Imagem: Goolge
Eu era rígido e frio, eu era uma ponte; estendido sobre um precipício eu estava. Aquém estavam as pontas dos pés, além, as mãos, encravadas; no lodo quebradiço mordi, firmando-me. As pontas da minha casaca ondeavam aos meus lados. No fundo rumorejava o gelado arroio das trutas. Nenhum turista se extraviava até estas alturas intransitáveis, a ponte não figurava ainda nos mapas. Assim jazia eu e esperava; devia esperar. Nenhuma ponte que tenha sido construída alguma vez, pode deixar de ser ponte sem destruir-me. Foi certa vez, para o entardecer – se foi o primeiro, se foi o milésimo, não o sei – meus pensamentos andavam sempre confusos, giravam, sempre em círculo. Para o entardecer, no verão, obscuramente murmurava o arroio, quando ouvi o passo de um homem. A mim, a mim. Estira-te, ponte, coloca-te em posição, viga órfã de balaústres, sustém aquele que te foi confiado. Nivela imperceptivelmente a incerteza de seu passo, mas se cambaleia, dá-te a conhecer e, como um deus da montanha, atira-o à terra firme. Veio, golpeou-me com a ponta férrea de seu bastão, depois ergueu com ela as pontas de minha casaca e arrumou-as sobre mim. Com a ponta andou entre meu cabelo emaranhado e a deixou longo tempo ali dentro, olhando provavelmente com olhos selvagens ao seu redor. Mas então – quando eu sonhava atrás dele sobre montanhas e vales – saltou, caindo com ambos os pés na metade de meu corpo. Estremeci-me em meio da dor selvagem, ignorante de tudo o mais. Quem era? Uma criança? Um sonho? Um assaltante de estrada? Um suicida? Um tentador? Um destruidor? E voltei-me para vê-lo. A ponta de volta! Não me voltara ainda, e já me precipitava, precipitava-me e já estava dilacerado e varado nos pontiagudos calhaus que sempre me tinham olhado tão aprazivelmente da água veloz
Franz Kafka
Que viagem no mistério, de arrepiar, gosto da imaginação fértil, essa superou às espectativas. Parabéns!!!
ResponderExcluirGrande abraço e feliz domingo.
Obrigado, sempre, Liduina, por prestigiar meus alfarrábios. Volte sempre.
ExcluirBom dia. Todo mistério é deslumbrante. Ótimo domingo caro amigo.
ResponderExcluirOlá, meu amigo e ex-colega de internato, hoje um professor dos bons. Prazer ler seu comentário aqui. Volte mais vezes.
ExcluirColocar em palavras a rica imaginação. Grande escritor
ResponderExcluirObrigado, professora. Volte sempre!
ExcluirO estilo Kafkiano que pouco explica mas escancara a dúvida e o absurdo em forma visceral. A ponte que leva do nada a lugar nenhum que destrói ao invés de conectar... A expressão de um ego perdido em dúvida. Foi um mestre...
ResponderExcluirObrigado pela leitura e comentário, Max, talentoso parceiro de letras. Está convidado a publicar aqui. Será uma honra.
ExcluirObrigado, Maria. Kafka é genial. Sugiro ler A Metamorfose, em seguida O Processo. E muitos contos curtos, são bons. Abraço fraterno.
ResponderExcluirQue pesadelo! Tão original. O Mundo nos sufoca, nos esmaga. Pensamos estar bem, porque às vezes estamos. Mas o nosso subconsciente é marcado e se manifesta. Cleoborges
ResponderExcluirQue alegria ler seu registro aqui, Cleo. Bem-vinda. Grato e volte mais vezes.
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