zenaide o seu problemas com a droga, enfim o amor tão grande acolhe e ajuda. A política e esperança de mudanças. Aplausos

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    1. Obrigado, Norma, sempre uma alegria ver você aqui. Volte sempre.

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