quarta-feira, 30 de julho de 2014

O consertador de guarda-chuvas

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   O consertador de guarda-chuvas que habita aquele barraco, caminha cambaleando... Uns dizem que de bêbado, outros que de louco. Que ele bebe todo mundo sabe! Caminha murmurando frases desconexas.
     Em certos dias, ou noites - para certas coisas não existe hora marcada - ele tem terríveis ataques, deixando a todos assustados. Os meninos que jogam bolas e soltam pipas pelas ruas fogem apavorados para dentro de suas casas ou se refugiam como podem. Até os mais moleques - os que atiram pedras nos telhados e vidros das casas e os que matam gatos para comer, fisgados em anzóis como se peixes fossem (pobres gatos! Só serão poupados quando estes meninos tiverem outra coisa para comer), correm como balas.
     Barulho e grito saem do barraco, uma algaravia entrando pelos ouvidos dos vizinhos. - Foi o diabo que entrou no corpo dele! Comenta alguém.
     No dia seguinte o consertador de guarda-chuvas sobe a rua pitando seu cigarrinho de palha com um guarda-chuva pendurado às costas, preso pelo colarinho da camisa, cumprimentando a todos com um sorriso, expondo com transparência sua fragilidade. Com as mãos trêmulas sai contando a quem lhe dê ouvidos os seus causos - causos de guarda-chuvas - e procurando trabalho.- A senhora não tem uma sombrinha precisando de reparo? Que ele é bom em seu ofício todo mundo sabe. Guarda-chuvas caindo aos pedaços ele os transforma em novinhos em folha. Um verdadeiro milagre!
     O que quase ninguém repara é que, com aquelas mãos trêmulas ele consegue dar pontos e prender barbatanas...




Crônica que integra o meu livro de bolso Crônicas do Cotidiano Popular - Edição do Autor - 2006

13 comentários:

  1. Reparado o feeling desse olhar poético nessa crônica de excepcional belez! Abraços

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  2. Gosto muito de ler crônicas, desde os tempos de estudante. Excelente essas suas. Foi muito bom conhece-lo amigo Escritor. Crônicas do Cotidiano Popular deve ser um livro de bolso ótimo. Parabéns. Sou um grãozinho de areia, diante de tanta inspiração e cultura. Um abraço.

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  3. Bela reflexão de um outro olhar sobre o valor da "pessoa". Cada um esconde seu valor. Gostei muito Stan, da sensibilidade contida no texto.

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    1. Acho acertei a mão nesta crônica Olynda. Valeu a leitura. Abraço.

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  4. No fundo ele consertava pedaços de almas das pessoas que o procuravam, com eus velhos e habituais guarda chuvas, não é Poeta*****?

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  5. Sensibilidade para se ver o que vai além da imagem..Bravissimo!

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  6. Muito bom! Um arremate sensível e belo.

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  7. Gosto especialmente de suas crónicas,elas sempre me remetem à algo que vivenciei.quando criança, meu Pai consertava guarda chuva.

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