quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Filhos da Terra capítulos 19, 20 e 21- Na reta final

Rapidinho: 

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor. 
Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição 
Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.


19 - A Loira Misteriosa

Saí de casa para o trabalho com o clima tenso na redação do jornal. Meus colegas estavam divididos. Eu confuso com os ataques diários. Para alguns o Presidente da República era populista, assistencialista e corrupto mesmo. Outros acreditavam em sua inocência. Corrupto era o nosso parlamento, onde o governo não tinha maioria e precisava negociar a aprovação de projetos, sentenciavam outros. Muitos atribuíam a responsabilidade a alguns ministros, especialmente o chefe da Casa Civil, "um arrogante", no entender de Renato Matos: - Eu não confio em ninguém que muda de cara" - repetia Renato o seu bordão, referindo-se ao fato de o Ministro da Casa Civil ter um dia feito plástica, para retornar ao Brasil. - Não, Renato, aí é muita maldade - eu retrucava em defesa do Ministro - puxa vida, o cara estava no exílio, foi a forma encontrada de voltar ao país sem despertar suspeitas, se os militares o pegam estaria morto. 
     As notícias chegavam em conta gotas. Primeiro foi a tv mostrando um funcionário dos correios recebendo um pacote de dinheiro. Depois o Deputado, ex-integrante da tropa de choque do caçador de marajás, vindo a público e abrindo a caixa-preta do financiamento de campanha e a coisa se degringolando. Novos atores aparecem em cena, envolvendo parlamentares da base aliada, um empresário e um banco num esquema denominado de valerioduto. 

     - Olhem aqui, pessoal! O que vou dizer não significa uma justificativa a favor do governo, mas me intriga tanto alarde com algo que sempre aconteceu na política brasileira: o toma lá dá cá, porquê só agora resolvem denunciar? O erro está no financiamento de campanha, que leva, inevitavelmente à criação do caixa 2, por isso defendo o financiamento público. Isso me cheira a golpe. E mais, o tiro pode sair pela culatra. Acho que os autores da denúncia não calcularam bem o calendário eleitoral e até la esse assunto estará desgastado e o governo poderá reverter esta situação. Não sei. A quem interessa a queda do presidente? Está me parecendo um processo kfkiano. E nós, jornalistas? Vocês observaram que a tal liberdade de imprensa é uma falácia?  Não temos convicção do teor das denúncias, entretanto, escrevemos cegamente o que nos determinam, não conseguimos apurar nada. Está muito esquisito. Não posso defender o governo diante da gravidade das denúncias, assim como não posso denunciar sem conhecer as fontes..."
     Mas, no fundo, eu estava desapontado. A aprovação despencava e os movimentos sociais não davam sinais de apoio. Lembrei-me, com tristeza, as palavras do filho de um companheiro de luta, um militante que sofrera tortura nos porões da ditadura: - Para que serviu a luta? A corrupção continua; a violência aumenta, os ricos continuam cada vez mais ricos e os pobres continuam na merda e você nem sequer consegue ser recebido pelos "companheiros, que fazem parte do governo". Pode haver manipulação nas denúncias, calúnias até, mas precisavam ser apuradas. A máquina do governo é grande, tem gente de todo tipo e a corrupção está entranhada na máquina pública. É preciso apurar, dizia aos seus botões no momento em que atravessava a Rua da Bahia em direção ao Maleta, viu a loira misteriosa do shopping entrando no edifício pela Avenida Augusto de Lima. Correu para alcançá-la, mas ao chegar no hall, a porta do elevador se fechou. Não conseguiu entrar, mas pode vê-la de relance, antes de a porta se fechar totalmente. Ficou deslumbrado com a beleza desmesurada da mulher. Foi tudo muito rápido. Agora sabia como encontrá-la, o coração pulsava forte, principalmente pela sensação de ter sito notado por ela. "Será que mora aqui? Vou esperar um pouco, talvez ela saia". Não fumava, mas a ansiedade o levou ao bar e comprou um cigarro picado. Fumou desajeitado, inquieto. Depois de meia hora de espera inútil, de novo sentiu-se ridículo e foi embora. Em casa foi direto ao chuveiro, pensando trocar de roupa e voltar pra fazer plantão na porta do prédio. "Estou parecendo um adolescente, caramba!"... E daí? Estou afim de uma parceira, chega de frescura! Vamos lá Elói. Esquece os problemas, esquece o governo, você lutou por um sonho, valeu a pena. Pare de se cobrar, relaxa e vá viver a vida enquanto é tempo".
     Desceu o elevador e voltou ao local. Bem em frente do edifício, um bar. Sentou-se em uma cadeira, onde pudesse ver o movimento de entrada e saída do prédio. Depois de mais de uma hora e na quinta dose de uísque, a loira finalmente saiu. Devido a penumbra e por estar ligeiramente embriagado, não conseguiu identificar o vulto. Levantou-se e foi em direção a ela, que arrumava os cabelos com as pontas dos dedos, olhando de um lado a outro. Aproximou-se e trêmulo de surpresa disse: - É você? Não é possível, puxa vida! Mudou demais em tão pouco tempo, está lindíssima. 
     - Elói, seu miserável - respondeu a loira com um misto de alegria e raiva. 
     - O que está fazendo por aqui, garota? - perguntou com medo da resposta.
     - Estou trabalhando, preciso ir, minha filha me espera.
     Elói fingiu não saber de nada. Permaneceu parado diante dela, indeciso. Depois de alguns segundos, disse:
     - Não vá agora, vamos conversar um pouco. Que bom te ver linda e saudável... - arrependeu-se da última palavra, mas ela não parecia infectada.  
     - Devo-lhe muitos favores, estou agradecida, mas você foi muito claro, mudou-se e me disse que só o procurasse em caso de extrema necessidade. Não te explorei muito não, foi só no começo. Sou atendida pelo SUS. Aquilo que suspeitávamos aconteceu, tenho, como diz minha mãe, "aquela doença" - respondeu Zenaide com um semblante indecifrável. 
     - Ô Zenaide, você está ótima. Eu moro aqui, do outro lado, se quiser, vamos lá ao meu apartamento, ou a outro bar, para conversarmos. Eu planejo visitá-los por estes dias.
     Diante dele estava, com seus quase dezoito anos a garota mais linda do bairro, que sonhara ser famosa e rica. Mãe aos dezesseis, depois de inúmeras tentativas de aborto. Para ele, continuava sendo a garota mais linda, não só do bairro, mas do mundo. Quantos garotos, quantas garotas iguais a ela estariam nas mesmas condições? Era esse o futuro reservado para elas e eles? Voltou a si ao ouvir Zenaide quase gritando:
     - Acorda, o que foi?
     - Não sei. Acho que sonhava. 
     - Desculpe-me, estava pensando como a conheci. Tinha treze anos - explicava Elói, olhando-a comovido.
     Mas Zenaide estava estranhamente séria, como se tivesse perdido algo, que ele não conseguia decifrar: um sentimento... Então ela disse algo que dava uma pista:
     - A minha vida não tem sido nem um pouco interessante, a minha companhia menos ainda. Mas se for nos visitar será bem recebido, mamãe fala muito de você, o Marcelo, a Edileuza, todos perguntam...
     - Quero saber de você - interrompeu Elói -, quero saber como está, o que pensa de mim, não me julgue mal, nunca esqueci ninguém, tenho as melhores lembranças de todos, especialmente de você. Tentou acariciar o rosto dela, mas ela se esquivou.
     - Você está bêbado?
     - Ligeiramente de fogo, só isso e aí? Vamos sair para conversar?
     - Preciso ir embora, Vitória precisa de mim - respondeu, com o semblante indecifrável.
     - Vitória, sua filha. Como ela está?
     - Bem, na medida do possível - respondeu secamente.
     - Estou te achando... Como posso dizer? Estranha, diferente. Cadê aquela alegria? Cadê aquela garota cheia de vida?
     - Ah, tem dó, estas suas perguntas...
     - Puxa vida, tenho o maior carinho por você - disse tentando, mais uma vez tocá-la. Zenaide recuou. Estava arisca.
     - Você tem alguma mágoa de mim? Perguntou com voz triste.
     - Existe motivo? Por que está me perguntando? Vim ao seu apartamento e acabei dormindo. Tive um pesadelo.
     - Não sei. Estou te achando rude comigo. Não vou aborrecê-la, se é assim que você quer, tudo bem!
     - Diga à Dona Sônia, que domingo próximo irei visitá-la. Posso? - a pergunta foi irônica e de retórica.
     - Ela ficará muito feliz...
     - Você, não?
     - Talvez!
     Assim foi o reencontro com Zenaide, depois de quase dois anos. Ele sempre a desejara, agora mais ainda. 


20 - Frango Caipira ao Molho Pardo

Ao saber que Elói viria visitá-los no domingo, Dona Sônia começou a pensar no almoço. Lembrou-se de que ele adorava frango caipira ao molho pardo. Pediu a opinião de Zenaide, mas ela se limitou a sacudir os ombros num gesto de tanto faz. Preferiu não saber o motivo da indiferença, pois sabia que a filha, apesar da dedicação com a neta e com o trabalho, estava de mal com o mundo. "Coitada, tão nova e com esta doença, não é para menos", dizia para si. "De quê adianta sofrer? O que está feito não está por fazer", pensava enquanto olhava a filha cuidando de Vitória. "Ela devia deixar de lado a revolta, tem uma filha linda, saudável. Tudo bem, entendo, é a doença e está com medo de amar. Se arrumar um namorado, não poderá esconder a doença... Se contar... Situação difícil. Tem gente que só de ouvir falar na doença, sai de perto. Acha que AIDS transmite num abraço. Ignorantes! Será que o Elói desapareceu por causa disso? Como não pensei nisso antes? Muito estranho, vou tirar a dúvida perguntando, na lata! Se bem não vai adiantar, ele não vai admitir. Também não dá pra ficar com raiva, ele sempre foi solidário e não adianta ficar procurando responsável pela tristeza de minha filha, foi ela que buscou isso. Sofrimento por livre-arbítrio? Esquisito. O Elói vai dizer que é uma questão social. Até sei como vai explicar: culpa do capitalismo! Eu não entendo essas coisas. Não foram os homens que construíram o capitalismo? Eu quero é ver minha filha feliz, o Brasil é grande, tem de haver um jeito de melhorar a vida do povo. Muita gente necessitada. Chico Xavier disse que o Brasil será o celeiro do mundo, mas ainda não é um celeiro nem para os filhos da terra. Tem um tantão de gente assim, ó, descendo a lenha no Lula, mas eu acho que a vida dos pobres deu uma melhorada. Bolsa Família tem ajudado muitas famílias, o custo de vida melhorou, verdade seja dita. Mas que tem muita gente falando mal dele, ah isso tem. Eu não entendo, não leio nem assisto jornal. No horário político desligo a televisão. É uma mentirada, não dá pra confiar nos políticos. Eu com isso? Zenaide, vem aqui um pouco, trás Vitória, quero te perguntar umas coisas".
     Assim que Zenaide chegou com a filha no colo, a avó fez uns carinhos na filha e na neta e perguntou:
     - Minha filha, me responda, por favor, como foi que você encontrou com o jornalista? 
     - Ah mãe, pra que a senhora quer saber? - respondeu desconfiada.
     - Ué, pra saber, que que tem? Depois de tanto tempo sumido...
     - Curiosidade boba, mãe - respondeu com enfado - foi por acaso, em Beagá. E Belo Horizonte não é tão grande assim. Já em Contagem. Encontramos na rua. 
     - De repente fiquei pensando se vocês estão se encontrando há muito tempo, sem eu saber de nada - disse como se estivesse com ciúmes.
     - Me poupe, vai ver a sua novela, está na hora - respondeu se retirando.
     Dona Sônia estava curiosa, queria saber onde a filha trabalhava, mas ela alegava não ser um trabalho fixo. A grana que ela trazia não era muito, mas suficiente para suprir as despesas pessoais e de Vitória. Vez ou outra pagava uma conta de luz, água e gás e sempre trazia alguma coisa da rua para casa: pães, frutas, leite. Raramente dava um sorriso, em geral, com Vitória, com quem passava horas brincando. Às vezes a avó dizia para ela dar um passeio, divertir-se um pouco. Convidou-a várias vezes a ir ao centro espírita, mas ela se recusava, sem explicar a razão. Zenaide se trancara a sete chaves, não falava de seus sentimentos. Sônia depositava esperança em Elói, para tirá-la do silêncio doloroso. 
     Passava do meio-dia quando Elói chegou. Tenório e Edileuza, Marcelo e Dona Sônia receberam-no com entusiasmo. Dona Sônia pediu desculpas por Zenaide, que se encontrava ocupada com Vitória. Apresentou-lhe Seu Atílio, que apos um breve diálogo convidou-o a tomar um suco de manga. Alguns vizinhos, conhecidos de Elói, apareceram para cumprimentá-lo. Apesar de simples, a casa estava bonita, com as paredes pintadas de azul-anil, portas e janelas envernizadas. A cozinha pequena tinha cerâmica decorada.
     - Desculpe, Elói, nessa casa agora só bebemos água, suco e café com leite - justificou Marcelo, vangloriando-se de ter largado o álcool.
     - Sem problemas, Marcelo - respondeu Elói -, pensando bem, suco é bem mais saboroso. Ficou na companhia de Marcelo e Tenório, na sala, enquanto Dona Sônia e Edileuza cuidavam do almoço. Só depois de quase meia-hora após a sua chegada foi que Zenaide apareceu com ar sério, porém sem a carranca de quando se encontraram. Elói sentiu o coração bater afoito e as pernas tremeram quando ela o cumprimentou com um abraço forte e demorado. Zenaide estava no esplendor da beleza, lábios carnudos, pele viçosa e quadril largo. Sentiu a dureza dos seios tocando justamente em seu coração. Ao se soltarem pairou no ambiente um silêncio constrangedor. A garota tinha os olhos cheios de lágrimas. Habilmente Marcelo rompeu o silêncio, perguntando a Elói o que achara da reforma que fizera na casa. Nesse ínterim, Zenaide pediu licença, para ir até a cozinha, saber se precisavam de sua ajuda. Elói bem que tentou desviar os olhos da garota, que se dirigia à cozinha, balançando os quadris, protegidos por uma calça justa de lycra. O sentimento adormecido acordava com uma força arrebatadora a ponto de não escutar o Marcelo dizia. Agora tinha certeza de que fugira desse desejo, fugira de Zenaide de medo de ter seu amor contrariado; não suportaria vê-la andando livre sob os olhares de cobiça de gente jovem e bonita. Descobriu, finalmente, que o preconceito em relação à diferença de idade era dele, pois o amor não enxerga estas coisas. Não importa o que a sociedade pensa, o que conta é o sentimento puro e verdadeiro, recíproco. Sempre tivera medo de amar, admitia agora. Mais ainda quando esse amor se manifestava por uma garota dezoito anos mais jovem. Jurou não meter os pés pelas mãos. Voltou à realidade, elogiando Marcelo pela reforma caprichada. E por ter se recuperado da dependência do álcool; por se tornar um artista da construção civil. Disse estendendo os elogios a Tenório, enquanto manuseava um álbum de fotografias das construções que eles fizeram, e, como sempre, fazendo uma análise da conjuntura. Disse-lhes que se preparassem, pois o país passaria por um período de crescimento econômico nos próximos anos, em especial na área de construção civil.
     - Já melhorou muito - interveio Tenório, animado - com a diminuição da alíquota de impostos em alguns materiais, o mercado está se aquecendo, o cimento barateou.
     - É isso aí, Tenório - apoiou Elói - percebo que você está antenado. É inevitável, pois o crescimento está estagnado há décadas e este governo popular precisa dizer a que veio. A imprensa está batendo forte, faz parte do jogo de interesses, o que vai acabar forçando o governo a tomar algumas medidas a favor do povo. Primeiro porque é necessário, segundo porque precisa de apoio popular, que garanta a reeleição. Você já ouviu falar no efeito bumerangue? As denúncias, para desestabilizar o governo acabarão por fortalecê-lo. Voltará contra os denunciantes.
     Quando a conversa entrava em sua fase mais animada, foi interrompida para o almoço. O cheiro delicioso do frango ao molho pardo provocou o estômago de todos, que se dirigiram à cozinha. À mesa Zenaide exibia um sorriso esplêndido, porém, antes de iniciar a refeição, ela o convidou a ir ao quarto e conhecer Vitória. Dona Sônia se assanhou, querendo acompanhá-los, mas se conteve ante o olhar significativo da filha. Assim ambos tiveram a oportunidade de ficarem um instante a sós. Vitória era, de fato, uma criança linda. Tinha um verde esperto nos olhos e abriu um sorriso encantador. Elói pegou-a nos braços, dizendo, "ó minha filhinha linda!". Zenaide olhou-o com ternura, dizendo: - Lembra-se de quando me propôs registrá-la em seu nome e eu não aceitei? Não seria justo, nunca quis tirar proveito de sua bondade. - E sei - respondeu Elói, retribuindo o olhar terno -, até mesmo a clínica que pus à sua disposição, você quase não utilizou. - Preferi o SUS - respondeu Zenaide - e peço-lhe desculpas pela maneira que o tratei naquela noite. Fui rude, estava irritada  por outros motivos, que não vêm ao caso, não era nada pessoal, como pode ver, afinal, de você só tenho boas recordações. Um pouco de mágoa, por ter desaparecido - completou, piscando os olhos. - Zenaide, vamos sair uma hora dessas, com calma, para conversarmos? Que tal um jantar? Tenho ótimas recordações suas, vamos colocar as coisas em ordem. Está linda, quero que me fale de você, de seus planos, do trabalho, tudo... Mas ao tocar no tema do trabalho, Zenaide baixou as vistas e seu semblante mudou. - O que foi? - perguntou Elói -, falei algo que te aborreceu? - Não, não, de forma alguma - respondeu Zenaide -, a gente vai se encontrar sim, para uma longa e boa prosa, mas agora vamos almoçar. - Sim, vamos - concordou Elói, olhando-a no fundo dos olhos, mas antes me passe o número de seu celular.

21 - O Que Está Acontecendo?


Eu estava ansioso para o encontro com a garota de meus sonhos de amor reprimido. É verdade que perdera a inocência e a pureza de seus treze anos, que me levaram a ouvir estrelas. Por conta de uma segurança exagerada, por conta de uma moral conservadora perdi a chance de tê-la no frescor da puberdade. Talvez eu esteja enxergando um passado inexistente, talvez eu seja um visionário em questões de amores juvenis ou quem sabe até, um porco-chauvinista. Como posso afirmar que ela iria pra cama comigo? Relembrando aquele período vejo-a em meus braços pedindo-me ajuda com um misto de sonho frágil e decisão. Me lembro dela roçando os seios dóceis em meu peito; me beijando calorosamente a face; desatenta, abrindo as pernas e deixando à mostra o sexo róseo de penugens esparsas; recordo o dia em que a beijei na face e meus lábios se deslizaram até os dela, devagar, contendo o ímpeto de um beijo ensandecido. Também me lembro de suas faces coradas, baixando as vistas, sorrindo, esforçando-se naturalidade; recordo bem o dia em que ela com uma saia branca e curta sentou-se em meu colo. Vestia uma blusa lilás transparente, sem o sutiã. Fiquei com a respiração presa, o coração disparado ao ver os seios rosados, o fio-dental vermelho, as coxas da cor de jambos maduros descobertas e ela me sorrindo com doçura, balançando suavemente de um lado para o outro com prazer sobre o meu pau enrijecido. Há sentimento de frustração, ao mesmo tempo de paz na consciência, pois foi melhor não ter acontecido nada mais além disso. Com esses pensamentos eu seguia para a redação do jornal, para mais um dia de denúncias contra o governo Lula. Mas eu estava imune aos ataques raivosos das pessoas que se diziam lesadas pelo governo. Meus pensamento estavam voltados para o encontro que teria ainda nessa semana com a minha doce Zenaide. O que ela teria para me dizer de novidade? O fato de ela estar infectada não nos impede de irmos para a cama, afinal as camisinhas existem para nos proteger de doenças e gravidezes. Ah, de novo começo a fantasiar, calma Elói, o que está acontecendo? Não, não vou deixar escapar a oportunidade que se apresenta, tudo pode acontecer entre nós, inclusive nos amarmos. Hoje com tranquilidade, pois ela é de maior e eu estou mais seguro, quero fazer tudo direito. Um jantar romântico... Levo flores? Levá-la a um motel. Veremos. Mulheres não gostam de irem pra cama num primeiro encontro, gosta de um ritual. Se bem, hoje em dia as mulheres estão mais decididas, além de sermos velhos amigos. Não acredito no que está me acontecendo! Preciso de um terapeuta kkkk...  Na altura do campeonato, com tantas mulheres no mundo eu ficar feito um idiota por causa de uma garota problemática? Minha imagem refletida... só pode! Está certo que ela é linda, sensual, não pode ser apenas sexo. Alguma coisa estranha está acontecendo comigo. Posso estar arranjando sarna para me coçar. Qual é o verdadeiro sentimento que me leva a ela? Tô surtando? Parece uma obsessão ou estou me tornando um velho sonhador, que não se enxerga? Zenaide não é para o seu bico, velho safado kkk, preciso me conhecer melhor. Talvez um altruísmo inconsciente... sei lá!
     Com estes devaneios Elói chegou à redação. Sem cumprimentar os colegas foi direto na garrafa de café e se serviu. Pediu um cigarro a Manuela: - Uai, você está fumando? As denúncias contra o governo estão abalando os seus nervos? - provocou. Só então voltou a si: - Qual é a nova denúncia? - Perguntou, acendendo o cigarro. Manuela mostrou-lhe o resultado da pesquisa sobre o governo e o presidente estava recuperando a popularidade. 
     - Parece que os ataques diários tiveram efeito contrário, sabe Manuela - sentenciou Elói -, quem está caindo no descrédito é a mídia empresarial. Por mais ignorante que uma pessoa possa ser, ela desconfia, percebe algo estranho. Uma coisa é a informação, outra coisa é a manipulação. A insistência de desacreditar e atingir o Lula em um país em que quase todos os políticos têm telhados de vidro leva à contradição. Porque poupar uns e atacar outros? Só se age assim por interesse. Vou repetir o meu bordão: Lula não faz o governo dos meus sonhos, mas convenhamos, está colocando velhas raposas no bolso. Disse e repito, ele vai se reeleger. Sabe por quê? Porque a maioria do povo está vivendo melhor, as pessoas sabem disso e na hora de votar, não arriscam. 
     - Começo a concordar com você - Interrompeu Renato Matos -, todos sabem do meu ceticismo com a política brasileira, mas está muito claro que por trás das avalanches de denúncias se escondem interesses de classe. A luta de classes está acontecendo em outro patamar. A população está desgastada com as denúncias, até porque sempre foi assim. Quem não praticou um caixa dois, que atire a primeira pedra. Por que só agora o espírito ético baixou em políticos que sempre se locupletaram com o erário? Repare bem a cara dos moralistas de plantão. Falta credibilidade!
     - Às vezes penso ser a oportunidade de todos repensarmos seus valores - interveio Manuela enquanto colocava em ordem algumas fotos de empresários e políticos que participaram do coquetel no Palácio da Liberdade -, principalmente nós, jornalistas. Em tempos de internet nos acomodamos, agora é só diante do computador, em salas de ar refrigerado, enquanto o Brasil real está lá fora. Fazemos uma leitura errada dos acontecimentos. Só tem uma coisa, Elói, apesar dos exageros, acho que o PT fez por merecer. Seus dirigentes sempre pregaram a moralização e não há como negar que muitos botaram a mão na botija. Conclusão: ou o PT assume os compromissos históricos ou cai na vala-comum. Vigiar os passos dos dirigentes é um dever do bom jornalismo. 
     - Não entendi - ironizou Renato.
     - Simples. A imprensa em geral poderá mudar a postura. Não poderá mais ser seletiva. Onde houver irregularidades terá de denunciar, forçando todos a refletirem sobre mudanças de paradigmas. Isso vale tanto pra esquerda, quanto pra direita.
     - Vija não Manuela - interveio Jarbas, o faxineiro anarquista -, temos de colocar tudo isso abaixo. Todo mundo está na vala-comum, todos querem uma propina, um jabá. 
     Jarbas colocou um fim na conversa e cada um foi ocupar sua mesa. 
     Elói começou a folhear um jornal concorrente, uma de suas novas atribuições, que fazia a contra-gosto. Em geral lia as manchetes e completava com uma leitura dinâmica algumas colunas. Nesse dia, sem motivo ou motivação, lera alguns classificados de garotas de programa, que se ofereciam para o sexo. Um chamou a sua atenção: "Ninfeta loura vai levá-lo ao mundo dos prazeres! Sou meiga, carinhosa e satisfaço os seus desejos secretos. Venha ser feliz. Espero a sua ligação". O número do celular era o de Zenaide.



Próximos capítulos...


22 - Encontro Marcado
23 - Os Encontros se Sucedem


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