domingo, 21 de dezembro de 2014

Heráclito



O segundo crepúsculo.
A noite que mergulha no sono.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo.
A manhã que foi a aurora.
O dia que foi a manhã.
O dia numeroso que será a tarde gasta.
O segundo crepúsculo.
Esse outro hábito do tempo, a noite.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo...
A aurora sigilosa e na aurora
o soçobro do grego.
Que trama é esta
do será, do é e do foi?
Que rio é este
por onde corre o Ganges?
Que rio é este
que arrasta mitologias e espadas?
É inútil que durma.
Corre no sonho, no deserto, num porão.
O rio me arrebata e sou o rio.
De matéria perecível fui feito, de misterioso tempo.
Talvez o manancial esteja em mim.
Talvez de minha sombra
surjam, fatais e ilusórios, os dias.

Jorge Luis Borges

3 comentários:

  1. Eternamente JORGE LUIS BORGES, Bela partilha querido amigo Stan, beijos da Luiza, leitora

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  2. Nascemos, identificamos, encantamos, adormecemos..
    '..da minha sombra surjam fatais, ilusórios os dias''..
    Bravissimo JLB..e ao bom gosto do poeta..Abraços..

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