terça-feira, 20 de abril de 2021

Das Minhas Lembranças 5

Imagem: Fundação Perseu Abramo

Na medida em que reviro o baú da memória, vêm à tona lembranças que o tempo esmaeceu e que se fazem mais nítidas ao me situar no contexto da época. E por mais que me esforce, não consigo lembrar o nome destes heróis, que ousaram lutar contra a ordem opressora.


Em 1979 a greve dos metalúrgicos de BH e Contagem mexeu com os corações e mentes de muitos companheiros e companheiras. Houve a costura de um acordo em que os trabalhadores da Belgo iriam fazer piquetes nas portarias da Mannesman e os da Mannesman nas portarias da Belgo. Era uma forma de evitar que olheiros identificassem os grevistas, para nos protegermos de perseguições de demissões futuras. Mas os companheiros da Mannesman não se apresentaram em número suficiente nas portarias da Belgo-Mineira.


Certa noite, por volta das vinte e uma horas eu estava num piquete, na portaria da Mannesman que dá acesso ao Bairro das Industrias,  com a mochila de lanche e uma garrafa de café pendurada no ombro. Acho que era a portaria 4.  A polícia estava lá, para nos dispersar. Comecei o trabalho de convencer os companheiros a aderirem à greve. Policiais montados em cavalos e outros à pé,  com porretes, interditavam a passagem. De repente eu tive de correr para não ser pego. Corri em direção aos vagões de trem estacionados na via. Uma viatura me seguia. Estavam mesmo dispostos a me pegar. Não sei como atravessei os vagões e fui parar à beira de um córrego. Escapei das garras da polícia e quase caio nas garras de um cão. A lua estava uma beleza. Contemplei-a por alguns segundos. Tomei um gole de café, pensando como sairia daquela situação. Na correria nos dispersamos. Não sabia onde estava o Gonçalves. Depois ele me diria que seguiu pelo córrego até o sindicato, lá chegando, molhado até a cintura. Eu andava sob a luz do luar, quando cheguei próximo de um barraco à beira do córrego. Ao dar a volta, levei um susto: um cachorro dormia tranquilamente no pequeno terreiro. E agora? Tratei de sair de fininho.  O que tinha de ser feito, fora feito. Não me lembro de como retornei para casa. Foi uma noite complicada e mal dormida. No dia seguinte conversei com o companheiro Rui Barbosa e ele me contou que um trabalhador (não me recordo quem) do especial que levava os companheiros para o turno das 15h fez o motorista do ônibus parar na Praça da Cemig e convidou a todos para descerem, no que foi obedecido. Outro especial, passando pelo Bairro Industrial teve o seu itinerário interrompido por pneus furados por pregos colocados na via.  Assim como o companheiro que obrigou o motorista a parar na Praça da Cemig, outros personagens anônimos, formavam as lideranças  de seções da fábrica, que garantiram a paralisação.


Novas emoções aconteceriam na noite que se aproximava. 


 

J Estanislau Filho




5 comentários:

  1. É complicado! É uma luta sem fim,e o resultado incerto. Luta de fé. . . Tem que ter muita coragem. Admiro!

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  2. Verdade! Mesmo o pessoal da Mannesman nao vindo para portaria da Belgo, os trabalhadores da Belgo, sem o piquete,

    nao furaram a greve. Foi bonito!

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