Balsa que faz a travessia do Rio Doce, em Itapina-Imagem: Google
1968 foi ano em que o ditador Costa Silva editou e publicou terrível AI-5. Mas eu não sabia e não tinha a menor ideia do que isso significava. Queria jogar bola, ver televisão, estudar e ler os livros da biblioteca, obviamente sem as publicações contrárias ao regime. Eu me embarquei na onda de "esse é um país que vai pra frente", "ame-o ou deixe-o", "ninguém segura esse país" e por aí vai, e nas horas dançantes em que dançava o bilisquete. Era um filhote da ditadura.
No primeiro ano fui um aluno relativamente exemplar. Estudava, participava do projeto agrícola. Cada aluno ou pequeno grupo de alunos recebia uma área para plantio de hortaliças. Os mais corajosos pegavam áreas maiores e plantavam milho. No primeiro ano plantei quiabo. A colheita foi boa. Tínhamos uma cota. Atingida a cota, a escola nos pagava um valor pelo excedente. Com a grana recebida no primeiro ano, não foi necessário pedir dinheiro ao meu pai, para passar as férias em casa. Teve um ano que passei as férias na escola, para evitar despesas com passagens, sempre de trem, na segunda classe, de Governador Valadares a Itapina, onde desembarcava e pegava uma balsa para atravessar o Rio Doce, e seguir à pé, com a mala nas costas até a escola. Me lembro do saboroso frango assado, com farofa, preparado por Dona Bela, minha mãe. Aconteceu umas duas vezes de me desembarcar em Colatina e pegar o ônibus até a escola.
Não sei até que ponto eu fora manipulado pelo Diretor, José Ribeiro, que me levou à condição de líder geral. O Odilon deixara a liderança e a escola, após se formar. Em 1969 eu fazia discurso inflamado sobre o país, tipo porque me ufano do meu país. Isso acontecia, geralmente em datas cívicas, no hasteamento da bandeira. No dia 7 de setembro desfilávamos nas ruas do centro de Colatina, em que eu tocava um tambor, na fanfarra. Nossos trajes eram calça e camisa caqui, talvez para imitar uniforme militar. Mas não fui um líder exemplar, como o diretor queria. O esporte, a literatura e o teatro me atraíam.. Atuei em duas peças, dirigidas pelo professor Filogônio. Fui elogiado diante de meus colegas de sala, pelo professor de português, Wallace Pimentel, quando escrevi sobre a ida do homem a lua, em 1969. Foram três anos bons, livres das dificuldades do lar. Mas teve um ano em que tivemos de passar uns dias em casa: faltou comida na escola. Hoje entendo que faltou verbas do governo federal.
Sim, fui líder geral. Não me lembro se pelo voto. De qualquer forma, tinha a simpatia dos colegas, que me aplaudiam pela versatilidade. Do futebol ao volei; da literatura ao teatro; da fanfara aos discursos; do projeto agrícola às horas dançantes, não fazia feio. Jogava em todas as posições. Era ruim com as meninas. Reprimido e tímido nas questões de amor. Sim, lá também estudavam garotas internas. Tive um amor platônico por Marlete. Aninha, filha do diretor, não era pro meu bico. Parece que o Méier, carioca, dono de uma calça jeans de fazer inveja na galera, conquistou a garota. A minha turma era formada por Benil, de Mutum, Roberto, de Aimorés, terra de Sebastião Salgado e Reginaldo, de Montanha. Mas interagia com outros, o Dário, de Sobrália, por exemplo, no primeiro ano, gostava muito de mim. Sempre me pedia pra cantar:
E o líder geral decepcionou o diretor. Os detalhes, conto no próximo capítulo.
J Estanislau Filho
Jota E, confrade recantista: um primor de composição, de tão deleitosa leitura. Meu abraço mineiro, Paulo Miranda
ResponderExcluirObrigado pela generosa leitura, meu parceiro de letras. Volte mais vezes.
ExcluirGessi : Tudo isso de memória! As minhas nem se eu quiser vou lembrá-las. Você tem o dom. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado, mana! Bem-vinda é um feliz Natal!
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