quarta-feira, 8 de outubro de 2014

PRIMAVERA PARA SOBREVIVENTES







Um ano depois daquela primavera
primavera silenciosa, amara
e ainda assim houve um poema
E hoje?
Qual poema ainda seria possível?
A primavera só existe para quem está realmente vivo
não para sobreviventes
Ainda assim
braçadas no desespero
de não ser engolida pelas águas
ah, eu que não sei nadar
escreverei talvez o poema
da primavera mais triste
que a das aves mortas
sobre os telhados envelhecidos
mais solitária porque as dores
estão tão velhas...
e nem mais lagos, mesmo rígidos
somente o silêncio e a não vida

Ainda assim escreverei um poema
da minha primavera
que resiste à morte
cavarei com as mãos até sangrarem
uma brecha no tempo
este meu tempo exílio
no alto desta torre
que me separa de tudo que fui

Primavera silenciosa que te foste
e ainda havia um grito cortado ao meio
uma dor de vida em andamento
uma raiva, um desencanto
uma nota repetida, som nos ouvidos
nem isto tenho agora!

Escreverei sim, outro poema
mais duro, mais toruturado
que se rasguem enfim todas as ilusões
e reste apenas o chão devastado
nele deitarei meus cansaços
e sonharei, ah, os sonhos
que sempre nos surpreendem
ainda que somente um tênue sopro
um sussurro de vento falando em vida
escreverei este poema para ti
que me lês além da palavra
que me desencavas
e exibes intacta, nítida
 quando em ti me leio
e vejo confirmada

Um novo poema de uma nova primavera
descolorida, mais do que a outra
banal, sem surpresas, nem sustos
cartão postal amarelado
cenário esquizofrênico
reprise de filme barato
E ainda assim, escreverei
este poema da primavera em ruínas
que dentro de mim desmontei
e resisto ao medo, ao tédio, ao desamor

Escreverei este poema para ti
sem reservas, sem pudor
alma arreganhada, boca hirta
risada atrevida
recebe esta minha loucura
e vê que o poema saiu, ah
como um parto
assim me parto em duas , três
em várias, em almas párias
vem e me abraça sob o sol de setembro
e me conta as tuas histórias de
me fazer feliz, amigo
Vou te escrever este poema
para toda a tua vida
Duvida?



Tania Orsi

14 comentários:

  1. Poema sem "dúvida" divino exprimindo cores e tons da primavera em altos versos de lealdade à natureza, beijos amigo que nos dá este espaço lindo!!!!

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  2. Linda primavera sob versos autênticos e belos, parabéns amiga e amigo Stan

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  3. Poema lindíssimo ,você é maravilhoso em tudo que escreve ,adorooo

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    1. Obrigado Antonia, belo este poema da amiga e parceira de letras Tania Orsi.

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  4. Poema denso, inspirado, lindo ! Parabéns Tânia. Que tenha sempre uma primavera para florir os seus dias. Abraço da Olynda. Abraço pra ti também Stan, Divulgador da cultura Olynda

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  5. Divino! Parabéns a ambos! Poetisa e seu anfitrião!

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  6. ainda temos primavera a cumprir... enquanto o dia nascer e abrirmos os olhos de susto para ainda estarmos vivos... e como o passar desses anos, corpos mais envelhcidos, memória tão carregada de antigamentes, vamos percebendo que os ossos contornos se alargam e os braços e pernas má se misturam aos caminhos percorridos, já somos os nossos caminhos, e resta somente a percepção de que nada começa e nada acaba, coisa mais velha de se saer, e que pés mais inseguros e mãos trêmulas se diluem nas cores, nos sons, nas fendas de momentos e nós que consguimos sobreviver a nossa juventude e aos nossos dramas surrados agora podemos ouvir os pássaros com os ouvidos pousados nas árvores, com as mãos voando nas suas asas, com a calma de manhãs que sabemos definitivas. ---- Obrigada, Stan e a todos que comentaram meu abraço e sincera gratidão.

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  7. Abraços de um inverno que precisa demais de uma nova primavera.... quiçá ela venha sem tanta tristeza... mas poeta é um fingidor não é? QUe finge a dor que deveras sente? Somos feitos dessa dor ancestral que nos jogou no mundo, somos passageiros, somos matéria viajante...

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  8. Vida e beleza ao meu blog. Grato, seja bem-vinda, sempre. Abraço

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  9. Palmas e Palmas ao belíssimo poema com que nos presenteia a poetisa. Parabéns!

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    1. Tânia Orsi é uma talentosa poetisa, que tive a honra em tê-la no prefácio de A Moça do Violoncelo. Uma gaúcha que faz tempo não escreve mais no Recanto.

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